Dirigido por Jonathan Demme
Dirigido por Jonathan Demme

Para tentar pegar um serial killer, uma aspirante a policial federal pede ajuda a outro serial killer, que foi capturado anos antes.

Agora que Hannibal Lecter é um nome famoso, depois de tantas adaptações de suas histórias para o cinema e para a tv, é bom esclarecer pelo menos a cronologia dos trabalhos principais, ou seja, daqueles com Antony Hopkins no papel do canibal mais famoso do cinema. O Silêncio dos Inocentes é o segundo livro da série, mas foi o primeiro filme a ser lançado, sendo até hoje o único terror da história a merecidamente receber o oscar de melhor filme. Dez anos depois estreou Hannibal, o terceiro livro da série. No ano seguinte, Hopkins apareceu com tintura nos cabelos que lhe restavam, para parecer bem mais jovem em Dragão Vermelho, o último filme a ser lançado, contando a história do primeiro livro. Para quem não estava prestando atenção, é uma salada mas O Silêncio é tão bem dirigido, que não fez diferença o filme começar no meio da trilogia.

Buffalo Bill foi o apelido dado a um psicopata que está à solta, matando mulheres e removendo parte de suas peles. O F.B.I. não tem a mínima idéia de quem ele seja e tem apenas uma noção bem trivial dos motivos pelos quais Bill faz o que faz. Pode ser um sinal de desespero, mas moças continuam desaparecendo, corpos sem pele continuam sendo encontrados, então eles decidem pedir a ajuda de alguém pior do que Buffalo Bill. O Dr. Hannibal Lecter é um brilhante psiquiatra, que chegou a fazer parte de investigações federais fornecendo perfis de psicopatas, até que se descobriu que ele também era um e que tinha o hábito de comer partes dos corpos de suas vítimas. Para evitar resistência, por causa do histórico tanto de colaboração entre as partes, quanto do processo de captura e condenação, o departamento de polícia envia uma estudante para falar com Lecter.

silence of the lambs 1O filme começa com a banalidade de um treinamento físico a céu aberto, com créditos de abertura em letras gigantes brigando pela nossa atenção. É inútil, porque nada, nem os nomes escandalosos de elenco e equipe, nem a extravagância de algumas atuações conseguem desviar a nossa atenção da história. Não há nenhuma cena de sobra, nada está fora do lugar. Perder informações por distração é tão perigoso para nós quanto para Clarice, a estudante com uma missão. Ela correria o risco de perder uma vítima, ou a própria vida. Nós correríamos o risco de achar que toda a badalação ao redor deste filme, não passa de um barulho generoso para pouco mérito.

Se o personagem Hannibal Lecter não estivesse à altura das expectativas, o filme não funcionaria. Ele aparece cercado de psicopatas, todos trancados no andar mais baixo do subsolo de uma instituição para doentes mentais criminosos, mas é o único que recebe tratamento diferenciado. Sua cela é especial, mais segura, como se as precauções com os outros detentos não fossem o suficiente para Lecter. Ele age como se fosse o mais civilizado dos homens, mas é temido como o mais raivoso dos predadores. Sua primeira aparição é um daqueles momentos notórios, que sempre aparecem em vídeos de homenagem ao cinema em geral, não só filmes de terror. Ele é o homem mais perigoso que já existiu. Se não estiver planejando um assassinato e que receita culinária usará com o corpo, ele está arquitetando um plano para destruir a vida de alguém, apenas por diversão.

Essa sede por sangue e caos não impedem Hannibal de desfrutar da profissão. Existe nele um desejo autêntico de auxiliar no progresso de qualquer pessoa. Ele está pouco se lixando para a integridade física da mais recente vítima de Buffalo Bill. O que interessa para ele, é que Clarice consiga capturar o serial killer, deixando para trás os hábitos e idéias pré-concebidas daqueles que a antecederam na força policial. Na mente dele, ela merece se tornar uma agente competente, não por ser bonita e ambiciosa, como todos os outros homens do filme a enxergam, mas por não hesitar em colocar a própria segurança em risco para salvar uma estranha. Lecter respeita este amor que ela tem pela humanidade, mesmo que ele prefira a humanidade com feijão e um bom vinho.

silence of the lambs 2Não existem provas físicas para capturar Buffalo Bill, somente um padrão de comportamento seguido pelo assassino e isso faz do roteiro algo especial. A idéia de usar um psicopata para pegar outro aqui é real, não fica só na promessa. Hannibal quer que Clarice chegue até Bill por conta própria, apesar de já saber quem ele é e como o assassino pensa, com base apenas no arquivo sobre Bill que foi produzido pelo F.B.I. Outros agentes estudaram o mesmo arquivo, mas só Lecter enxerga a praticidade por trás dos rituais. Não há um Deus X machina para salvar o final do filme, somente observação, dedução, trabalho sério e muito cuidado. Se você precisar ver o filme mais de uma vez para entender como o gato chega no rato, não se sinta culpado. É um filme complexo.

Com o passar dos anos, a reputação de O Silêncio dos Inocentes está intacta. O filme não perdeu sequer uma fração de todas as virtudes que o tornaram super premiado e super continuado. Bem escrito, dirigido e atuado, mas neste gênero, a aceitação do público só foi conquistada porque houve cautela em relação à violência. Não que eu ache que o objetivo foi o sucesso nas bilheterias. Como fã de terror, eu já vi cenas mais fortes do que as de O Silêncio, mas eu prometo que poucas cenas em outros filmes me pareceram tão legítimas e isto é em grande parte, mérito da moderação.