O look é de quem tem investimento para visuais extravagantes, mas o gosto é de quem não sabe administrar a gastança. A sacada, é que apesar de dar poucos indícios, este é um filme completamente consciente do que quer ser. Trash! James Wan nunca foi o rei da elegância, desde sua introdução à indústria com Jogos Mortais (Saw – 2004), até quando seus terrores passaram a retratar personagens baseados em gente real… e muito elegante, mas Maligno, sob seu total controle, é um exagero tão grande de cores, reações e entranhas, que consegue se destacar com uma distância considerável, de suas outras criações macabras. Há uma entrega escancarada do roteiro, ao braços de uma ficção científica que é pura ficção e nenhuma ciência, que os fãs podem se assustar e pensar que o diretor perdeu a cabeça em seu filme mais recente. A cena de abertura, mostrando uma criatura cheia de poderes toscos, digna de laboratórios que só não são clandestinos por serem descaradamente fictícios, é certamente o produto de algum filme B que Wan viu na infância. Estamos prestes a entrar em um território que havia sido dado como morto há muito tempo, em alguma prateleira de videolocadora reservada aos antigos pré-adolescentes, com alguns trocados no bolso e uma disposição provisória a se impressionar com plots e capas extravagantes.

Na história, que vai sofrer algumas mutações pelo caminho, Madison é uma enfermeira grávida, presa a um relacionamento abusivo. Depois de alguns insultos que parecem ser rotineiros, ainda que perturbadores, numa tarde em que ela volta mais cedo do trabalho após ter passado mal, Derek – o atoleimado, como xingaria a minha mãe, comete o que acaba sendo a última agressão contra a esposa. Apesar da carnificina desavergonhada que veremos em breve, eu tenho certeza de que esta é uma produção sabe da importância de uma vítima de violência doméstica, da atenção que ela merece, por isso a câmera não sai do quarto onde ela se trancou, nem para mostrar o infeliz se desculpando do lado de fora, mas a demora da câmera no mesmo enquadramento, com o rosto da mulher em destaque, sugere algo além de solidariedade cinematográfica. Naquela mesma noite, uma entidade demoníaca invade a casa, matando Derek e também o bebê que ainda estava na barriga da mãe. Maddy bateu forte com a cabeça na parede e aparentemente uma pequena chave foi virada, abrindo a mente da jovem para a recepção de conexões indesejadas. Ela será a partir de agora, uma relutante testemunha não-participativa, de uma série de assassinatos extremamente violentos.

Sabe o que é um sintoma de filme B dos anos 80, com o qual muitos de nós crescemos, mas que eu nunca tinha me dado conta antes? A casa assombrada parece isolada do mundo, mesmo em uma cidade grande. Foi preciso uma epidemia de perspectivas forçadas nos enquadramentos, mostrando a casa persistentemente, como se o imóvel tivesse vida própria e fosse exibicionista, para me fazer perceber com humor a referência ao exagero de outros tempos, mas não é só pelos diversos takes semelhantes. As outras casas estão lá, até nas cenas cheia de “neblina”, mas nunca vemos vizinhos. É uma tática antiga, para proteger a residência da vítima da… ideia de proteção. Em outras palavras, se Maddy estiver em perigo, pode até gritar, mas ninguém vai aparecer para ajudar. Na inocência de outros tempos, este truque simples nos fazia acreditar também que alta densidade demográfica, não era sinônimo de segurança e que se o terror escolhe uma casa aleatória no bairro cheio, a casa de ninguém está imune ao perigo. Outro sintoma derivado do terror-ridículo, utilizado aqui como se a protagonista fosse sócia da companhia elétrica, é o quanto as cenas noturnas são completamente iluminadas. Era uma mistura de pobreza técnica, com o receio da má qualidade na exibição de um baixo orçamento. Não se pode ter dúvidas de que o público não irá confundir o assassino nas sombras com uma sombra qualquer.  

O filme cai na categoria do sobrenatural, mas a proposta principal não é causar medo. Não é que o maior sentimento do gênero não exista aqui, afinal de contas, quem está no comando é responsável por mais de uma franquia de terror, em que cenas e personagens apavorantes, se tornaram clássicos nas nossas mentes. O lance é que quando o vilão vira uma serial killer, mesmo que Maddy veja as mortes como em uma projeção astral, a dinâmica do filme muda bastante, adicionando suspense policial e até ação ao pacote de categorias. Qualquer assassino de carne e osso, tem o poder no terror de causar o mesmo efeito que um fantasma, mas não com a mesma intensidade quando o “bicho” aparece demais, fazendo coisas como amolar facas e se movimentando de forma desengonçada. Tudo faz parte, eu imagino, do esquema para manter o filme em dois mundos diferentes. De um lado, temos mortes assustadoras, sustos apropriados e uma tensão palpável, toda vez que qualquer personagem fica sozinho. Eu tenho em mente a irmã de Maddy, em uma pesquisa solitária, obviamente, em um enorme e medonho hospital abandonado. É uma sequência que mexe com os nossos nervos, enquanto o diretor está sossegado porque não prometeu susto ou confronto. Do outro lado da narrativa, que parece ser um pouco maior, temos péssimas atuações de gente competente, uma overdose de piadas sem graça, fumaça em tudo quanto é canto, como se fosse um show de metal de décadas atrás e uma conexão entre a mulher e o monstro, que descamba sem dó para a maluquice completa. 

Os cenários são magníficos. Definitivamente um avanço dos ambientes que serviram de inspiração para o filme. Os efeitos especiais também são, especialmente quando Madison é carregada para a cena de um crime, sem poder interferir. Algumas sequências são impressionantes, como o primeiro massacre na delegacia… e o segundo massacre na delegacia, ou a perseguição noturna à criatura por um policial pelos túneis de Seattle. Wan chega a transformar a residência de Maddie em uma verdadeira casa de bonecas, com uma ousada tomada sem cortes vista de cima, enfatizando o quanto é incoerente que assalariados morem em verdadeiras mansões (e o quanto a gente aceitava isso sem questionar, décadas atrás), ao mesmo tempo em que diz: “É apenas uma homenagem, mas eu ainda estou aqui e sei como fazer isto direito”. Não é sutil, porque esta é a escolha. Cringe que fala, né? Pois é, brega, de verdade e com orgulho! Sangrento, com sua inadmissível contagem de vítimas que sabem se defender. Absurdo, sem apelar para o clima de paródia. O que frustra, é que o convite para esta festa em honra ao terror-vergonha, não foi estendido para o público. A filmagem é completamente séria, mas é uma vertente que os diretores atuais evitam com tanta força, que o tiro pode ter saído pela culatra, para grande parte da audiência.

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