
Uma jovem teme estar amaldiçoada, por causa das lendas que escutava em seu país de origem, quando era criança.
Oliver conhece Irena, uma imigrante sérvia, em um zoológico. A jovem desenhista de moda, está tentando retratar uma pantera, que encara ameaçadoramente os visitantes do local. O animal é fascinante, Irena também é. Imediatamente eles se apaixonam e começam a namorar.
São dois adultos, trabalhando, cuidando de suas respectivas fuças, mas com almas infantis. Oliver esconde um presente para a amada dentro de uma caixa de sapatos, no escritório onde trabalha. A cara de espanto que ele faz, quando os miados do gatinho chamam a atenção dos colegas, é de nos fazer questionar sua idade emocional. Para o mérito dele, e são muitos, se houvesse uma competição nacional de arremesso de bolinhas de papel em lixeiras, Oliver seria medalha de ouro.
Irena mantém a estátua de um herói nacional em sua sala. Um antigo rei, que libertou a República da Sérvia. Quem somos nós para julgar a cultura alheia, mas a garota conta uma história bem fantasiosa. De acordo com os idosos da vila onde ela nasceu, o rei os visitou uma vez e encontrou um povo diferente, maléfico, produto de anos de escravidão. Satanistas, ela explica, que tiveram que ser mortos, ou expulsos para as montanhas. Os sobreviventes assombravam de longe a pequena vila, com uma espécie de praga em suas vidas. Eles eram capazes de amar, mas se consumassem esse amor, se transformariam em felinos.
Fica bastante claro desde o início, que a lenda é uma bobagem. Oliver pediu um beijo e Irena lhe contou a história, como um modo de negar este beijo. Claro que algumas coisas estranhas acontecem na presença da moça, como um encontro infeliz com uma compatriota e a rejeição que ela sofre de diversos animais, incluindo a pantera que admira e teme se tornar. Mas Irena está sem família no país e Oliver, como ela diz, é o primeiro amigo que ela conseguiu fazer. Esse medo da intimidade, alimentado por coincidências totalmente explicáveis e conversas tolas com personagens pouco instruídos, não é nada além disso, medo.
Alice, a colega de trabalho com quem Oliver passa a maior parte do tempo, é uma jovem bonita, independente, sem doideiras e o mais tentador, está apaixonada por ele. Uma mulher com um grande coração e muito prestativa. Mesmo assim, sem ao menos um beijo, ele escolhe Irena. Os dois se casam e a pedido da noiva, dormem em quartos separados todas as noites. Sem discussões, apenas compreensão e um pedido em troca: que Irena procure ajuda psiquiátrica.
Só pode ser um trauma mesmo. Não há nenhuma indicação, apesar da imaginação constantemente estimulada de Irena, de que este é um filme de terror. Entre uma consulta frustrada e uma visita noturna ao zoológico, aguardamos um desfecho educativo, onde a jovem esposa, apenas manifesta os sintomas de um casamento apressado, entre duas pessoas que mal se conhecem. Pelo menos, é com este espírito de normalidade e ao mesmo tempo, complexidade que Cat People segue.
Por mais que Oliver seja um santo, que nunca brigue ou exija nada de Irena, ela já percebeu que Alice ronda o rapaz, como a pantera ronda os seus pesadelos. O casamento é recente, mas já está em crise, por mais que o marido tente disfarçar. A colega é a lembrança de uma época em que a vida de Oliver era mais simples e feliz. É com essa ameaça que o bicho… bichano, começa a pegar. Humana ou não, Irena se transforma de vítima para vilã e concentra todas as suas frustrações em Alice, que incrivelmente, se torna a mocinha do filme.
É uma surpresa e tanto, em uma simples história de terror e esta é bem simples, mudar de lado e torcer para outro o time. O que acontece é que, Irene é realmente uma refugiada e não tem nada a ver com política. Cada vez mais assustadora, ela proporciona duas cenas inesquecíveis. Uma, nos dá um susto de causar inveja em slashers recentes, outra, é o melhor momento “fique longe do meu homem” que eu já vi.
Quem espera um banho de sangue, vai se decepcionar. O remake de 82, com o nome em português de A Marca a Pantera, é mais violento, só que mais focado em erotismo do que em terror. Este é um filme mais contido, onde a malícia é sinônimo de perigo. Nem Oliver sai da linha, mesmo com uma grande amiga e uma gatinha aos seus pés. Tudo o que ele quer é fazer o que é certo, amar e voltar a ser feliz. Para isso, desde o início, ele deveria ter sido menos juvenil e acreditado no sinal mais claro do filme. Quando se conhecem no zoológico, Irena, sem educação, joga papel no chão. Ele lhe aponta um cartaz em cima do cesto de lixo que diz: “Não permita que digam, e digam para a sua vergonha, que tudo era belo, até que você chegou”. Pois é.