The Birds
Dirigido por Alfred Hitchcock

A socialite Melanie Daniels até tentou, mas sua chegada não é o assunto mais comentado em Bodega Bay.

Os Pássaros é o meu favorito de Hitchcock, e isso é talvez porque eu veja no filme traços do meu segmento preferido no gênero terror. Qualquer bom filme de terror me encanta, mas eu tenho uma queda gigantesca por filmes de zumbis. Eu assisto a qualquer porcaria com mortos se levantando, porque o tema me diverte e me apavora, mesmo que a história não tenha muita qualidade. Para mim, Os Pássaros é o “filme de zumbi” de Hitchcock, afinal, são criaturas se rebelando sem motivo contra humanos, atacando violentamente gente inocente até a morte. Não que o filme tenha apenas a pancadaria irracional como qualidade, porque a história já é muito rica sem nenhuma ave em cena, mas me agrada imensamente que não haja explicação. Sem provocação, sem contaminação química, sem politicagem. É uma cidade normal, com pessoas normais e isso não impede a carnificina.

Há algum tempo eu vi uma crítica sobre este filme de um amador como eu, que notou que os bichos atacam quando alguém se incomoda com a presença de Melanie na cidade, ou com a proximidade dela do galã Mitch. Faz sentido. Ela é a protagonista do filme e em certas ocasiões nem eu vou muito com a cara dela. A garota linda e cheia da grana, que tenta enganar um homem em uma loja de aves e depois o segue sem convite até a cidade natal dele, gera um pouco de desconforto em nós mulheres, eu admito embaraçosamente. Antes que Melanie se revele como uma mulher responsável e de bom coração, que carrega cicatrizes profundas, provocadas pelo abandono da mãe e por mentiras ditas a seu respeito, ela é tratada com muita educação, mas não escapa de virar alvo de olhares de reprovação e julgamentos silenciosos, sem ter provocado ninguém ou causado um derramamento químico. Nem Mitch esconde o quanto desaprova, de uma maneira genérica, a reputação da jovem.

Birds-3Melanie sai de São Francisco e percorre um grande caminho para chegar até Bodega Bay, uma minúscula cidade do litoral. No dia anterior, ela havia conhecido Mitch, que estava à procura de um casal de pássaros para presentear a irmazinha, mas que saiu da loja sem comprar nada depois do encontro tumultuoso com Melanie. Impressionada com a personalidade de Mitch, Melanie descobre onde a família dele mora, compra o presente para a menina Cathy e segue para entregá-lo a tempo do aniversário. Mitch fica surpreso e lisonjeado e começa a ver Melanie com mais respeito. Objetivamente falando, não há nada que impeça que um romance aconteça, nem a ex-namorada de Mitch, que ainda o ama mas aceita a rejeição, nem a mãe dele, que é muito carente mas sensata para saber que não pode ter o filho só para si para sempre. Não existe um impedimento no caminho dos pombinhos, somente aqueles olhares sofridos de reprovação e, é claro, os pássaros, que independente da espécie e sem que alguém pudesse prever, estão massacrando qualquer morador da cidade que ouse colocar o pé pra fora de casa.

Se comparados a zumbis, pássaros não são criaturas com o medo embutido nelas como os cadáveres são, mas Alfred Hitchcock, que não é chamado de mestre a toa, está no comando e ele tinha a habilidade de enxergar o terror e transmití-lo para o seu público com clareza. Existe uma cena em que as aves são a coisa mais assustadora do mundo e ironicamente ela acontece em um parquinho de escola, ao som de crianças interpretando uma das canções mais irritantes do cinema. Melanie aguarda Cathy do lado de fora do prédio, fumando o seu cigarro. Sentada em um banco, ela ignora que em um dos brinquedos do parquinho, bem atrás dela, dezenas de pássaros se reúnem em silêncio. “Tensa” não é uma palavra que descreve a cena com justiça. É uma visão apavorante de organização e inteligência, com o único propósito de machucar ou matar pessoas.

The Birds 2Psicose (1960) é legitimamente o mais famoso e inovador, mas Os Pássaros não fica muito atrás. Tecnicamente os dois são impecáveis, ainda mais se considerarmos a época em que foram lançados. Ambos tem loiras geladas, mães dominadoras e são obras primas, mas há um fator que põe um ponto final em uma eventual competição para mim e reforça a minha preferência pelo filme de 63. O Hotel Bates, por mais assustador que seja, pertence a um determinado local e pode ser evitado. Para onde alguém poderia fugir para escapar de pássaros? Eles estão em toda parte! Os Pássaros não é o classico mais conhecido, mas é aquele com o vilão perfeito.