
Duas amigas planejam vingança, contra pessoas que sequestraram e torturaram uma delas na infância.
Uma oportunidade de ouro e Lucie foge. Desorientada e muito machucada, a garota de dez anos passou meses presa em uma fábrica abandonada, sendo agredida sem motivo, por pessoas que não conhecia. A porta milagrosamente aberta, o algoz de plantão, imobilizado e a menina semi-nua, correndo pelas ruas como um animal, com suas pernas curtinhas de criança. É a visão do inferno.
Depois que conseguiu escapar, a garota teve grandes dificuldades para se relacionar com outras pessoas. No orfanato onde vive, médicos e policiais já tentaram colher informações, para localizar os responsáveis por sua abdução e tortura, mas Lucie não fala com mais ninguém a não ser com Anna, outra criança abandonada e sua única confidente.
Quinze anos se passam e nós somos levados a uma família muito tensa, jogada em um comercial de margarina. Não sabemos quem eles são e eles não sabem por que Lucie, agora adulta, entra na casa deles com uma espingarda, surpreendendo nós que acompanhamos a fuga dela no início do filme com alívio, e não esperávamos nada tão forte, tão cedo.
Pai, mãe e filhos são mortos e Lucie pede socorro. Anna aparece para orientá-la e ajudar a limpar a bagunça. Crescendo juntas, elas formaram uma espécie de família também. Uma forte ligação, tanto que Anna carrega consigo, um kit de primeiros socorros, caso o fantasma/alucinação que persegue Lucie, resolva aparecer como sempre faz e dar uma surra nela.
Lucie adquiriu mais cicatrizes em liberdade do que em cativeiro. Não tem nenhuma prova da culpa dos donos da casa que invadiu. Pode ser esquizofrênica e um perigo para qualquer um ao seu redor, incluindo Anna. Como ajudar uma pessoa tão perturbada e que mal consegue pregar os olhos para dormir?
Esta é, antes de mais nada, uma história triste, onde a proporção de monstros pagando por seus crimes, é muito inferior ao sofrimento causado aos inocentes. Em muitos filmes de terror, vilões conspiram e tentam abrir caminho para o anti-Cristo. Em Mártires, eles querem recriar o messias e descobrir se existe vida após a morte. Quem tem algum conhecimento bíblico, sabe que o caminho para a divindade é cheio de espinhos. No filme, este conceito é exibido ao pé da letra.
Tem tanta informação sendo mostrada ao mesmo tempo, que somos obrigados a sentir um pouco da loucura de Lucie. Assombrações, culpa, amor não correspondido, traição, em um curto espaço de tempo, como se o filme tivesse pressa de encerrar um capítulo. A gente acaba se esquecendo de que, se a vingadora estiver errada, ela matou gente inocente e se estiver certa, permanecer por muito tempo na moradia de gente tão perigosa, não é uma decisão inteligente.
Quando Lucie deixa de ser o foco, saímos da sua pele e entramos na de Anna. Seu desempenho como personagem principal é mais curto, mas parece mais longo. Das cenas em que ela tinha apenas uma vaga ideia do que Lucie sofreu, até as cenas em que carrega a sua própria cruz, uma eternidade se passa. Parecem dois filmes diferentes. Perdemos a noção do tempo, assim como a pobre coitada, espancada, humilhada, até que a gente implore para que o filme termine, mesmo sem um Grand Finale. Não temos gosto pelo martírio e não queremos ver o que mais será testado na menina.
O terror nunca foi tão organizado. Com equipe de enterro e provavelmente, faxineiros. Ninguém perde o controle e desrespeita a seriedade da pesquisa. A única ligação destes vilões com vilões comuns é a futilidade do motivo, nascida de curiosidade e falta de paciência. O “finale” chega, tão terrível quanto tememos, separando o público entre aqueles que aguentam e aqueles que xingam. Mártires são pessoas que sofrem por uma causa, escolhendo ou não. Sofremos também. Nossa única escolha é decidir se os curiosos finalmente decifraram os segredos do universo, ou morrerão tentando… oops… matarão tentando.