Uma jovem camponesa não se abala com tragédias, mas não suporta a solidão.

A pequena Francisca vive com os pais de origem portuguesa, em uma fazenda afastada das outras propriedades rurais nos Estados Unidos. Um dia, um visitante não convidado chega na casa e coloca fim ao que era uma existência calma, amorosa e cheia de conhecimento para Francisca. A mãe morre em uma maneira típica do terror, algo que não seria uma surpresa para os leitores deste blog, mas que deveria ser para o resto da família dentro do filme. O verdadeiro choque é o quanto o terror é algo natural para Francisca, mas não algo do tipo “eu amo filmes de terror e farei um blog a respeito”… a menina possui uma visão muito peculiar de como deveria levar a própria vida e o que acontece naquela casa isolada, mesmo não possuindo uma origem definida, é a verdadeira incorporação dos elementos mais nefastos de um filme de terror, no dia a dia da vida no campo.

Você pode a primeira vista fazer o que eu fiz, que foi agradecer pela duração do filme, que possui pouco mais de uma hora, assim que descobre que ele é em preto e branco. Eu sei que a minha responsabilidade com a neutralidade antes de ver o filme não me permite o julgamento precoce, mas eu já tive tantas experiência pseudo-artísticas com a ausência de cor, que não pude evitar. Para a nossa alegria, o filme apenas parece devagar, porque a história anda, avança décadas e qualquer momento contemplativo é necessário, para que haja uma pausa para pensar nos eventos que ocorreram previamente e para temer o que está por vir. O preto e branco não é uma manobra esnobe de um criador que já espera ser incompreendido, ou como meus professores da faculdade diziam: um recurso bacana para esconder erros fotográficos. O filme tem apenas as duas cores que precisa, a cor do mal e a cor usada para mostrá-lo.

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Nicolas Pesce é um estreante muito novinho para ser assim tão bom, mas ele inicia a carreira com um filme de grande impacto, que não mostra quase nenhuma violência de forma explícita, mas consegue transmitir tanta crueldade, que faria o pessoal de O Albergue sentir um pouco de desconforto. É um retrato super sensível de pessoas solitárias, falado em duas línguas e carregado pelo antiquado fado português na trilha sonora, enquanto expõe sem nenhuma restrição uma protagonista insensível a qualquer necessidade que não seja a própria. Como esse moleque com seus poucos anos e zero experiência, tem o conhecimento, a delicadeza e a destreza para saber como e quando mostrar a verdadeira natureza de Francisca, para que em momentos diferentes do filme ela provoque medo, ódio e até mesmo piedade, é impressionante e me anima para ver o que o cara é capaz de nos mostrar quando estiver mais maduro.

Os Olhos da Minha Mãe é dividido em três capítulos denominados Mãe, Pai e Família, mostrando três estágios da vida de Francisca, da infância até a vida como a chefe da casa. Nas três partes, a força que move a história é a busca constante da jovem por companhia. Seria muito mais fácil vender a fazenda e viver rodeada de gente em uma cidade grande, mas Francisca é uma grande adepta da vida no campo. Você pode pensar que privacidade é essencial, para fazer o que ela acha que precisa fazer para manter contato com outras pessoas, mas o costume brutal que ela preserva poderia sofrer modificações dependendo do ambiente. É uma questão de o local ditando a circunstância e o mais assustador é que, como os gangsters de Cães de Aluguel que quando não estão reunidos para cometer um crime, discutem assuntos tão triviais quanto o significado de uma música pop, Francisca também se comporta como um ser humano normal, em todas as horas de todos os dias de todos os anos em que a presença de outra pessoa na casa a conforta.

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O filme possui uma fotografia maravilhosa. O sangue brilha e se destaca em cenas em que aparece em segundo plano, mas onde o resto do cenário é comum e pacífico. Composição inteligente e iluminação que trabalha muito bem para nem ser notada, dando forma e personalidade em conjunto com a magnífica atriz Kika Magalhães a uma figura franzina, quase angelical que você aprende a respeitar como um cinto na mão de um pai de outros tempos. Perto dela ninguém vive ou morre em paz.