
O terror clássico fictício, encontra o terror moderno e real.
Quando descobrimos que em Na Mira da Morte, Boris Karloff interpreta um ator de quase 80 anos, muito famoso por papéis antigos e condenado ao mesmo gênero de filmes por toda a sua carreira; não é nada demais, já que muitos atores são escalados para fazer personagens parecidos com eles mesmos. Começamos a desconfiar de que algo especial está acontecendo, quando o diretor e roteirista do filme, Peter Bodganovich, atua no papel de um diretor e roteirista, tentando convencer o ídolo de terror a trabalhar em um de seus filmes. Mas só temos certeza do quanto este filme é pessoal, quando o nome do personagem de Boris Karloff é dito em voz alta. Byron Orlok! Não dava para ser mais autobiográfico.
O filme começa com uma amostra dos papéis que o ator consegue, senda ainda um nome de peso, mas claramente obsoleto. É o final dos anos 60 e muita coisa mudou desde Frankenstein, ou qualquer que seja o papel mais memorável do personagem Byron. Principalmente no que se refere ao que o público considera assustador. A guerra do Vietnã, os mísseis de Cuba e muitos outros monstros modernos, reais e constantes, já enchiam de medo as cabeças de crianças e adultos. O velho ator entende que sua época já passou e quer deixar a vida profissional para trás. Sem alardes, ao contrário de Bobby, o verdadeiro personagem principal da história. Bobby também desistiu de tudo, mas quer levar o máximo de coadjuvantes com ele, quando sair de cena.
Não há nada de errado na vida de Bobby. Ele está casado com uma jovem bonita e atenciosa, que abraçando o feminismo crescente, trabalha fora e divide as despesas da casa. Eles ainda não têm filhos, mas se ela engravidasse, eles não ficariam desamparados. Os pais de Bobby estão sempre por perto, morando no mesmo local, jantando com eles, saindo para caçar e até permitindo que o filho use a conta deles em uma loja para efetuar uma compra. A afeição de todos é genuina, ninguém vive de aparências, exceto por Bobby, que vem adquirindo uma quantidade preocupante de armas e munição nas últimas semanas, sem que ninguém saiba.
Ainda era uma novidade, mas se tornaria uma epidemia. Um indivíduo comum mas fortemente armado, se posiciona em um local movimentado e abre fogo, pela razão que considera justa. Recentemente, um caso bem real ganhou destaque nos jornais mundiais. O rapaz real, queria se vingar do mundo porque não conseguia arrumar uma namorada. A depressão do personagem Bobby não tem um motivo aparente, mas ela é até comum e não faz dele um vilão. Agora, o plano dele, de não deixar este mundo antes de causar um grande estrago, faz.
O diretor decidiu não deixar o ator e o atirador se encontrarem até o final do filme, dividindo Na Mira da Morte em duas narrativas completamente diferentes e independentes. A metade de Karloff é nostálgica. Em uma cena, enquanto o diretor Bodganovich, no papel de diretor no filme, está no quarto de hotel de Orlok, furioso porque o ator anunciou sua aposentadoria, logo agora que ele tinha um papel perfeito para ele, a tv do quarto interrompe a briga entre os dois. Um filme antigo de Karloff está passando e o diretor não consegue desgrudar os olhos da tela. Ele pára o próprio filme para que todos apreciem o trabalho do ator. O problema é que ele faz isso o tempo inteiro e enquanto ele se encanta com a presença do ídolo, o filme só anda nas sequências em que Bobby aparece.
É um sentimento vergonhoso, querer que Karloff saia de cena, em nome da impaciência de um público acostumado com estímulos contínuos, mas acontece. Ele parece esperar por algo, enquanto Bobby age. Foi um erro pensar que a parte de Karloff no filme não precisava de tanto cuidado, apesar de ser um prazer olhar para o ator, que domina qualquer cena da qual faça parte, assim como é um prazer e uma honra para Bodganovich dirigí-lo. O diretor queria nos transportar para uma era mais simples, quando era preciso ir a algum lugar assombrado para encontrar uma criatura assustadora. O confronto entre Byron Orlok e Bobby é perfeito. Respeita os dois mundos e um não ofusca o outro. O diretor prova que o bicho-papão moderno, não passa de um moleque covarde e nada assusta mais esta espécie, do que um monstro de verdade. É a chance de Karloff, o monstro original, se tornar um herói.