
Algo está tomando o corpo de Deborah, oportunamente agora, que ela está perdendo a própria mente.
“O filme a seguir contém imagens editadas de um documentário médico, cenas que haviam sido descartadas e gravações das câmeras de segurança da cena do crime”. Não é um jeito maravilhoso de começar um filme de terror? Dizendo que este vai ter o mesmo tema daqueles produzidos em dúzias no cinema, que é o “Câmera na mão” ou “Imagens encontradas”, só que antecipando o nosso espanto com sequências bem produzidas e já deixando claro que este documentário falso, vai parecer bem mais verdadeiro quando os problemas aparecerem e ninguém largar a câmera para sair correndo. O que o aviso da abertura diz, é que o filme foi feito com o máximo de profissionalismo que se pode alcançar e que existe uma cena do crime, porque um crime aconteceu. A surpresa em The Taking of Deborah Logan é que este crime, ou o desfecho dele, pode ser bem pior ou bem mais leve do que a gente imagina, dependendo do nosso ponto de vista.
Seria este mais um daqueles filmes sobre possessão com o nome do possuído no título? De modo algum. Existe uma explicação plausível (no universo do terror, belê?) para a vulnerabilidade da vítima, para a escolha desta vítima, já que esta vulnerabilidade pode acontecer com qualquer um de nós, e o melhor de tudo, o vilão é um sujeito cheio de força e de truques mas ainda é um sujeito, da raça humana, sem nenhum misticismo que faria dele um ser indestrutível. Quando Deborah solta aqueles costumeiros gritos e grunhidos durante os episódios mais violentos da sua condição, o filme não parece querer nos assustar com o barulho, como outros fazem, mas sim nos angustiar por ver alguém de idade passar pelo inferno, sem entender como ele chega e quanto tempo ele vai durar. É o medo que vem do desespero.
A história não ia falar do sobrenatural para início de conversa. Ninguém na equipe de filmagem ou na família sabia o que estava por vir, quando concordou com o documentário. Deborah foi diagnosticada com Alzheimer e como tese de conclusão de doutorado, a estudante Mia faz a proposta de registrar a progressão da doença, em troca de uma quantia em dinheiro e de arcar com as despesas médicas. Sarah, a filha única de Deborah, incentiva a mãe a aceitar a oferta não só porque as contas estão consumindo a família, mas pela importância educativa da tese e pela ajuda eventual dos filmakers nos momentos mais difíceis. Ao invés de uma mãe que só irá piorar como única companhia, Sarah poderá contar com o apoio de mais três pessoas jovens e com boa saúde.
O tema da possessão dentro da história do filme, é algo que não foi planejado, mas não se trata de um trabalho de filmagem desorganizado. Eu não vou implicar com o hábito da equipe de gravar a própria chegada nos lugares, montando equipamentos, ou até mostrando as próprias reações às imagens gravadas durante a noite; muitos documentaristas de verdade se colocam como personagens em seus filmes. Muitas vezes isso serve para contar a história, como no caso aqui, a devastação que atinge todos no caminho da doença, e as imagens de apoio são sempre úteis. Em nenhum momento eu senti que as cenas mais calmas não tinham importância, ou que tempo precioso de filme era usado para enrolar o público. Mas eu vou reclamar do uso de lanternas dentro da casa durante a noite, quando o local possui energia elétrica. Ainda assim, a impressão que o filme deixa é que o que assistimos é pra valer, uma qualidade indispensável em qualquer gênero.
O diagnóstico dizia que a paciente ainda teria muito tempo com as próprias lembranças, mas em poucos dias de filmagem, Deborah piora e muito. Todo o cuidado em manter o ambiente tranquilo para não perturbar a doente ou interferir na rotina dela, é deixado de lado quando Deborah passa a se colocar em situações perigosas toda vez que se encontra sem supervisão. A casa vira um ambiente caótico e o modo de filmagem acompanha isso, fazendo com que um tripé por exemplo, se transforme em um objeto inútil. As câmeras captam a deterioração de Deborah, cada surto e os efeitos deles em Sarah e nos realizadores do documentário. O objetivo do registro da história da Sra. Logan foi a determinação dos médicos de que havia algo errado com a mente dela, mas o que as câmeras mostram, dia após dia, com a mesma clareza dos exames do hospital, é que além do Alzheimer tem outra coisa muito errada com Deborah.
Para que o terror aconteça oficialmente, o filme deixa de focar nos sintomas e começa a mostrar as anomalias. Objetos se movem sozinhos, uma figura misteriosa é retratada em pinturas e uma sensação de perigo próximo é tudo o que Deborah transmite, mesmo sendo o membro mais frágil da casa, reduzida em aparência a uma grande ferida aberta. Sem se permitir cozinhar em um só gênero por muito tempo, o filme passa de drama a terror e de terror a suspense, depois que pistas apontam para um incidente no passado de Deborah, quase apagado pela doença. Depois volta ao terror, com uma magnífica, apavorante e bem criativa cena em uma caverna. Não teve repercusão nem mesmo para receber um título em português, e tem as suas falhas, mas é um filme competente. Tem tudo para se tornar um cult, inclusive a ausência de marketing.