“Inspirada por eventos reais”, diz a narração de slasher em um terror que evita o confronto físico pelo máximo de tempo possível. O filme só não especifica quais eventos são estes, mas também nem precisa! Os Estranhos é sobre oportunidades e o que mais tem por aí são histórias verídicas de maníacos buscando oportunidades para se transformarem em assassinos. Um conto baseado em crimes sem solução, nos quais a violência parece tão aleatória que a polícia encerra as investigações presumindo muito, mas não provando nada. Mistérios são reservados aos livros e filmes, porque na vida real as cenas de crimes estão repletas de vingança, de gente que devia dinheiro a alguém, ou que ultrapassou os limites do respeito com alguém, já que não é possível que tenha gente saindo de casa de madrugada, caçando pessoas inocentes para matar… certo? Errado! Para alguns indivíduos chega um momento em que a sabotagem silenciosa de amigos e parentes, deixa de ser uma fonte completa (e imoral) de diversão. As chances são raras, mas não inexistentes, de que aquela sensação de estar sendo observado por um desconhecido tenha fundamento. Esta é uma história sobre as ocasiões em que um vulto não é uma ilusão de ótica. Crianças olham embaixo da cama temendo fantasmas. Adultos checam trincos e fechaduras neuroticamente temendo vilões como os deste filme. 

A caixinha com a aliança aparece no chão no prólogo do filme, quando dois estudantes estão em pânico durante uma ligação com a polícia, após encontrarem a carnificina da noite anterior, na casa com a porta escancarada. Quando voltamos algumas horas no tempo e vemos James e Kristen retornando de uma festa, com lágrimas nos olhos e mal se falando, entendemos que o pedido de casamento foi um desastre. É uma mudança notável de atmosfera inicial em um filme de terror, criada pelo diretor e roteirista Bryan Bertino, já que a maioria mostra um clima minimamente tranquilo até que algo chegue para causar perturbações. Aquela propriedade de verão fica bem afastada da cidade, já está tarde e eles estão alcoolizados demais para uma viagem de volta para casa, portanto, o negócio é aceitar a situação constrangedora que nenhum deles antecipou. Kristen foi pega de surpresa e não conseguiu disfarçar o desconforto gerado por um pedido que ela considera prematuro. James nunca imaginou ser rejeitado e agora está destruído e envergonhado. O choque dos dois é uma questão de perspectiva, porque mesmo que James já esteja planejando voltar para a cidade em um carro diferente da namorada, é um erro encarar a circunstância como um ponto final no relacionamento. Eles só precisam se acalmar e até ensaiam uma reconciliação, só que não há tempo. O beijo entre o casal trás alívio, mas também atrai o primeiro estranho e com ele, a primeira batida na porta. 

Em termos de narrativa, ainda que a sequência inicial com os estudantes ou que os exemplos da vida digam o contrário, é sempre bom dar uma chance justa às vítimas, para manter o público engajado. Uma decisão de Bertino, muito apropriada para a história neste sentido, é não fazer dos vilões um grupo imbatível. São apenas um homem e duas mulheres, pequenas, quase que como nos assassinatos da família Manson, que serviu como uma inspiração mais evidente para este filme. A ideia era criar uma falsa noção de igualdade, entre os que estão dentro da casa apavorados e os que já demonstraram que conseguem entrar e sair dela com facilidade, sem serem detectados. Quando crimes desta natureza acontecem, principalmente com incidentes que ganham notoriedade, a coisa mais fácil para o espectador da tragédia, que acompanha tudo pelo telejornal é perguntar por quê as vítimas ficaram tão passivas, ou por quê não tiveram “essa ou aquela” atitude. O que o diretor está tentando demonstrar é que, mesmo tomando as decisões corretas e sendo jovens e atléticos, os alvos destes crimes nunca estão preparados para enfrentar algo tão intenso e estressante. Pessoas normais não suportam ataques com calma e frieza.

O roteiro inteiro é construído de uma maneira conscientemente anti-climática. Picos de tensão são substituídos por respiros, que podem ser atribuídos à aparente alternância de vantagem entre os dois grupos, para depois ser substituído por outro pico de tensão. Esta irregularidade na apresentação da narrativa, pode ser o motivo do sucesso mediano do filme e da nota baixa dada a ele pelo público e pela crítica, mas para mim a condução de Bertino faz desta uma obra única no terror. Abrir o filme com o desfecho dos acontecimentos e ainda nos fazer duvidar do que está por vir, exige talento e controle sobre a mensagem que se quer passar. Não se trata de esticar uma ideia simples, para que a duração atinja o tempo de um longa metragem. Usando o realismo desconcertante da incerteza sobre tudo o que está acontecendo, o diretor coloca o “especialista do sofá” diretamente no lugar da vítima, constantemente tendo que lidar com maníacos sem pressa, se comportando com uma imaturidade típica de brincadeiras, enquanto o contexto é tão sério que o pânico é constante. 

Os Estranhos teve até hoje, a visibilidade reservada para um cult. Não está entre os terrores mais famosos, mas foi suficientemente apreciado para impulsionar uma franquia discreta. Há algo realmente icônico nas máscaras utilizadas pelos vilões e alguém com grana resolveu lucrar em cima do quão enigmáticos eles pareciam com elas. O tal “inspirado por crimes reais” desta forma, inspirou crimes falsos no cinema também e de repente, ver um desses disfarces infantilizados pelo olho mágico da porta de algum coitado, se tornou a coisa mais assustadora nos anos seguintes, mas a verdade é que mais de um filme com aqueles tipos de vilões não era necessário. Qualquer sequência ia contra a ideia anti-slasher deste slasher. A razão pela qual não vemos os rostos dos maníacos, é porque eles representam todos os da vida real, não devendo ser idolatrados como fazemos com os fictícios. Os Estranhos, bastante similar a Ils (2006), porém com méritos de um filme original, foi o trabalho que me fez ver Liv Tyler com outros olhos e reconhecer o talento da então jovem atriz. Ela está ótima precisando carregar com expressões convincentes, praticamente o filme todo. Ela é o rosto e as emoções, onde o que mais assusta é a ausência disto.