
Uma reunião de família se torna mais desagradável e sangrenta do que o de costume.
Alguns filmes de terror necessitam de pompa para seduzir o público. É um modo de encantamento pré-carnificina, que suspende a descrença do povo, nos fazendo acreditar que existam realmente lugares amaldiçoados, que não há nenhuma ajuda disponível quando o mocinho está sozinho, ou que seja impossível uma solução final, quando o nome do vilão é Freddy ou Jason. É pelo nosso costume com o espetáculo do terror, que um sujeito mascarado que olha pra gente sem dizer nada, provoca medo e não risadas. Só que em Você é o Próximo, o teatro não é pra gente, é para as vítimas. Tanto é que a nossa entrada é permitida nos bastidores, quando vemos os vizinhos morrendo antes do verdadeiro ataque começar. É a preparação para a sensação de isolamento total e desespero que as vítimas principais precisam sentir, para que a ação aconteça com vantagem para o vilão como em tantos outros filmes de terror.
Sim, é uma casa afastada no meio da floresta, mas é bem mais dramático quando o alvo são membros de uma mesma família, ao invés de jovens sem fortes conexões emocionais. No caso, os Davison irão celebrar o 35˚ aniversário de casamento ao lado dos quatro filhos e os acompanhantes deles. Com exceção de um que é casado há anos, os pares românticos dos outros filhos estão viajando para a luxuosa casa de campo para conhecer os sogros pela primeira vez. É muita gente que se desconhece, mas é ainda mais gente com o mesmo sangue no local, comemorando, relembrando, brigando, comendo a comida boa preparada pela matriarca, e entre uma garfada e outra, uma flecha entra voando pela janela e atinge a primeira vítima. Os personagens não precisam de muito pano de fundo para que cada morte seja muito sentida, e as flechas seguem pela casa sem dó, alcançando a histeria perfeita para o sucesso dos acontecimentos.
Você é o Próximo é um tributo aos slashers dos anos 80, com direito a sintetizadores na trilha sonora, feito por uma turminha especializada no assunto, que se reúne de vez em quando para fazer um terror diferente. Tem até o diretor Ty West interpretando um papel pequeno mas impactante e no melhor clima de reunião de família, acontecendo também fora das telas, o filme recria uma pequena cena de um dos curtas do primeiro V.H.S. dirigido por Ty West, envolvendo um marido sem sorte com a esposa, diante do espelho do banheiro, com o mesmo ator no papel de marido nos dois filmes. Para se adiantar como espectador nos filmes dessa turminha, é importante deixar de lado o que geralmente chamaria a atenção nessas histórias (como as máscaras de bichinhos inofensivos e a ausência de armas de fogo para aumentar o sadismo com machados e facas), e se ligar no que geralmente passa batido, como a interação entre as vítimas. Na verdade, a homenagem não é exatamente aos filmes ou aos vilões que já viraram ícones, mas sim às mocinhas corajosas que sobrevivem no final.
O problema de planos envolvendo muita gente, é que aumentam as chances de ter mais pessoas agindo fora do roteiro. No entanto, no filme só é necessário uma, dando trabalho para os vilões e atrapalhando o que seria a matança perfeita. É esta presença cheia de preparação física e emocional, que também garante que a história seja desempenhada com um rítmo eletrizante e imprevisível. Ela retribui sangue com sangue, vingando as coitadas que a precederam, sacrificadas em prol da fama dos assassinos sem rosto. Não importa quantas vezes o título do filme apareça escrito com sangue nas paredes, ela não se abala com o clichê e está disposta a lutar pela vida com melhores razões do que aqueles dispostos a acabar com ela.
Eu agradeço que a ousadia dos realizadores não tenha ido tão longe, a ponto de permitir crianças neste filme, por mais que os chefes da família tenham idade para ter netos. O filme é cheio de momentos sanguinolentos, mas sem o interesse de provocar cicatrizes permanentes no público. O atrevimento da produção vem na forma de um roteiro super bem humorado, sem provocar gargalhadas, apenas aquele sorrisinho tímido de quem esperava uma vítima e não um vilão confuso, correndo perigo no escuro de um porão. Com um grupo de atores e diretores que vivem do terror no comando, fica mais fácil saber o que a gente espera, só para puxar o nosso tapete, sem precisar apelar ao grotesco. Como eu disse, quem realmente precisa do choque para tudo funcionar, está do lado de dentro da tela.