
Uma epidemia toma conta do Japão, mas somente porque os cidadãos são coniventes com ela.
Pelo que vejo no cinema, eu presumo que o povo japonês seja muito intuitivo. Quando eles pressentem que algo está errado, mesmo sem evidências concretas, todos ao redor acreditam neste sentimento e para a admiração de nós estrangeiros, tem realmente algo muito estranho acontecendo. Outra peculiaridade da terra do sol nascente é a obsessão por espíritos. São poucos os filmes de terror japonês com outro tema que não este. O natural seria confundir que cena pertence a qual, quando o mercado fica tão saturado pelo mesmo assunto, mas os diretores do gênero no país tem o cuidado de criar sequências únicas e marcantes em seus filmes, e cada conjunto de mortos tem uma aparência específica. Os deste filme dão medo, mas foram filmados com muito cuidado para não serem a coisa mais assustadora em Pulse.
Em 2001, ano de lançamento do filme, a internet ainda estava muito longe de ser o que é hoje. Eram poucos sites e pouca gente online para acessá-los, a interatividade na rede estava engatinhando e ela só era possível quando a linha telefônica estava desocupada. Não dava para “curtir” nada. Isto é relevante porque o enredo do filme é sobre um site amaldiçoado, que induz quem o visita ao suicídio, mas é bom ressaltar que não existe respeito a um padrão de acontecimentos que leva às mortes. Nem todos os que se matam acessaram o site e nem todos os que desaparecem, se matam. Talvez o site não seja o problema, mesmo porque na mesma época em que o mundo parecia ficar cada vez mais próximo, um estilo de vida perigoso no Japão também estava se tornando um fenômeno cada vez maior.
Palmas para o Japão por evitar mansões e os clichês que elas trazem em seus filmes de terror, mas… eita cenário para causar claustrofobia! Só eu que acho estes apartamentos de filmes como Ringu, The Eye, Dark Water e One Missed Call extremamente minúsculos? Sempre cheios de bugigangas, como se o objetivo do morador fosse entupir o local de tudo o que possa precisar, para nunca ter que sair de casa e é exatamente este o verdadeiro terror em Pulse. No filme, o mundo dos vivos é invadido por espíritos, com a justificativa de que o “outro lado” está lotado. Na vida real, os japoneses sufocados pelas aglomerações nas cidades, estão se isolando em seus apartamentos e evitando o resto da humanidade. Parece que o grave problema de espaço no Japão não se limita a apenas um plano de existência e tecnologia que em teoria só surgiu para aproximar as pessoas, acaba facilitando também este comportamento perigoso.
Existe duas histórias acontecendo ao mesmo tempo no filme, o que já faz de Pulse algo bem diferente no seu meio. Em uma delas, um estudante é jogado no site infame assim que acessa a rede pela primeira vez. Na tela, imagens que podem ser espíritos ou outros jovens como ele, vegentando em seus quartos. Ele fica com medo, desliga o computador e assim que consegue, busca auxílio no departamento de informática da universidade. Na outra história, três colegas precisam entregar um trabalho com a colaboração de um quarto colega, que sumiu há alguns dias sem motivos. Quando a amiga chega no apartamento dele, ele parece bem. Entrega a parte do trabalho que faltava, se retira para um cômodo vazio e se enforca.
Este paralelo entre fantasmas fictícios e zumbis reais é apenas uma suposição, mas outro diferencial no filme é o fato de que os espíritos não são uma ameaça. O diretor não se esqueceu de que este é um filme de terror, tanto é que ele adora largar a câmera sozinha em lugares sombrios, para o deleite das nossas tão queridas crises de ansiedade, mas quando alguém está em cena, sendo ou não de carne e osso, não há muita distinção para o público. Os mortos tentam se aproximar dos vivos, pedem ajuda verbalmente e até escrevem “Me ajudem” nas paredes, fazendo com que esta carência substitua o medo por pena e identificação. A proposta, acredito eu, é que o problema seja social e não apenas sobrenatural e os espíritos não são os únicos no filme que precisam de atenção. Como pessoas ainda vivas e acostumadas com o isolamento, pedem ajuda quando encontram algo que não compreendem? Elas não pedem! Se juntar aos mortos para receber carinho, se torna uma solução cada vez mais plausível.
Não é apenas um filme de terror, os japoneses estão desaparecendo e sendo substituídos por sombras do que costumavam ser. Depois eles ressurgem ainda mais apavorados e solitários do que eram antes. Alguns cidadãos estão notando e avisando os outros sem parecer malucos, pela vantagem de própria cultura, mas ninguém sabe o que fazer para evitar fazer parte desta epidemia. Existe, é claro, um remake americano feito em 2006, mas este não abandona o conceito dos vivos bons contra os mortos maus. Pulse é um filme sensível, super ambicioso, com trilha e cinematografia que lembram os trabalhos de Kurosawa (o Akira, sem conexões com o diretor deste filme), sem sustos baratos, sobre como a ideia do medo surge na cabeça, do que quer que seja, e como lidar com esta ideia do modo errado pode ser fatal.