
Enterrar um morto em um cemitério no Haiti, não garante descanso eterno.
O mercado funerário sempre foi próspero no Haiti. Se não é a pobreza extrema, é um terremoto dantesco destruindo o país inteiro. Um surto zumbi em um lugar com tantos corpos seria muita sacanagem, mas não é esse tipo de morto vivo que vemos nesse filme. A Maldição dos Mortos Vivos conta a suposta história real do uso de práticas do Vodu, uma religião mais popular do que o catolicismo no país, para trazer de volta pessoas que foram dadas como mortas, receberam o atestado de óbito de um profissional responsável e foram enterradas por seus familiares. Não se trata de mortos voltando para atacar os vivos por impulso. Aqui os zumbis são as vítimas e suas ações obedecem aos interesses sociais e políticos de feiticeiros.
Em um lugar onde a macumba rola solta, todos acreditam, todos praticam, todos temem e quem tem mais conhecimento sobre o assunto, controla facilmente o resto da população. A crença alheia sempre parece absurda para quem não a segue, mas a verdade é que o Vodu, deixando de lado a brincadeira do início do parágrafo, é respeitado por milhões de pessoas no mundo inteiro, como uma religião que proporciona entre várias coisas, a troca de favores com resultados imediatos. Já que a zumbificação no filme não é a tradicional, o maior desafio é fazer o público crer que existem mais coisas entre o céu e a terra, do que sonha o nosso pífio conhecimento sobre terror. O filme precisaria ir muito além do “baseado em fatos reais”, e para o próprio bem e para a nossa alegria, ele vai.
O filme começa com o Dr. Dennis Alan, um antropólogo de Harvard, recebendo uma proposta muito interessante. Ele é bem jovem, mas conquistou a admiração de seus colegas e empregadores, depois de escapar ileso de um letal programa de índio (literalmente) na floresta amazônica. Não é histeria coletiva por parte dos outros acadêmicos, mandar alguém ao Haiti para investigar o reaparecimento de um defundo enterrado há sete anos. Eles já sabem que o mais sensato é que o morto em questão nunca esteve realmente morto. O Dr. Alan tem agora a missão de descobrir que anestésico poderoso parou o coração de alguém por algumas horas e depois o trouxe de volta. Se você me perguntar como o filme pode ser classificado como terror, se ninguém realmente morre, eu te respondo perguntando se você já foi enterrado vivo.
O inimigo a ser combatido em A Maldição dos Mortos Vivos é poderoso. O tipo que não precisa estar por perto ou mesmo conhecer a vítima para causar um grande estrago. Ele diz: “A dor física que eu posso causar, não é nada em comparação ao que eu posso fazer com a mente”. Ele está certo. O problema no filme não é a morte, é acreditar que está morto e não conseguir descansar. É perder o livre-arbítrio, como uma versão ainda mais assustadora de paralisia do sono. A sensação é de perigo eterno, de um inferno sem fim. A pesquisa do Dr. Alan irá transformá-lo no alvo principal deste inimigo, que percebe no estrangeiro uma ameaça ao seu reinado, mas Dennis precisa permanecer no Haiti para descobrir o que está acontecendo e corre o risco de descobrir da pior maneira possível.
É estranho ver um filme de terror narrado pelo protagonista. Com essa atmosfera de Film Noir, eu espero que o Dennis passe por alguns impostores, antes de achar o que está procurando. Do momento em que o filme começa, até o fim, sonho, pesadelo e realidade, são relativos. Essa mistura é algo do qual o diretor Wes Craven é especialista. Imagens belíssimas, de utopia e pura poesia, brecam o ritmo acelerado do filme e precedem momentos de um terror que parece interminável.
Craven escolheu incorporar política e problemas sociais no filme, porque ele sabe que não é só do Vodu que não se pode escapar naquele país. É mais do que uma menção no noticiário local. A maldição do Haiti está sendo exposta através dos personagens principais e do povo que faz um ótimo trabalho como extra no filme. O melhor modo de trazer autenticidade para a história, foi a justaposição de duas figuras no filme, uma real e uma inventada. Baby Doc, um ditador de verdade no Haiti, no momento em que o povo se revolta contra ele, espelhado em um simbólico ditador da alma. É o conto dos zumbis conscientes que não conseguem se libertar e nós os vemos sofrerem de verdade e no faz de conta. Nas palavras cantadas de Gil e Caetano: “O Haiiitiiii não é aquiiiiii”… graças a Deus!