
Em uma estrada rural, dois irmãos se tornam o alvo de uma criatura que consome partes de suas vítimas.
No clássico Janela Indiscreta de Hitchcock, um homem temporariamente deficiente por conta de um acidente, passa o tempo confinado em seu apartamento e observando a vida alheia através de binóculos, até que suspeita que um dos vizinhos do prédio ao lado matou a esposa. Testemunhar um crime deve ser algo assustador, mas não se compara ao pavor de ver que o criminoso sabe que você o observa. Poucas coisas na história do cinema são tão arrepiantes quanto os olhos do vizinho assassino, fixados no personagem de Jimmy Stewart, a uma distância sobre-humana e Olhos Famintos tem uma cena similar, ouso dizer superior, em termos de causar pânico no público.
O nome do filme em inglês é o nome do vilão. Talvez esse seja um dos fatores que tenham atrapalhado a notoriedade do “Creeper”. É um monstro com muito potencial que justifica todo o medo e foi esquecido pelo grande público, mas Freddy é quem é porque não o chamamos de Sr. Pesadelo. Outro problema é que Olhos Famintos é um filme muito simples, mas o Creeper é confuso. A cada vinte e três anos, por vinte e três dias ele caça. De cada vítima ele toma a parte que gosta, como a língua ou o coração e estas partes ajudam a dar-lhe vida, o que levanta a questão sobre a aparência do bicho no primeiro dia. Se tudo é roubado de outros, como ele começa? Ele dirige um caminhão, mas em que universo sobrenatural os vilões precisam de carteira de motorista?
Ao contrário de muitos slashers, e este é um slasher com orgulho, Trish e Darry não são um casal, mas sim dois irmãos de férias da faculdade, que estão atravessando o estado voltando de carro para a casa dos pais. No caminho, eles são confrontados com outra ótima inspiração de filmes de terror; um motorista de caminhão misterioso, adepto de manobras perigosas e louco para causar um acidente, como em Encurralado de Spielberg. Mais adiante na estrada, eles avistam uma igreja abandonada com o mesmo caminhão estacionando ao lado. Eles não param, o que é uma ótima notícia, mas conseguem ver um homem jogando o que parecem ser corpos dentro do que parece ser um cano bem largo. Esta é a cena que faz valer todo o filme, porque mesmo sem ver os olhos do Creeper, quando ele para o que está fazendo e se volta imponente para o carro passando, sabemos que o perigo foi anunciado e o anúncio será cumprido.
Vinte e três anos é um intervalo muito longo para que algum desaparecimento permaneça na memória, além do mais, o vilão atua entre uma cidade e outra, ele é uma criatura das rodovias e não de um lugar específico, então é de se compreender que quando os irmãos chegam em um local povoado, perturbados e cheios de informações que não batem com a ausência de registros sobre crimes, os moradores os observem com uma certa desconfiança e sejam lerdos para prestar socorro. Mas eventualmente o povo se mexe, são pessoas de bem, mas nada disso importa. A ajuda pode chegar na forma de uma médium, de um carro de polícia, ou de um departamento inteiro. A ideia é que o Creeper mata desde que o mundo é mundo e uma denúncia, mesmo validada por uma tonelada de provas, não irá intimidá-lo. Outra coisa, desde o momento em que viu Trish e Darry pela primeira vez, o Creeper tomou gosto pela dupla e é capaz de ter decidido na mesma hora que partes deles gostaria de usar em si mesmo.
O termo “Jeepers Creepers” em inglês é uma interjeição que expressa admiração. Nos anos trinta, uma música com este nome foi escrita para a trilha de uma comédia musical. O refrão dizia “Jeepers Creepers, where’d ya get those peepers”, algo como “Nossa, uau, onde você arranjou estes olhos”. No contexto do filme antigo, a canção é um elogio, sugerindo que os olhos da pessoa amada são tão belos, que só podem ter origem divina. Como o medo, mais do que gosto, não se discute, é bem plausível que um roteirista escute uma canção que significava um flerte inocente e lhe atribua um sentido muito mais sinistro para a aquisição daqueles belos olhos. Eu admiro a criatividade e confesso que gostei muito do rítmo do filme, mas reforço que para ser um pouco mais memorável, o vilão deveria ter sido apresentado com mais clareza.