Um terror pós-Covid-19 sobre a era do Covid-19. Sobre toda aquela preocupação com esterilização de produtos vindos da rua e com espirros de estranhos nas proximidades, que provavelmente só estavam com alguma reação alérgica, coitados! Eu me lembro que bem no auge da variante, meu refluxo me fez tossir tanto dentro de um ônibus, que até os adeptos da máscara no queixo ficaram em alerta. No melhor, faltavam produtos básicos nas prateleiras dos mercados e no pior, pessoas perderam o emprego e familiares. Esta era uma realidade mundial e ela não foi fácil de enfrentar. Sick, do diretor John Hyams, faz um ótimo trabalho nos transportando para uma época de medo coletivo que parece tão longe, mas está logo ali atrás, com um terror fictício sobre um efeito colateral da pandemia, que é um absurdo, mas só um pouco menos do que um monte de situações que vivenciamos de verdade. Sim, a quarentena foi uma porcaria, diz o filme, mas pelo menos não havia um homicida maluco à solta, enquanto estávamos todos presos e sem papel higiênico.
É estranho, mas eu consigo identificar certos aspectos do estilo de Hyams, um diretor que eu mal conheço, em diversas cenas deste filme. Sua câmera caótica e propositalmente confusa, principalmente em cenas de combate, que tentam camuflar cortes grosseiros sem sucesso, mas também sem preocupação, como se ele fosse o cinegrafista amador contratado para documentar uma ação real, é a marca registrada de Black Summer (2019-2021), uma série de terror sobre zumbis diferente, da qual ainda vamos falar neste blog. A transição entre uma facada e a consequência dela no corpo da vítima, cortando o ato violento, impede que a gente veja o filme como um slasher, mas somente nas cenas de confronto, quando a sensação de filme de ação, passa um pouco de esperança sobre o resultado de uma briga entre mocinho e bandido. Até o golpe fatal acontecer, sem resistência e inesperadamente. Outro estilo de filmagem bem aproveitado aqui, também usado na série, é colocar o cinegrafista para correr nas perseguições e elas são numerosas. Nada de planos altos e abertos, que poderiam remover o público de participar do desespero, simplesmente mostrando melhor o caminho à frente. A instabilidade da câmera na mão é falsa e com isso as sequências nunca ficam cansativas ou nauseantes. É bom ver o competente ator Marc Menchaca, que infelizmente só durou uma temporada em Ozark, em um ótimo papel desde Alone (2020), que também é de terror, também é de John Hyams e é ainda melhor do que Sick. Desconhecido sim, sem personalidade não!

Em abril de 2020, também conhecido como o início do “são só duas semanas de isolamento e depois tudo volta ao normal!”, as universitárias Parker e Miri aproveitam o recesso geral para manterem distância do mundo sozinhas, na casa de campo da família de Parker. O lugar é uma verdadeira mansão, tão grande, tão bonito, tão rodeado de vidros e tão afastado de vizinhos, que mesmo se não tivesse visto um prelúdio do que as espera, eu ainda me transformaria em uma cidadã pró-armamentista, só para conseguir dormir naquele chamariz de bandido, que nem possui um sistema decente de segurança. A única garantia tosca de proteção, é a chegada sem aviso ou permissão de DJ, o ex que nunca foi oficial de Parker, para dar uma equilibrada nas proporções de assassino por vítima do filme. Enquanto rola um problema de primeiro mundo naquela noite, do tipo, o crush quer exclusividade, porém a guria é vida louca… o mascarado aparece para a platéia diversas vezes. É uma maneira eficaz de manter o público angustiado, durante os momentos mornos de drama necessário, que revelam as personalidades da galera, além de ser a melhor ferramenta para provocar sustos com coisas corriqueiras, que não teriam o mesmo efeito sob outras circunstâncias. Perambulando pela casa discretamente, o assassino escuta conversas, destrói veículos e rouba aparelhos de comunicação. Quando os ocupantes da casa dormem, ele finalmente aparece, da maneira mais barulhenta que consegue encontrar.
Sick tem um prólogo gigante, que além de ser um gerador de gatilhos, com toda aquela obsessão com o uso de máscaras que eu sou louca para esquecer; serve para nos mostrar a suposta escolha aleatória da primeira vítima. Tão aleatória quanto os próximos três escolhidos que ficarão na ponta da faca pelo restante do filme. Eu sei que doidos perversos, não precisam fazer sentido para mais ninguém além deles mesmos, mas eu me pergunto o que está acontecendo aqui, toda vez que uma decisão do homem com a faca e o estudante na mão, coloca em risco seu plano já obscuro, com um capricho evitável. É claro que maníacos, ainda mais no terror, adoram brincar com as vítimas, mas mais de uma vez, a preferência deste em particular pelo espetáculo, o coloca em um cenário típico de vilões de James Bond, tão sacaneado nos filmes de Austin Powers. Que enrolação é essa? Mata logo, os três estão dormindo, olha que fácil! Não são mais apenas duas jovens, tem um cara grande com elas e da última vez, só um cara já foi quase um fracasso… qual é a jogada? Esta pergunta, junto com outras sobre motivos em relação aos alvos, sobre as vantagens sobre-humanas que o assassino parece ter e a habilidade de se comunicar com as vítimas bem antes de chegar perto delas, não deixam a história se desenrolar como tantas outras do gênero, mesmo que a ação siga o padrão clássico, até que algumas respostas cheguem, para um público que já estaria feliz com um terror mais simples, porém bem feito.

Se você tiver que gritar, cubra a boca… diz o slogan do filme, já que a nossa experiência com a pandemia, é mais do que um pano de fundo para mortes violentas na tela. O filme tem um twist interessante, bem no meio dos seus pouco mais de uma hora e vinte. Depois tem outro, completamente maluco, mas ainda apropriado para o tema principal do filme. Estamos agora a uma distância segura no tempo, sem esquecer do pesadelo pelo qual passamos recentemente, mas com um entendimento melhor sobre o que era e o que não era aceitável no nosso comportamento, na nossa paranóia e nas nossas expectativas em relação aos outros, durante a passagem do Corona pelo planeta. O diretor nos mostra que a responsabilidade pelo contágio, é sempre dos dois indivíduos sem proteção e isto vale para qualquer vírus. Vale para qualquer coisa. A partir do momento em que o assassino desfere o primeiro golpe, o filme vira uma luta por sobrevivência tão acelerada e constante, que até esquecemos da necessidade do álcool em gel e do distanciamento obrigatório. Pois sejamos então mais tolerantes uns com os outros, por condutas influenciadas por medo e outros sentimentos de baixo nível.