
Ao escapar do inferno, Frank terá que se livrar dos legítimos donos da sua alma.
Clive Barker insiste em usar efeitos especiais, mesmo sem dinheiro para encomendá-los de um profissional. Por essa e outras razões, ele nunca foi o meu favorito no segmento do cinema que eu amo tanto. O diretor não é só adepto das histórias sobrenaturais, ele gosta de fantasias e estas sempre exigem um grau extra de credulidade. Falando com justiça, o cara é uma fonte constante de criação. Ele não dirige muito mas é responsável pela construção de diversas histórias em roteiros e até livros, sempre originais e muito imaginativas. Se em seus poucos filmes, a simplicidade fosse um fator chave, tudo o que ele dirigiu não correria o risco de parecer tão datado.
Frank sabia exatamente o que a relíquia pode fazer quando a comprou, ou não prepararia uma cerimônia tão complexa só para abrí-la. O que nós vemos não é o inferno na sua totalidade, apenas uma porção que funciona sob um conjunto específico de regras e um grupo de algozes que lembra (pois com certeza inspirou alguns) uma gangue de motoqueiros sadomasoquistas. Para entrar lá, não basta violar os mandamentos; é preciso não temer a condenação eterna e até achá-la mais atraente do que a salvação. O objeto em forma de cubo, é como um portal. Para ativá-lo, Frank decifra um enigma e desaparece. Não foi a decisão mais saudável da vida dele.
Onde está Frank? Ninguém se importa! A antiga casa da família precisa de reformas, mas é grande e Larry, o irmão de Frank, resolve morar nela com a esposa, já que o local ficou vazio. Julia já não era uma personagem agradável antes de Kristy, a filha de Larry, demonstrar uma certa aversão à madrasta. Quando os flashbacks mostram que Julia tinha sido amante de Frank, fica fácil julgá-la. Mas não se atreva a presumir nada sobre ninguém em um filme de Barker. Os monstros que ele cria são tão cheios de vida, que vivem de verdade, como pessoas normais. Eles não aparecem para assustar ninguém. Você pode encontrá-los pensativos, sentados no chão de um quarto escuro, ou procurando um objeto diabólico entre restos mortais, com a naturalidade de quem apalpa almofadas no sofá, em busca das chaves perdidas. Julia não é uma santa, mas ela também não é do tipo que se impressiona facilmente com aparências não-ortodoxas, para a sorte do ex-amante.
Durante a mudança para a casa nova/antiga, Larry sofre um pequeno acidente e com algumas gotas do seu sangue no chão, o tio Frank volta a vida, só que de forma incompleta. Se Renascido do Inferno tem efeitos amadores, a maquiagem é outra história. Nem tudo é perfeito, mas o que é bem feito, tem status de obra de arte nas mentes dos fãs do gênero. Frank presume que se tão pouco sangue foi capaz de trazê-lo de volta… mais sangue irá preencher o restante do corpo, para que ele possa permanecer no mundo dos vivos. É um caso clássico de arrependimento. O inferno não era tão divertido quanto Frank imaginava. Julia o encontra aos pedaços no sótão da casa e ele a convence a arranjar vítimas para ajudá-lo na regeneração. O problema é que muitos corpos são necessários e o tempo é curto, já que os guardiões daquela porção do inferno não gostam de fujões.
Os cenobitas, como são chamados Pin Head e a sua turma, aparecem muito pouco no filme. Perfeito, porque abençoados são os filmes de terror que se apoiam em uma história interessante e não nos vilões. Mas ainda é decepcionante e surpreendente a capacidade que Barker tem para permitir que, por diversas vezes, o filme se torne extremamente brega. Um exemplo é quando Kristy descobre a volta do tio Frank e tem com ele uma disputa cômica pelo artefato amaldiçoado. Era para ser um momento de muita tensão, que o diretor estraga com uma genuina ou simulada falta de controle temporária.
Barker é com certeza um cara ousado, um autor de verdade, mas sempre me deixa em cima do muro. O filme se fecha com um círculo perfeito, mas tropeça muito, inclusive nas motivações inconsistentes de alguns personagens. Temos ótimos momentos de verdadeira reinvenção no modo de assustar o público, como a rapidez nos movimentos de Frank até Julia, pedindo ajuda ainda sem carne nos ossos. Quando o inferno se abre por acidente para um personagem inocente, os cenobitas já não são novidade, mas não importa porque ainda dá medo. O diretor é um visionário, só que eu não consigo recomendar seus filmes com toda a segurança.