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Dirigido por Fede Alvarez

Três ladrões invadem a casa de um homem cego e descobrem que a vilania é adepta da inclusão.

Os criminosos do filme não são a explosão de charme que fazem dos assaltantes de 11 Homens e um Segredo dignos de torcida. São ladrões de verdade entrando com competência nas casas, se apoderando da propriedade alheia, com doses extras de desrespeito e ao mesmo tempo, de uma maneira ponderada para perpetuar o serviço sem grandes riscos. Como sempre acontece neste tipo de atividade, existe aquele “último trabalho” que oferece a chance de aposentadoria precoce, em troca do aumento na periculosidade. Eles aceitam porque, mesmo mostrando que o trio tem personalidades bem diferentes, o motivo que impulsiona qualquer ladrão é a ganância. A vítima é um aposentado cego, então não é difícil a princípio desejar que eles falhem. Mas o que nós queremos é cadeia, não ossos quebrados. Com o filme O Colecionador aconteceu quase a mesma coisa, que foi fazer a nossa moral se curvar um pouco para desejar a fuga do criminoso, só que aqui, o filme consegue o mesmo feito sem que haja um personagem dedicado à crueldade.

Detroit se tornou a referência do abandono nos Estados Unidos. Com a crise de 2008, muitas fabricas fecharam as portas, muitas famílias se mudaram para outros lugares e a cidade ainda não se recuperou economicamente. É financeiramente viável para estúdios de tv e cinema, usar o município como locação para histórias sobre monstros, apocalipses e desastres naturais, porque existem muitas áreas desocupadas e construções apodrecendo. No filme, o homem idoso e cego vive com um polpudo acordo de um processo em um desses locais falidos, sem vizinhos por perto, o que faz das condições nas quais ele se encontra uma dádiva para qualquer assaltante. Só que a localização também faz da casa uma espécie de “cabana na floresta” dentro de um centro urbano, se é que você me entende. Tudo o que fizerem na casa com o homem não chamará a atenção na vizinhança, assim como o que o morador fizer em resposta também ficará secreto. Eu mencionei que o cara tem um rottweiler?

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A mudança nas circunstâncias deveria ser um grande alerta, do produto a ser roubado à dificuldade no arrombamento. A vibração estranha vem do próprio cego, do silêncio e da residência cheia de portas que o diretor nos faz “tatear” na penumbra, em uma sequência sem cortes de deixar os nervos à flor da pele. Os ladrões pretendem roubar a casa com soluções temporárias para o homem e para o cachorro, durante a noite, sem perceber a desvantagem que a decisão traz para eles. No meio do roubo o cego acorda, mas bem antes disso a vontade de quem assiste é de sair correndo da casa o quanto antes. Algo está muito errado naquele local e o que o resto do filme nos diz é que niguém tinha a mínima ideia do quão errado tudo realmente estava.

Não vai ter uma alma viva assistindo ao filme enquanto checa as atualizações do WhatsApp. Com O Homem nas Trevas o diretor é capaz de segurar a respiração do público como comanda o título original em inglês. Quanto mais se descobre sobre os ladrões, mais se torce por eles e o contrário acontece com a vítima, mas a manipulação do diretor não termina por aí. A partir do momento em que o morador descobre que está sendo assaltado, até a última cena do filme, eu perdi as contas de quantas vezes a vantagem da situação mudou de lado. É como em um disputadíssimo jogo de tênis, só que ao invés de dois atletas de elite matando o público de tensão, são três pessoas acostumadas com situações adversas contra um veterano de guerra com ainda mais experiência em ataque e defesa, jogando uma partida frenética, cheia de reviravoltas e violência, para manter a vida e se der, o dinheiro. A primeira vez que eu pensei que o filme tinha acabado, era só um tie break que desacelerava o rítmo, para que o público pudesse absorver mais um pouco de informação. Só o suficiente para a próxima jogada.
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Pessoas cegas não tem poderes especiais e o filme nem é sobre isso, por mais que existam situações absurdas que tenhamos que engolir. A mais gritante delas sendo o descuido que facilita a entrada de criminosos em casas supostamente protegidas por firmas especializadas. O filme é uma montanha-russa sobre querer mais do que se têm direito, sobre se achar realmente invencível, cheio de sorte e subestimar seus oponentes. A direção alterna a rasteira que passa nos personagens, dependendo de quem exibe esses sentimentos egocêntricos no momento, e outra rasteira em nós por consequência, quando estamos convencidos demais sobre de que lado a lei está. Definitivamente não é para quem tem nervos fracos.