Kylie está com uma tornozeleira eletrônica, confinada em uma casa que abriga muito mais do que a mãe tagarela.
O que é o maior cliché do terror? Se este é um filme de comédia primeiro e terror depois, ele usará comicamente os clichés habituais, mas Housebound vai além, ele responde a pergunta. Nos filmes de terror, o diretor apresenta sua ideia para o público e mesmo que seja um argumento absurdo, o público concorda. Faz parte da imersão no filme, que as explicações mais elaboradas para um problema, sejam as verdadeiras. As luzes estão piscando e você está sozinho? É claro que é um fantasma e nunca um problema na rede elétrica. O sujeito dado como morto está se mexendo? Não chame um médico, atire na cabeça dele! Housebound, sem nenhum problema, nos apresenta uma alternativa de vilão diferente a cada bloco do filme, e nos faz aceitar esta alternativa pelo tempo que quer, até mudar de vilão e este virar o vilão verdadeiro, até que outro surja. O maior cliché é o público dócil que só o terror possui.
Então vamos lá! Tem um fantasma na sua casa, tem um maníaco a solta no bairro e o vizinho ao lado parece esconder algo, mas o pior é que você precisa enfrentar tudo isso e muito mais, já que cometeu um crime e está cumprindo prisão domiciliar. Neste filme independente neozelandes, Kylie é uma ladra sem sorte, forçada a voltar para casa como último recurso da lei, antes que comprometa o próprio futuro para sempre. A pena é de oito meses e não seria um grande sacrifício, já que o conforto do lar nem se compara ao pesadelo de uma penitenciária, mas Kylie detesta a companhia, no caso, a mãe doidinha, acumuladora, sem noção e o padrasto suco de chuchu. Outra coisa, estar em casa, ou naquela casa, que de tão grande costumava ser uma pousada, e não em um pátio de prisão nas horas mais perigosas, não garante à criminosa nenhuma segurança.
O tom do filme é insinuado logo no início, quando Kylie é nocauteada durante uma tentativa de assalto, pela estupidez do seu comparsa e pela rapidez da polícia. Mas o clima de deboche só fica definido já na casa onde grande parte do filme se passa. A mãe Miriam que é inofensiva, mas que não cala a boca, ainda mais agora que tem Kylie como ouvinte novamente, começa a falar sobre incidentes sobrenaturais que acontecem na casa há muitos anos. Na cabeça da filha, é só mais uma conversa a ser ignorada, uma desculpa para a mãe continuar tagarelando, como tantas outras tolices que a véia chama de assunto, mas… realmente existe uma presença estranha na casa, que não pode ser ignorada. Isso já estava claro desde o poster do filme, mas a novidade é que o agente da condicional de Kylie é um caça-fantasmas amador e acredita em Miriam sem qualquer problema. A boa notícia é que contrariando o estereótipo do homem-da-lei agindo contra, ele se torna um fiel e útil aliado quando descobrem que a antiga pousada nunca foi uma pousada. (Eu tento não spoilar, mas esta é a mais branda das revelações aqui).
São tantas reviravoltas na história e tão bem feitas, que eu tive que assistir ao filme mais de uma vez, não para entendê-lo melhor, mas para apreciar a perspicácia de cenas em que o público é incluso no mal entendido. É uma oportunidade para rir das coincidências que não são nada além disso, das preocupações com coisas que não existem, dos preparativos que não são utilizados e para ver que o filme tem muito mais palhaçadas do que as que notamos a princípio. Tudo é piada, de Kylie, a fumante compulsiva, acendendo um cigarro a cada dez minutos mas tossindo desesperadamente com a fumaça de uma fogueira, a uma conversa bem desconfortável com o alface da família. Agora, nem as discretas nem as óbvias funcionariam se a personagem principal não fosse tão séria diante de tanto absurdo. Se ela fosse tão tola quanto os outros personagens, o filme seria um pouco pastelão.
Eu acho que Housebound teria feito um sucesso tremendo se lançado em Hollywood, por ser bem melhor do que muita coisa mais cara e mais famosa de lá. Minha única reclamação é que o filme não tem o terror como objetivo principal. Em primeiro lugar vem o desejo de surpreender, em seguida o de fazer rir e só então, o de dar medo. Exceto pela cena do buraco na parede…aquela me assustou! Apesar de não ter muito sangue, quando ele aparece é tão exagerado quanto o do conterrâneo Fome Animal, de Peter Jackson. Alias, eu espero que o diretor Gerard Johnstone tenha tanta sorte quanto Jackson, conseguindo mais incentivo para fazer e distribuir seus projetos futuros, mas também espero que continue com filmes pequenos e mais fáceis de controlar. Nada do porte de O Senhor dos Anéis.