suspiria
Dirigido por Dario Argento

Uma academia da dança na Alemanha é a fachada para uma panelinha de bruxas.

Eu amo Dario Argento! Ele é aquele melhor amigo que presta atenção quando você conta um sonho, ao invés de virar os olhos e tentar mudar de assunto. Melhor do que isso, ele filma nossos pesadelos, as lembranças obscuras e dá voz aos que tem medo, sem se preocupar em tornar o conteúdo acessível para a maioria das pessoas. O resultado é sempre uma assustadora bagunça de atores que necessitam de dublagem por falarem em diversas línguas, personagens que parecem importantes quando surgem pela primeira vez mas que somem sem explicações. Som que precisa ser ajustado de cinco em cinco minutos, porque a trilha grita enquanto as pessoas sussurram e atuações de dar vergonha, mas meu Deus, que bagunça arrepiante e belíssima de se ver. A música já recebeu homenagem neste blog e o trailer original do filme (aquele do esqueleto penteando o cabelo) ainda é um dos mais competentes que eu já vi em provocar medo e desconforto. Argento pode ser o melhor amigo, mas não é perfeito. Ele não se contenta em ouvir o seu pesadelo, ele quer contar o dele e competir para saber quem “sonha pior”. Como sempre se mantém fiel ao caos e o transforma em arte, ele sempre ganha.

No momento em que Suzy decide aperfeiçoar o balé e se muda de Nova York para uma conceituada escola de dança na Alemanha, ela aceita os termos e condições de uma viagem na maionese perigosa. Ainda no aeroporto, a vida normal e a fantasia disputam a garota como se ela ainda não tivesse feito a escolha. Mesmo se o filme não tivesse elementos sobrenaturais, o diretor possui o dom de fazer com que o terror provocado por homens e mulheres vivos, adquira características mágicas. Em Suspiria, tudo é possível, a única coisa proibida é a cor neutra. Não existe limite que uma vítima possa cruzar para escapar da morte, nenhum lugar é longe, seguro ou povoado o suficiente. Ninguém escuta os pedidos de ajuda, mas eu duvido que ninguém escute a trilha e os efeitos, já que todo o som do filme, incluindo os diálogos, é falso e foi inserido na pós produção. É como se os personagens escutassem, mas não estranhassem, assim como acham natural que a iluminação mude de cor e esta sempre seja forte. De vermelho sangue para azul royal, rosa neon ou verde folha sem lógica, sem despertar curiosidade e falando em sangue, ele é descaradamente falso.

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Suzy chega na escola que mais parece uma casa da barbie em tamanho real, quando outra aluna que acabou de ser expulsa é assassinada brutalmente. A polícia investiga, mas ninguém liga muito, todos preferem falar sobre dinheiro. O que vai chamar a atenção mais pra frente, além das circunstâncias anormais e espalhafatosas das mortes, é que elas acontecem com indivíduos que desafiam as regras da escola. A jovem não precisava morar na mansão e nem queria, já que o corpo docente e os demais trabalhadores da casa não são tão encantadores quanto eles acreditam. As poucas horas passadas nas aulas já são capazes de deixar a moça doente, mas arranjos são feitos e não se recusa um quarto naquele lugar.

Sara, a aluna infantil e problemática não é a única amiga de Suzy na casa, mas a chegada de Suzy desperta em Sara um desejo de querer saber os segredos da casa. Mais curioso do que uma bailarina bisbilhoteira, é que os momentos Sherlock de Sara se intensificam quando Suzy dorme. Numa noite de histeria solitária, Sara não consegue acordar Suzy de jeito nenhum e se torna um alvo na casa. Me fez lembrar dos sonhos ruins da infância, de não querer acordar meus pais no meio da noite para não levar uma bronca ou parecer tola. A melhor conclusão vinda da convivência da dupla é que tem gente mentindo pra elas sobre coisas aparentemente tolas. Oficialmente os professores vão para casa dormir depois do jantar, mas as meninas descobrem que o som dos passos escutados através da parede dos quartos, desaparecem na direção contrária à porta de saída. Pra onde eles estão indo?

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Se você está em busca de fundamento e coerência, esqueça. Eu sei que é frustrante quando as pessoas em Suspiria não agem como deveriam em situações de estresse ou mesmo situações normais, mas realmente não se trata de um filme normal. Ninguém como Argento reproduz a sensação de correr sem sair do lugar e outras estranhezas que acontecem quando ficamos à mercê da nossa própria mente todas as noites. Quando o cinema precisa de alguém para retratar sonhos, Lynch é o cara do sentido figurado e do glamour, mas Argento é o artista visceral, das mortes espetaculares, da grosseria tosca que o subconsciente pode produzir, ele é um dos mais corajosos cineastas da história. O cara é um presente para o cinema de terror.