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Dirigido por Robert Eggers

Uma família de peregrinos, isolada no centro de uma floresta, desperta o interesse de uma bruxa.

Existem pessoas religiosas e existem aquelas cuja relação com o divino ultrapassa os limites do bom senso. O filme começa com o que deveria ser uma família sendo expulsa de uma comunidade de agricultores inglesa recém-assentada nos Estados Unidos, mas não se pode expulsar quem já estava planejando ir embora. William ama o livro sagrado e não aceitará interpretações sobre ele que não sejam fiéis. Junto com a esposa Katherine, a filha Thomasin, o filho Caleb e os gêmeos Mercy e Jonas, ele coloca seus poucos pertences em uma carroça e sai do vilarejo com a cabeça erguida, como um símbolo de um homem que não “comprometeu a fé” como aqueles que ficam para trás, exercitando a política da boa vizinhança. A família se afasta o máximo que pode e se instala em uma pequena propriedade de recursos modestos. Em pouco tempo, eles recebem mais um filho e em menos tempo ainda, o pequeno Sam desaparece sem deixar rastros, de uma maneira que só pode ter explicações sobrenaturais.

A Bruxa tem tudo para ser O Iluminado desta geração, porque além de uma história aparentemente simples, interrompida vez ou outra por sequências arrepiantes que geram mais perguntas do que respostas, o filme é envolto em uma atmosfera de pura maldade onde nada é sagrado, das relações entre os familiares à floresta que os cerca. Tem até uma jovem/velha seduzindo gente aqui também. Em meio à cenas que se transformam em ícones do terror à primeira vista, tudo é cinza e o clima é sempre um momento entre “antes que a chuva caia” e “inverno pra valer”. Ninguém quer estar alí, não existe lugar seguro e o terror salta fora do filme, para dentro do subconsciente do público. Sem sustos baratos, sem clichês e com um desenvolvimento imprevisível até para quem tem algum conhecimento sobre os infames julgamentos das bruxas de Salem, conduzidos de verdade durante a mesma época e pelo mesmo tipo de gente retratada no filme.

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Saindo da sala lotada no final da última sessão, além do sentimento de raiva geral da galera em relação aos adolescentes faladores da plateia, tinha uma mistura de confusão mental e decepção no ar, que só reforçam para mim as comparações com O Iluminado. O problema é que muita gente foi ao cinema imaginando algo do tipo “Bruxa de Blair – A Origem” e poderia até ser, se simplificarmos nossas emoções em relação ao filme e ignorarmos que ele é baseado em contos e relatos de um povo que se guiava pela superstição, e que foi bem longe por causa dela, queimando vivas as jovens que levantavam as mais absurdas suspeitas. A indefinição em relação ao significado da história não é a questão primária, apesar do surgimento de teorias por aqueles entre nós que amaram o filme, mas sim a capacidade da história de permanecer em nossas mentes, por anos que estão por vir, eu imagino, se modificando e nos modificando a cada reflexão. A nossa perplexidade no final do filme, pelo excesso e pela falta de informação em partes distintas, é um sinal de que os fãs do terror são vistos com muito respeito e o que é obscuro no filme, não o é por preguiça e vem com um convite para ser decifrado.

A linguagem antiga chama a atenção, ainda mais quando pronunciada com tanta naturalidade por atores tão jovens. O elenco está muito seguro em cada papel e nos convence que são todos ao mesmo tempo vítimas e opressores. As preces são longas e consideradas a cura para todos os males, em uma família devastada pela perda recente e inexplicável. Quando Deus opera por caminhos misteriosos demais, até para quem crê com uma devoção doentia, o que toma conta da família é a histeria coletiva, com acusações e ameaças. O medo os transforma em seres assustadores uns para os outros, mas para quem assiste, cada sentimento prejudicial é compreensível diante das circunstâncias. Já que nenhum deles representa o perigo definitivo, resta à bruxa o papel de vilã.

1452614308-the-witch-trailerPara mim A Bruxa tem dois filmes de terror acontecendo ao mesmo tempo, brigando para ver qual é o mais relevante. A primeira história fala sobre isolamento e sobrevivência sob condições extremas, com a fome se aproximando e a fé como a única certeza. Sobre crescer e viver em um lugar onde não há meio termo entre as obras celestiais e as obras demoníacas. A segunda história acontece após os corpos serem encontrados, ou não, pelos peregrinos que ficaram para trás. Para evitar outros dissidentes, exemplos precisam ser feitos e eis que surge a lenda da excomungada família de hereges que nem sobrenome tinha e que sem a proteção do coletivo, se tornou presa fácil para a bruxa que vive na floresta. O filme pode não ser sobre Blair, mas pode sobre a origem de outra coisa, como por exemplo, o início da superstição e do preconceito entre iguais, com consequências catastróficas para cabras, aves e coelhos de determinadas cores, e com a culpa sempre caindo em cima de debutantes inocentes.