Dirigido por Georges Franju
Dirigido por Georges Franju

Um cirurgião plástico tenta recuperar da pior maneira, a auto-estima da filha desfigurada.

 

 

 

 

 

Enquanto eu espero que Billy Idol se manifeste, escuto uma trilha circence em várias partes do filme. Poderia ser uma piada de mau gosto, com a condição física da personagem central, mas não é. Primeiro que Christiane não é uma aberração de circo, é apenas uma vítima de queimadura e a musiquinha toca, somente quando uma crueldade está para acontecer.

As influências vão além da música pop. O Bebê de Rosemary também tem uma cena em que o monstro provoca, provoca, mas não aparece. Tom Cruise em Vanilla Sky e Michael Myers usaram máscaras semelhantes, mas a de Christiane é muito mais do que um adereço para causar medo ou esconder uma imperfeição. Aquela face de porcelana, se encaixa perfeitamente no topo daquele corpinho de boneca, vivendo em um quarto de menina. O rosto pertence à jovem, faz parte dela, mesmo sem nenhuma expressão.

Antes que qualquer introdução de personagens seja feita, um crime é cometido. Uma mulher dirige durante a noite e quando chega ao seu destino, ela joga no rio um corpo que estava no seu carro. Mais tarde, o Dr. Génessier, contrariando a cautela do departamento de polícia, diz que aquela afogada, nua e sem rosto, é definitivamente sua filha Christiane, que tinha desaparecido do hospital dias antes. Ao sair do necrotério, uma cena aparentemente desnecessária, ultrapassa o tempo da sua importância. O pai de outra jovem desaparecida, que também veio identificar o corpo, se mostra mais abalado do que o médico em luto. Para o alívio dele, o Dr. Génessier não tem dúvidas.

Eyes Without a Face1Quando vemos a criminosa no enterro, ao lado do pai da morta, estamos tentados a pensar que o ato foi uma vingança e aguardamos um motivo. Nada disso. Trata-se da secretária do Dr. Genéssier, uma funcionária fiél, quase doente pelo médico e a história toda não passa de um truque.

Um acidente de carro deixou apenas uma sequela, o rosto, que de tão queimado, não existe mais. O pai, um brilhante e muito respeitado cirurgião plástico, estava no volante. A jovem, que estava noiva e tinha um futuro de contos de fadas à sua frente, só pensa em morrer. O causador do acidente, movido por culpa e amor, resolve realizar o desejo da filha. Christiane está morta para o mundo, o que deixa o médico mais a vontade para realizar o outro truque.

A mansão é gigantesca, mas o limite é o quarto, sem espelhos e visitado apenas pelo pai e pela secretária. Christiane sempre acha um jeito de sair e procurar a única companhia que não a incomoda, os cachorros no porão, tão prisioneiros quanto ela. Eles são dóceis com a garota, mas estressados de um modo geral. Recolhidos na propriedade pelos empregados do médico, eles são muitos e de várias raças. É no porão que Christiane também encontra o local de conforto do pai. A réplica de uma sala de cirurgia.

Pelas ruas de Paris, Louise, a secretária, força amizade com uma jovem muito bonita. Em pouco tempo elas estão íntimas e a moça que não tem família por perto, recebe a proposta de uma moradia de graça, em um quarto da mansão Génessier. A generosidade deve ser contagiante na casa, porque o pai de Christiane a promete um rosto novo… não é preciso ser um gênio para prever o que vai acontecer.

Eyes Without a Face2Tudo é muito conveniente para o médico. A secretária é devota, a polícia é crédula e os empregados não são curiosos. As cobaias, de várias espécies, vão até ele. Até quando ele precisa fazer muito barulho, sem chamar a atenção, um boeing sobrevoa a sua cabeça. É facil demonizar este senhor feudal, para quem todas as portas se abrem, ainda mais quando lembramos que ele tentou repreender o outro pai no necrotério, que buscava consolo pela aflição que passou. Ainda assim, pelo bem de todos, queremos que ele tenha sucesso.

O preto e branco, já desnecessário em 1960, é também uma máscara, que passa a sensação de que estamos vendo um filme antigo, onde certas normas são respeitadas. Isto força gerações de espectadores futuros a sentirem o choque de uma cena, talvez a cena mais famosa de Olhos Sem Rosto. Nem o médico acredita na violência que está cometendo e não somos poupados dela por nenhum minuto. O contorno do lápis, o corte e a remoção.

Se existe uma lição a ser extraída deste conto de absurdos, é que nada é o que parece. Christiane, com suas vestimentas e maneirismos angelicais, deveria ser a defensora da moral, mas está longe de ser uma vítima. A garota está tão desesperada quanto o pai, para que a cirurgia dê certo. Sendo aquela na mesa de operações, no entanto, ela não compartilha da mesma perseverança e esperança. Seu heroísmo salva alguns, mas chega tarde demais para outros e só acontece, quando ela já perdeu a paciência e mostra que por trás de um rostinho feio, pode ter um monstro de verdade.