
A jovem Jay fica contaminada com uma maldição, logo após fazer sexo com um homem que ela mal conhece.
Annie sai de casa correndo, para no meio da rua e olha para trás. A vizinha com sacolas de compras nas mãos, pergunta se ela precisa de ajuda. Ela responde que não e corre novamente pela rua, fazendo um círculo que a leva de volta para a casa. Depois que a gente assiste ao filme inteiro, é bom retornar a esta cena de abertura, para entender que não foi com vergonha do comportamento bizarro que Annie recusou a ajuda, foi com tristeza. Horas depois ela estaria morta, com o corpo mostrando sinais chocantes de violência e dor. Não havia ajuda para o seu problema.
Corrente do Mal faz uma mistura bem sucedida de terror clássico com indie moderno. É o encontro de Halloween com As Virgens Suicidas. Os objetos de cena, os filmes que passam na tv, as roupas e até o modo vagaroso como o vilão caminha até as vítimas são ultrapassados, mas os diálogos, o rítmo e eu ouso dizer, o verdadeiro tema do filme, pertencem à categoria de obras de estréia de diretores que pretendem seguir carreira sem depender dos grandes estúdios. Planos longos, câmeras giratórias e atenção para detalhes e personagens secundários, nos lembram o tempo inteiro que existe muito mais por trás desta história do que o de costume. Seria um esforço apenas arrogante, se não tivesse dado tão certo. Você vai ficar acordado à noite, pelas questões filosóficas ou por medo.
Jay, uma adolescente bonita (e que não usa isso para atormentar os menos providos de beleza, ou o amigo de infância que é apaixonado por ela há anos), sai em um encontro com um cara mais velho de quem ela gosta. Assim que eles dormem juntos, ele bem que poderia revelar que tem uma namorada, ou tirar fotos nuas de Jay para postar na internet, mas o rapaz sequestra a garota e a leva para um lugar afastado. Ela obviamente fica apavorada, principalmente quando ele a amarra em uma cadeira de rodas e confessa que lhe passou uma maldição, como se fosse uma doença sexualmente transmissível e que Jay terá que passar o resto da vida fugindo… Eu nem vou me importar em dar um nome ao cara, porque é um nome falso, mas também não vou condená-lo. Ele se afastou com ela de onde estavam, para ganhar tempo. A cadeira de rodas, foi para que Jay ficasse quieta enquanto ele tenta explicar o que está acontecendo e para crédito do coitado, se Jay falhar e for morta, a maldição volta para ele.
Eu tive um professor que uma vez falou em classe que a prevenção do mal não está relacionada à vítima. Ele disse que os sistemas de segurança mais modernos não poderiam impedir ninguém de entrar nas nossas casas. A única coisa que nos protege é a moral do criminoso. Se ele tiver alguma, temos chance, se não, ele irá nos atingir custe o que custar. Eu lembrava disso enquanto assistia ao filme, porque o monstro encontra Jay e entra na casa dela. Ela só conseguiu escapar, porque o incidente no encontro com o rapaz a deixou alerta, mas não existe fechadura para mantê-la segura por muito tempo, pior, não existe um modo de negociar com o vilão. Se o único propósito que ele tem é matá-la, como esperar que ele pare por conta própria?
Só o contaminado consegue enxergar o vilão. Como se não bastasse todo o terror da perseguição, a vítima ainda precisa lidar com a descrença alheia e o isolamento que a condição proporciona. A sorte é que Jay tem amigos que se importam de verdade com ela e eles estão dispostos a tentar encontrar uma solução, se houver uma. Para ganhar tempo de verdade, Jay pode “passar o problema adiante”, como foi feito com ela, mas é muita sacanagem, como ela reconhece. A aparência da criatura é humana, na verdade, ela pode até se parecer com pessoas familiares ao contaminado. Os passos são lentos mas constantes, ou seja, você pode se mudar para outro estado, outro país, mas algum dia a criatura vai aparecer, não importa quanto tempo leve. O filme não é só apavorante pelas vezes em que o vilão chega perto, sempre com uma roupagem e abordagem diferentes, mas também pela tensão presente em qualquer outro momento do filme, como um aviso de que mudar para bem longe, não cuida tão bem do problema.
Não é de hoje que os filmes de terror tentam preservar as virgindades dos mais jovens, usando uma criatura sobrenatural vingativa, puritana para julgar, mas liberal para matar. Os adolescentes nesses filmes são sempre retratados como avançados demais para a idade, desrespeitosos com adultos e uns com os outros. Em Corrente do Mal, eles já trabalham para ajudar em casa, não se dividem em categorias injustas e não tratam a própria sexualidade como grandes conhecedores do assunto. São personagens tridimensionais em um filme que os compreende, então não há a necessidade de punição, só que o problema ainda acontece, como problemas permanentes acontecem, até com gente boa. O mundo aqui é um lugar complexo como deve ser, cheio de maldade que ninguém entende e para a qual não existe cura.