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Dirigido por Michele Soavi

Um coveiro e seu assistente são os únicos cientes de que os mortos estão se levantando.

Pode ser que esteja acontecendo por todo o mundo, mas ninguém sabe do apocalipse zumbi porque corajosos coveiros cuidam do problema anonimamente. Pelo menos esta é a ideia desta produção europeia, filmada na Itália, baseada em um livro, inspiradora de um graphic novel e com o ator Rupert Everett (que sumiu), no papel do encarregado de terminar um serviço que ele mesmo havia “terminado” dias antes. Na pequena cidade italiana de Buffalora, os mortos voltam e Francesco Dellamorte, acompanhado do calado ajudante Gnaghi, coloca a bala finalizadora no meio da testa e re-enterra aquele povo sem vida mas ainda super animado. A visão de um corpo morto se levantando seria terrível para pessoas impressionáveis como nós, mas Francesco nem se abala. Uma porrada na cabeça, mãos na cintura e cigarrinho na boca. Um trabalho como outro qualquer.

Eu não tenho grana para ver todos os lançamentos de terror no cinema, mas é cada clássico que eu descubro! Assistir a Dellamorte Dellamore é uma experiência nada convencional, é como entrar desavisado no pesadelo de outra pessoa. Em diversas partes do filme, uma alucinação começa do nada e parece seguir, até ser invadida por outra viagem na maionese. O negócio é que em filmes como este, é impossível que zumbis sejam mantidos em segredo com sucesso, e um absurdo que o herói permaneça em um cemitério com tudo o que acontece nele. Para completar a teoria do sonho, até um personagem à beira da morte afirma com toda segurança que a única coisa boa desta vida é dormir, então, eu não quero limitar interpretações para um filme de múltiplas dimensões, mas é bem provável que durante a porção mais profunda do seu sono, Francesco coloque pra fora todos os desejos e frustrações que ele não consegue colocar com os olhos abertos, sendo o esquisitão solitário da cidade.

dellamorte-dellamoreGeralmente um filme que não possui ou respeita as próprias regras se perde pelo caminho, mas não se impor limites é a regra deste filme. A aversão ao modo correto de conduzir as coisas, vai dos zumbis que podem passar de #timeRomero para #timePeterJackson sem cerimônia, até o motivo pelo qual Francesco se recusa a denunciar o apocalipse: ele teria que preencher muita papelada… e ele detesta burocracia. Se o filme não for realmente nada além de um pesadelo, pode até ser um daqueles que não fazem muito sentido quando a gente acorda, mas que deixam na mente as ideias mais criativas. No caso aqui, se você conseguir olhar além da dublagem, da tosquice de alguns efeitos especiais e dos seios da atriz Anna Falchi que tomam conta da tela toda vez que aparecem, irá identificar estas ideias sendo usadas em produções mais atuais. Por exemplo, uma regra inicial que é claro, se quebra já na metade do filme, é a de que os mortos retornam sete dias depois do enterro. Sete dias… te lembra o prazo macabro de um filme mais recente?

A ação se passa quase toda dentro do cemitério e à noite. Como não é muito popular, Francesco não sai muito, então é natural que acabe se apaixonando por uma viúva que frequenta o local (eu disse natural??). É bom avisar que o filme não é só sobre morte (Dellamorte), ele também é sobre amor (Dellamore). O amor é tão repentino e descartável quanto a morte no filme. Um não existe sem o outro. A viúva é jovem, linda e também se apaixona por Francesco, mas vagar pelo cemitério primeiro por devoção ao falecido e depois por afeição ao coveiro, não é uma atividade segura, não no lugar onde o descanso não é eterno. Em pouco tempo a moça é atacada, mas o problema de Francesco irá muito além do romance interrompido, e de um possível dilema emocional caso tenha que cuidar dela como cuida dos outros. Um acidente grave leva um número grande de vítimas fatais para a cova, e o que costumava ser um trabalho controlável, se torna complicado demais para o herói da cidade.

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Dellamorte é cheio de um senso de humor não muito evidente. A história é apropriada para um filme B, mas este é um filme europeu e os caras lá são artistas primeiro e cineastas depois. Eu não estou dizendo que é um filme sofisticado demais para o público comum, ou que se você não achar a graça é por falta de sensibilidade, estou dizendo que entendendo ou não a piada, existe muito mais com o que se ocupar no filme. Quando morrer deixa de ser algo definitivo, a vida também deixa de ser importante. As pessoas se apaixonam e desistem do amor com a mesma indiferença com que morrem e voltam à vida. É uma história engraçada sobre o fim dos tempos, que nos ensina que o amor só pode ser apreciado em um mundo onde o óbito é absoluto.