
Um escritor volta a sua terra natal depois de muitos anos, mas está longe de ser a visita mais interessante na cidade.
Uma coisa que precisa ser aceita logo de cara, é que seremos expostos excessivamente a elementos secundários da história, que não têm ligação direta com a vampirização da cidade. O filme, adaptado de um livro de Stephen King, foi originalmente produzido como uma minissérie para a tv e tem cerca de três horas, então veremos às vezes com prazer, às vezes com tédio, diversos detalhes do cotidiano da cidade, como traições conjugais, crianças se metendo onde não devem e jantares entre amigos.
Quando somos crianças, o mundo está cheio de monstros. É só quando crescemos que eles deixam de existir. Já que Ben estava chegando aos quarenta, ele pensou que seria seguro voltar para o lugar que atormentou a sua infância. Não tem nada de interessante em Salem’s Lot. Pouca gente, alguns comércios, uma igreja, nem família ele tem lá, mas Ben volta mesmo assim. O escritor tem uma idéia para um novo livro, envolvendo a casa mais famosa da cidade. Uma mansão na verdade, com um passado macabro, que Ben está louco para desenterrar.
Não dá para falar de todas as histórias paralelas do filme, já que algumas aparecem com menos frequência do que os breaks comerciais. O bom, é que juntas elas nos deixam por dentro de tudo o que acontece na cidade. O chefe de polícia usa o bêbado da cidade para espionar os moradores. O antigo professor de Ben está organizando a peça de teatro anual, que conta a história da cidade. Um antiquário está para ser aberto, o que é bem estranho, já que antiguidades requerem consumidores refinados, ou pelo menos, uma clientela maior.
Quando o filme começa com apenas dois sobreviventes, já distantes da cidade, mas armados para o que der e vier, com cruzes e água benta, entendemos que esta é uma tragédia anunciada. É por isso que conhecer a vida daquelas pessoas antes dos ataques, é tão importante. Eles não são santos, são comuns e se dão o direito de cometer erros. Isso não quer dizer que apoiaríamos o tipo de punição que se aproxima.
Ben não teve muito sucesso como escritor, mas se sustenta. Uma garota bonita, lendo um de seus livros, é algo tão especial que ele não consegue resistir e logo os dois começam um romance. Susan é uma agradável distração, já que Ben está tendo dificuldade com o novo livro. Ele não tem acesso à Mansão Marsten, por conta do novo inquilino, o Sr. Straker e se depender do mais recente comerciante da cidade, o escritor vai morrer de fome, mas nunca entrará na mansão.
O fascínio com o local nasceu de uma brincadeira, na qual Ben ainda menino, precisou provar sua bravura, entrando sozinho e permanecendo na casa. A história da propriedade envolve assassinatos cruéis e suicídios, para o deleite mórbido da molecada. Qualquer aproximação era um desafio divertido, mas o menino Ben saiu dela com uma certeza apavorante. A casa gera e atrai maldade. É só o primeiro cidadão desaparecer, para o crescido Ben voltar à infância, novamente sem crédito ou provas, acusando a casa e quem quer que esteja morando nela.
O filme tem um ritmo bem lento. No formato original, levaria cerca de um episódio inteiro até a primeira morte acontecer. No entanto, não é a morte que interessa, mas sim a cena do retorno, que coloca a minissérie pau a pau com qualquer filme de terror. Uma criança flutua do lado de fora da janela. Sabemos quem ele era, vimos a agonia dos seus pais quando ele desapareceu, nos apavoramos com a lentidão hipnótica dos seus movimentos e não condenamos o irmão dele, quando permite que o monstro entre no seu quarto. Como diz a lenda, vampiros precisam de convite e ninguém conseguiria manter um parente fora de casa. É por isso que a cidade inteira irá desmoronar rapidamente. Ben, no seu grito solitário por socorro, faz as contas. Um contamina outro, dois contaminam mais dois, juntos contaminam quatro e assim por diante.
Straker, o inquilino e dono da loja de antiguidades, move caixas de um lado para outro, faz encomendas, recebe curiosos, mas fica enrolando para abrir o estabelecimento, porque está a espera do seu sócio. Kurt Barlow, o vampiro que demora para aparecer, pode até ser o mais poderoso da dupla, mas Straker está longe de ser um simples servo. Ele é tão carismático, que eu cheguei a imaginar que o sócio não passasse de uma invenção e que ele era realmente o vampiro, mesmo passeando pela cidade durante o dia.
Os vampiros podem até ser um pouco noivas, mas quando resolvem aparecer, derrubam qualquer aspecto noveleiro que o filme tenha adquirido, seja pelo pudor televisivo ou pela grande quantidade de personagens. O suspense nunca diminui, enquanto qualquer vampiro está em cena. A maquiagem muito bem feita, só não os deixa mais assustadores do que a própria atitude, quando eles se divertem com suas vítimas, antes amigos e familiares, pelo tempo que bem entendem.
Stephen King tem quase em todas as suas histórias, um local amaldiçoado. Um esconderijo de monstros, que ele provavelmente baseou nas suas memórias de garoto de cidade pequena. Ben, como Stephen, é um escritor intrigado com monstros do passado, é o herói que Stephen não pode ser. King poderia voltar a sua cidade natal, para constatar, ao mesmo tempo com alívio e decepção, que a casa que lhe deu medo quando ele era criança, não passa de uma casa. No filme, nem todos se arriscam a enfrentar os monstros, alguns pegam suas coisas e dão no pé. Prioridades são diferentes para pessoas diferentes. Ben, mesmo com a possibilidade de ficar sem um futuro, já que as vidas profissional e amorosa dele se encontram naquela cidade; terá o conforto de saber que, pelo menos, estava com a razão, desde a infância.