
Uma criança recebe um brinquedo perigoso de presente.
Muito Molho continua no clima natalino, apesar de este também não pertencer à data, só que Brinquedo Assassino é recheado de dicas super apropriadas para as festas de fim de ano. A primeira delas está relacionada à presentes, já que Karen toma a péssima decisão de comprar um produto de segunda mão e de procedência duvidosa, só para economizar na surpresa para o filho. Ela é uma mãe solteira com dificuldades financeiras, mas com certeza teria evitado muitos problemas, se tivesse ido a uma loja de verdade e comprado um produto com garantia e possibilidade de troca.
Dentro da categoria terror, possessão de bonecos não é um tema absurdo, mas Brinquedo Assassino é tão espalhafatoso, grosseiro e forçado, que medo e sustos ficam em segundo plano. Chucky não é um vilão sutil, mas o conceito de que uma criatura tão pequena e cheia de espuma possa oferecer perigo, só funciona porque ele é sem nenhum limite. Ele fala e se move como uma pessoa de carne e osso faria, por isso acreditamos que suas maozinhas de borracha são cheias de força e que ninguém escapa das suas perninhas curtas.
Charles Lee Ray é um assaltante, assassino e praticante de magia negra, que começa o filme invadindo uma loja de brinquedos para fugir da polícia. Aí entra a dica número dois de comportamento durante as festas de fim de ano. Os serviços das autoridades de segurança podem até funcionar, mas eu não contaria com a competência desses órgãos em datas especiais. Este filme apresenta do início ao fim, sem a mínima vergonha, o pior trabalho policial que eu já vi no cinema. A falta de noção do detetive Norris é mais perturbadora do que a agilidade nos movimentos de Chucky. Como alguém explica que o fugitivo consiga realizar um ritual de transferência de almas, ferido por uma bala, recitando macumbas em voz alta, sem ser interrompido, sendo que Norris está na loja de brinquedos com ele?
A propaganda diz que o “Cara Legal”, um boneco baseado no programa de tv infantil do mesmo nome, é a companhia ideal para as crianças solitárias. Quem precisa de amigos quando se tem brinquedos, certo? Andy, o filho de Karen, é uma criança vidrada no programa, ele se veste como o Cara Legal, come o cereal do Cara Legal e está louco pelo mais recente lançamento da marca… o boneco falante, que tem quase o mesmo tamanho dele. Dica número três: nem sempre o brinquedo mais popular é o melhor para o seu filho. O “Cara Legal” é brega, caro e possuído.
Crianças são realmente as estrelas das datas comemorativas e a melhor atuação no filme, sem brincadeira, fica por conta do garoto. Não porque o resto do elenco é ruim, pelo contrário, mas o menino é muito bom. Eu me pergunto se alguém contou pra ele que este era um filme de terror, porque a naturalidade do menino e o modo como ele fica à vontade na presença do boneco, sugerem que ele não só recebeu um roteiro diferente do oficial, como acreditou nele a ponto de transmitir na tela de forma verdadeira, devoção e cumplicidade em relação ao brinquedo.
Chucky começa matando por pirraça, mas não sem antes derrubar um pote de açucar no piso (na falta de neve) e deixar pequenas pegadas, que acabam logicamente incriminando Andy. O detetive Norris, para o azar de todos, fica encarregado da investigação, então é obvio que quem vai realmente resolver o caso é Karen. A cena em que ela descobre que o filho acusa o boneco com razão é muito bem feita. Talvez o momento mais coerente do filme, mas ela comete um pecado imperdoável, que serve como mais uma dica para as festas de fim de ano. Nunca apareça em um beco cheio de viciados fazendo perguntas, principalmente se você não acompanha outras pessoas trazendo alguma doação, em forma de dinheiro ou ceia.
O filme tem falhas, mas o boneco é um ícone. Chucky é o símbolo não só dos ruivos despenteados, mas de todos os brinquedos falantes do cinema. Até Toy Story, a animação que tinha outro Andy cuidando dos brinquedos, deve algum crédito à Brinquedo Assassino por uma ou duas cenas. Se não chega a dar tanto medo, não tem problema, o importante é a aproximação entre nós e o que está na tela, como sair dos casarões e colocar a ação dentro de um apartamento na cidade mais populosa do mundo. Chucky pode até ser engraçado, mas por causa dele nenhuma criança reclamaria por ganhar roupas de presente.