
Durante uma noite nos Estados Unidos, todos os anos, qualquer crime está liberado.
Anarquia é a sequência de Uma Noite de Crime, lançado no ano passado com Ethan Hawke. Eu não quero desencorajar ninguém a ver o primeiro filme, na verdade, é bom dar uma conferida no original, para entender como funciona esta medida governamental fictícia e porque a maioria das pessoas apóia um ato tão polêmico. O problema é que o primeiro filme se transformou em um típico slasher de cabana de floresta, mesmo com a ação se passando em um bairro nobre e povoado, deixando de lado todas as possibilidades que poderiam ser exploradas com este conceito maluco, mas interessante.
Em um futuro próximo (claro), nos Estados Unidos (onde mais?), o governo encontrou uma maneira de controlar a criminalidade, criando um feriado nacional, com direito à prece e cobertura televisiva. Por doze horas, em todo o país, a única coisa proibida são explosivos. Não existe lei ou ordem, não existe propriedade privada e ninguém é de ninguém, mas não no sentido carnavalesco da idéia. O grande chamariz no entanto, que acaba atraindo muita gente para as ruas em uma noite tão intensa, é a possibilidade de matar qualquer um, conhecido ou estranho, com ou sem motivo e não sofrer nenhuma punição perante a justiça. Nem uma multinha. Por isso que eu pulei sem remorsos a crítica do primeiro filme e segui direto para este. Tenha dó! O pau comendo solto nas ruas e nós presos na mansão ultra segura do Ethan Hawke.
A desculpa para a carnificina é uma lavagem na alma. Se você é um americano livre, você tem o direito de matar quem você quiser, apesar de que muita gente prefere se trancar em casa e esperar a loucura passar. Durante a contagem regressiva, as pessoas deixam de desejar um bom dia, para dizer “esteja a salvo” umas para as outras. Nem todos participam, mas a maioria concorda, já que podem se sentir mais seguros durante os outros dias do ano, quando todos se acalmam, porque tiveram a chance de pecar sem consequências na data em questão. Ninguém pode dizer que a medida não funciona, porque a onda de crimes diminuiu muito, mas a que custo?
Como este plano afeta o cidadão comum, aquele que não jura e não é jurado de morte? Que não tem inimigos, mas que também não possui aparatos caros de proteção em casa? O que acontece com quem nem casa tem? O filme mostra tudo isso e não poderia deixar de ser extremamente político, já que pode-se presumir que nos primeiros anos da chamada Purificação, os criminosos comuns, que inspiraram a criação desta lei, foram sacrificados por suas vítimas. Só que os anos foram passando e os justiceiros se juntaram, formando grupos de extermínio, para realizar uma limpeza social, eliminando o problema antes que ele surgisse. É claro que existem aqueles que nunca precisaram matar ninguém e só o fazem agora porque podem e tomaram gosto pela coisa, mas esses psicopatas enrustidos são quase sempre da alta sociedade e nunca matam um dos seus.
São três histórias, que em um certo ponto se encontram para quebrar uma regra extraoficial. É um dia para matar, não para salvar, mas eles formam um vínculo rapidamente e se ajudam para escapar do perigo. Com diferentes razões para estar nas ruas, expostos à violência generalizada, estão um casal cujo carro quebrou a poucos minutos do prazo final e a muitos quilômetros de casa; mãe e filha que foram forçadas a abandonar o próprio prédio e um homem com uma missão, que está correndo risco de morte por escolha. São personagens bem construídos e mesmo com pouco tempo de paz em tela, todos têm a oportuninade de expor suas personalidades e os problemas que acontecem paralelamente ao tema principal da história.
O filme cumpre o que promete, com um roteiro livre de preguiça. Caos total e sem pausa, assim que o alarme toca anunciando o início do quebra-pau. Anarquia não tem o menor problema em esfregar no primeiro filme, a sua superioridade de execução, especialmente quando o suposto maníaco tira a máscara e revela sua motivação, contrário aos vilões sem rosto do original. O apelo de inocentes cercados de inimigos, tentando chegar em casa é tão universal agora, quanto foi da época de Warriors, Os Selvagens da Noite. Não tem como não gostar, mas eu confesso que por mais que o filme seja divertido, na pele desse povo, eu já teria me mudado para o Canadá.