A premissa é original e intrigante: em uma cidade americana, um grupo de crianças da mesma classe, se levanta da cama exatamente no mesmo horário durante a madrugada e sai correndo pela porta da frente de casa, desaparecendo sem deixar pistas de para onde estavam indo. Os pais estão apavorados, a cidade está confusa e a polícia fica sem saber por onde começar as investigações… apesar de que, por algum tempo a atenção é direcionada à senhorita Justine, que chegou para dar aula na manhã seguinte e encontrou a classe quase vazia. Estas informações a gente já consegue no trailer do filme, que faz um trabalho com bastante estratégia para deixar o público hipnotizado, mas revelando o mínimo necessário para um entendimento superficial. Já estamos fisgados porque a ideia é muito boa; preocupados com personagens que não conhecemos e uma necessidade visceral de assistir ao filme é criada, com o passar de cada imagem enigmática de divulgação que motiva tanto quanto amedronta. Na era das refilmagens e dos quadrinhos, é uma vitória entusiasmar com um terror inédito, fazendo com que a principal pergunta não seja o quanto medo ele irá provocar, mas sim o que pode ter acontecido com aquelas crianças. Se alguém está por trás disso, como conseguiu a participação indiscutível dos desaparecidos? O interessante é que não é tanto a busca pelas respostas, mas sim a oportunidade que temos de fazer estas perguntas, tão incomuns, o grande atrativo do filme.
O ponto de partida de fato é o andamento da vida, assim como a lerdeza das buscas um mês após o ocorrido, só que não antes de mostrar a sequência da fuga na calada da noite. É impressionante como imagens tão leves, com crianças correndo com os braços estendidos como se simulassem um vôo, tão poéticas em teoria, sejam capazes de provocar tanta angústia pela monstruosidade do ato que representam. Eu me lembrei da batalha silenciosa em Ran (1985) de Akira Kurosawa. Com as aulas prestes a serem retomadas, uma reunião tensa entre pais e professores enfatiza os piores medos de Justine, que não é a única protagonista do filme, de que muita gente tão traumatizada quanto ela, ainda acredita que ela teve participação no evento. Como o nome dela aparece em uma cartela informativa do filme, antes da história seguir, eu presumo que haverão outras com outros nomes e não evito os detalhes que ela encontra, enquanto os assédios, algumas ameaça e muita paranoia dominam a rotina da professora. Um jovem morador de rua insistente, um policial amigável, um casal caminhando pela vizinhança… qualquer coisa e qualquer um é motivo para anotações mentais. As coisas só não estão mais comprometedoras para Justine porque ela indiretamente possui uma testemunha, que pode dizer para outras pessoas que nunca foi influenciado negativamente pela professora. Alex, o menino que não fugiu, é tão misterioso para a polícia quanto os outros 17 alunos sumidos, mas simboliza a garantia da inocência de Justine. Resta saber o que faz de Alex o “diferentão” da turma.

Uma mistura de Rashomon (outro de Kurosawa) com Go e Pulp Fiction, A Hora do Mal é separado por segmentos, não capítulos, que mostram quase sempre os mesmos acontecimentos sob diferentes pontos de vista. Temos a perspectiva da professora, de um dos pais, de uma das crianças e outros personagens, com a história ficando cada vez mais absurda e ao mesmo tempo, esclarecida. Quanto mais entendemos sobre os fatos, menos esperanças temos de uma resolução positiva. O diretor Zach Cregger de Noites Brutais, é um diretor e roteirista que sabe administrar bem o tempo e fazer dos momentos leves, ou momentos de comportamento não-relacionado ao terror, uma arma de provocar antecipação e ansiedade. Não existe desperdício de cenas, nem quando seguimos a óptica de um personagem aparentemente aleatório, vivendo alheio ao enredo principal do filme. O real valor de cada pessoa secundária só é realmente sentido, no entanto, quando somos informados de que o restante da cidade que não perdeu um filho, abraçou o luxo de seguir com a vida sem permissão, como se tivesse escapado da tragédia. Já é o segundo filme de Cregger no qual ele compartilha responsabilidade sobre eventos de terror, incentivando o envolvimento dos não-envolvidos, para o bem da comunidade.
Um grande medo, era que com o passar das cenas cada vez mais complicadas de serem elucidadas dentro de um enredo atípico, que razões e causas para tanta doideira seriam descartadas em prol de estilo e estética. Para a nossa alegria, temos motivos neste roteiro e um grande vilão e o medo que sentimos dele não existir, se converte em um medo desta criatura, de crueldade rara. Entre outros pontos fortes da direção, podemos destacar a perplexidade embutida, não em revelar quem está por trás do crime, mas sim há quanto tempo o criminoso opera na surdina e o tamanho do estrago, geralmente irreversível, que já foi causado. Uma característica também presente no outro sucesso de Cregger dentro do gênero, é a utilização de um humor espantoso em sequências beirando a comédia pastelão, que não acontece necessariamente para suavizar o impacto de ações malucas em quem espera algo mais sério. A risada nervosa diante da incredulidade, é o modo de transferir com sucesso o terror da tela para o público, jogando em nós o elemento surpresa como quem diz: “Você está entendo como uma pessoa se sente, quando algo inexplicável e sobrenatural acontece? A confusão mental e a sensação de que tudo acontece rápido demais para que os sentidos assimilem com clareza?”. O diretor não pode permitir que a gente se prepare, caso contrário, o terror continua limitado aos personagens.

Com um título original sugestivo e atuações competentes de atores empolgados em seus papéis, com destaque para uma atriz que eu demorei para reconhecer, de tão bem caracterizada na sua interpretação de uma figura tradicional no terror, este filme de fotografia colorida é sombrio e violento. Tão violento que choca até os mais acostumados com imagens desta natureza. Qualquer tranquilidade passageira é falsa e toda desconfiança exige atenção. Todo pesadelo possui significado e não é somente usado para abalar os segmentos mais mornos. O filme quebra personagens inocentes, destrói os maliciosos e recompensa os heróicos, mas só depois de fazê-los reconstruir o chão que foi tirado debaixo deles. Uma história clássica dentro de um contexto moderno, sem moderação nas referências, porém, repaginado com competência. Com ainda menos atenuação no caos que é o seu argumento, porque não precisa se desculpar com puristas ou turistas do terror. O respeito é extraído do pavor que ele causa e pelo chamado que ele faz. Tenha a coragem de olhar o surreal com medo genuíno, como você faz sem medo, quando o assunto é drama.
