Antes de Peter Jackson ser dos Hobbits, ele era nosso! Das profundezas da filmografia do diretor, podemos encontrar a pérola Náusea Total (Bad Taste) que com amadorismo, terror-chacota e muita vontade de ser um filme de verdade, marca o início da carreira em longas de Jackson em 1987. Em 92 ele lança uma verdadeira obra prima do trash, Dead Alive, garantindo que o próprio nome seja lembrado, pelo menos entre os apreciadores do gênero, em listas de jovens talentos da indústria para serem observados de perto. Com um orçamento de acordo com extensão da criatividade, em 94 ele lança Almas Gêmeas (Heavenly Creatures), uma dramatização incrível de um crime chocante acontecido na Nova Zelândia, terra do diretor, que para mim sempre foi um filme de terror, esperando para se libertar das amarras da fantasia. Dois anos depois, seu pezinho chega em Hollywood, mesmo com a maioria das filmagens sendo ainda no país de origem, com este que eu considero “Os Fantasmas se Divertem dos anos 90”, menos conhecido e celebrado, mas igualmente divertido, criativo, sombrio e com o compromisso de apresentar ao mundo um novato atrás das câmeras, que iria surpreender até em outros gêneros, sem negar as origens góticas. Até o Danny Elfman aparece na trilha. 

Robert Zemeckis, produtor executivo aqui, tinha bastante experiência como um novato sob a tutela de um diretor/produtor de peso (Spielberg), desde a década anterior, para entender que quanto menos interferisse no processo criativo, melhor para o cineasta que ele tinha interesse em ajudar. Spielberg, sempre foi um grande incentivador para Zemeckis, apoiando o projeto recente mesmo quando os anteriores não haviam sido sucessos, por acreditar que a vocação para a função era inegável, mesmo quando nem Zemeckis tinha esta segurança. A primeira regra de um bom executivo, como Bob Z aprendeu muito bem, é ser o cara que resolve os problemas enquanto faz sugestões leves, que possam ser questionadas e negadas sem controvérsia, já que o trabalho intocado do principiante, foi o que chamou a atenção dele para início de conversa. Talvez a maior e melhor influência do diretor da trilogia De Volta Para o Futuro, tenha sido a escolha de Michael J. Fox, seu menino de ouro e com ótimo timing para comédia, para o papel principal do charlatão em busca de redenção. Este infelizmente, acabou sendo o último trabalho no cinema de Fox como protagonista, já que nos anos seguintes, o mal de Parkinson seria o fator determinante na saúde do ator. 

Os Espíritos é um terror-comédia-mistério-romance, que por esta mistura improvável de temas, não deveria funcionar tão bem com nenhum deles, mas funciona. Na história, multifacetada e cheia de reviravoltas, o autoproclamado detetive paranormal Frank Bannister, é um vidente de verdade, que utiliza o auxílio de alguns espíritos, para aplicar golpes na população de uma cidade com um histórico trágico. Em troca de oferendas como cheiro de fumaça de charuto e outros vícios carnais, os comparsas do outro lado da vida, usam suas forças ectoplásmicas (é, sei lá…) movendo objetos e assustando alguma família, para que Frank ofereça seus serviços ridículos de limpeza espiritual, por um preço obsceno. Estas experiências poltergeist parecem muito desgastantes, acelerando o consumo energético nas almas penadas, que perderam o bonde para o céu e trabalham com Frank, na esperança de que outra oportunidade apareça. Isto faz o vidente pensar que fantasmas são e precisam ser limitados, quando o assunto é interação com o mundo físico dos vivos, até que uma entidade maligna com sede de sangue e força para matar, cruza o caminho dele. De uma hora para outra ele percebe, que todos aqueles cidadãos saudáveis sofrendo ataques cardíacos fulminantes, não são uma coincidência bizarra na cidade.

As futuras vítimas do ser demoníaco, são reveladas para Frank com antecedência, através de uma habilidade que só ele possui, o que o transforma em um profeta com potencial para virar suspeito de assassinato. Ele que costumava ser um arquiteto bem sucedido até a morte da esposa, em um acidente muito bizarro e tão misterioso quanto diversos outros incidentes locais, virou quase um delinquente aproveitador, buscando somente a companhia dos mortos, mas isto está prestes a mudar graças a uma missão de combate divino, que ele aceita sem hesitar e também com a entrada de uma recém-viúva em sua vida, a adorável Lucy (vivida pela belíssima Trini Alvarado, outra sumida), que chega para devolver para Frank, tudo o que ele achava que havia perdido para sempre. Ela representa o romance, a maioria dos mortos são a comédia, a entidade é o terror e todas estas categorias trabalham em harmonia, sem que uma se sobreponha a outra e sem que o grande twist seja revelado antes do tempo.

O filme é cheio de personagens coloridíssimos, vividos por atores que parecem tão animados por terem sido escolhidos, que são um prazer à parte de se assistir, em um roteiro já super inspirado de Jackson e sua esposa Fran Walsh. Dee Wallace, nem sempre uma Scream Queen, mas certificadamente uma Scream Queen, desde que ficou presa naquele carro com um São Bernardo raivoso do lado de fora em Cujo (1983); está maravilhosa no papel da atormentada Patricia, uma mulher de meia idade que sem poder sair de casa, recebe visitas constantes da entidade assassina. Temos um elenco de rostos conhecidos e desconhecidos, em papéis de destaque, como o veterano John Astin interpretando um fantasma do velho oeste, ou em participações especiais, como Melanie Lysnkey do seriado recente The Last Of Us e Almas Gêmeas de Jackson, mencionado anteriormente, num papel sem falas que se você piscar, perde e falando no diretor, até ele faz uma ponta no filme. Agora, já que estamos mencionando as escolhas mais felizes do mundo em termos de atores, nada vai superar a escalação de Jeffrey Combs, o eterno e amado Re-Animator, na pele do mais excêntrico, perturbado e imprevisível agente do F.B.I., que o cinema já produziu. A presença do ator já deveria ser um grande chamariz para este filme, mas é ótimo que as diversas qualidades desta produção, garantam que não é necessário apelar só para os “rostinhos bonitos do terror”.

As vezes o humor é extremamente adulto com uma roupagem juvenil. Algo também conhecido como “quinta série”, um subproduto nas telas dos anos 90, quando tudo passava sem o julgamento de fóruns, chats e memes. Outro sinal da época são os efeitos especiais, que eu me lembro terem sido surpreendentes algum dia, mas que agora são a cara da desgraça. Apesar de que eu acredito no pânico de Patricia, quando aquele volume ganhando forma nos papéis de parede e nos tapetes, a persegue sem tréguas pela casa. Já era desde o início para ser um pouco gasparzinho mesmo, porque a intenção era fazer a maioria das aparições algo inofensivo para médiuns, intensificando o choque da manifestação do espírito do mal. O filme sempre será válido de ser revisto, mesmo com os elementos ultrapassados, por diversos outros que nunca perderam a frescor, além da história que é muito agradável. Eu adoro o fato de que em um determinado momento, suspeitos fujam de uma delegacia que tem gente trabalhando, mas é uma galera lenta demais para agir com competência, ao contrário do que poderia acontecer em um departamento de polícia duvidosamente vazio, como eu vi em alguns filmes atuais. Outro mérito importante e raro, é o modo como a morte em si é tratada aqui. Não é só o humor, é a naturalidade com o qual o evento é encarado. Sem explicações detalhadas, sem doutrinação religiosa ou filosófica, sem tabu com nada. Morreu? Sobe ou desce! Não aceita? Azar, vai ficar vagando! Tá de luto? Supera ou sucumbe. Simples e sem julgamentos. 

Advertisement