
Michael Myers, o assassino infantil de anos atrás, está de volta à cidade de Haddonfield para celebrar o Halloween.
De todas as tradições do dia das bruxas, talvez a menos exercida seja a de contar histórias de terror. As pessoas colocam fantasias, que há muito tempo não tem a obrigação de assustar ninguém, as crianças saem pelas ruas fazendo a versão gringa de Cosme e Damião, mas na única noite do ano em que a prioridade deveria ser sentir medo, todos estão mais preocupados com doces e com a originalidade do que estão vestindo. Na cidade de Haddonfield não é diferente, exceto por um evento que assombra a comunidade há anos, como uma lenda típica da data, só que a tragédia é real.
O garotinho que matou a irmã adolescente e ficou preso em um manicômio por muitos anos, escapou. Não se sabe como ele fez isso e também não há explicações sobre como um jovem como ele, que não teve mais contato com o mundo externo, nem interagiu com ninguém no hospital, conseguiu fugir dirigindo. Michael se alimentava bem na instituição? Chegou a ficar doente algum dia? Recebeu visitas? Tomava algum medicamento? Acho que nunca saberemos, mas o que importa, segundo o seu médico, é que ele é maldade pura.
Halloween não é um slasher típico. Entre a primeira morte e a segunda, é quase uma eternidade e ao contrário do que se espera, nada é motivado por moralidade. Não há motivação. Por muito tempo, o vilão é como um erro de continuidade na vida real. Com sua máscara inexpressiva e ainda inigualável, ele pode ou não ser notado, aparecendo e sumindo como se fosse sobrenatural. Na minha opinião, ele é o melhor da santíssima trindade do terror, que inclue o queimado da rua Elm e o afogado de Crystal Lake. O filme não é sobre correr de um maluco com uma faca, é sobre se perguntar onde ele pode estar. É abrir a porta de um armário bem depressa, para acabar logo com o suspense, mas falhar, ao descobrir que o que se teme está realmente lá dentro.
As garotas levam mais de cinco minutos de cena, para andarem da escola para casa. É muito tempo gasto com uma coisa tão trivial, mas mesmo que a sequência se passe em plena luz do dia, com as meninas cercadas de árvores, ruas limpas e casas de alto padrão, não dá para relaxar. Laurie já o viu, ou acha que o viu, pela janela da escola. Na rua também, atrás de um arbusto, de longe, quando as amigas não estavam olhando. Pode ter sido imaginação, da única garota sem um par para o baile, mas não importa, o que importa é que ela já se sente perseguida.
O filme é dividido em duas partes, que não se cruzam até que seja tarde. Em uma, temos os moradores da cidade sendo vigiados por um invisível de dois metros de altura. Na outra parte, o médico do assassino, que sabe exatamente para onde o seu paciente fugiu, realiza uma busca solitária temendo que mais mortes aconteçam. Mesmo que o médico recolha vestígios da humanidade e praticidade do assassino a caminho de Haddonfield, não há como negar que nas duas partes, Myers é um sujeito místico, que desafia as leis da natureza.
Todo mundo na cidade faz uma travessura típica da data, todo mundo menos Laurie, interpretada por Jamie Lee Curtis, que por conta do filme, se tornou a “rainha do grito” de Hollywood. Laurie foi o início das heroínas poupadas por serem puritanas, mas essa característica não irá necessariamente mantê-la a salvo. É como se Myers não fosse realmente um assassino, é como se ele fosse uma idéia, um conto de terror. Tudo o que basta para Laurie ser um alvo é ela ter medo em uma noite como aquela.
Halloween é uma pérola de John Carpenter, da época em que ele era o próprio Poseidon. As cenas são longas, mas não porque precisamos de muitas informações. Estamos testemunhando um momento em particular na cidade, com a sensação de que tudo acontece em tempo real. As mortes também demoram, perturbam e geram um desconforto que os inúmeros imitadores deste filme só conseguem reproduzir com o auxílio de muito sangue. Laurie esfaqueia e aguarda… Myers se recupera milagrosamente. Ela repete e baixa a guarda… ele se levanta novamente. Não é uma garota burra, ela só não entende o que ele representa, dentro da vida normal que ela sempre levou. Michael é o guardião que toma conta do Halloween, como o Papai Noel toma conta do Natal, só que ser bonzinho para ele não garante nem a vida, muito menos presentes.