Este foi um ano de reinvenções de categorias, desde as histórias contadas sob perspectivas inéditas, aos violentos que se recusaram a ilustrar a violência. Um ano de sair das sombras e tomar o lugar das superproduções nas bilheterias, de ousar não decepcionar, mesmo sendo “uma mera continuação de algo que fez sucesso”. Uma boa safra, que demorou para engrenar, mas quando começou a soltar suas melhores produções, não parou mais! Abaixo está uma entusiasmada contagem regressiva, feita com o propósito do entretenimento, mas também o da informação, caso algum deles tenha passado despercebido do seu radar pessoal. Aqueles com críticas completas no blog, receberão um link dentro da menção correspondente neste texto, para que você relembre ou confira pela primeira vez a análise na íntegra.

32 – HUMANE

Em alguma época de um futuro não muito distante, o mundo inteiro tenta contornar uma crise devastadora causada pela escassez de recursos de todos os tipos, que deixou de atingir apenas as camadas mais desfavorecidas do planeta há muito tempo. A solução é polêmica, porém todos os países concordam, fechando suas fronteiras, estabelecendo toques de recolher e se comprometendo a reduzir drasticamente seus habitantes, para tentar reverter os danos causados ao meio-ambiente e para que a produção alimentícia deficiente, atenda a mais pessoas regularmente. O problema é que a última parte, que se refere ao controle populacional, não pode contar somente com baixos índices de natalidade. O governo convoca voluntários para eutanásia e irá recorrer a métodos cada vez mais persuasivos, quando estes altruístas também se tornarem insuficientes. 

Caitlin Cronenberg (porque o legendário David não criou só filhos, ele germinou diretores também) consegue transformar um argumento sério, na história que tem tudo para ser dramática, em uma sangrenta e meio cômica (de modo bastante inapropriado) luta por sobrevivência, ao dar destaque na narrativa para uma família rica que se dá muito mal, quando os pais decidem agir de maneira nobre, entrando para o programa de morte assistida, mas um deles desiste, lançando os quatro filhos adultos e privilegiados na linha de fogo. O que Humane ensina, é que dependendo da gravidade de uma crise, os sacrifícios precisam ser democratizados e a moralidade precisa ser esquecida, em prol da sobrevivência. 

31 – NÃO SE MEXA (DON’T MOVE)

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Este surgiu sem muita fanfarra no Netflix há pouco tempo e se tornou uma surpresa agradável, mesmo que o filme seja semelhante a outros em termos de enredo e como este se desenrola. A ideia de uma vítima sem a possibilidade de se mover é monstruosa e precisa de uma história cheia de deslocamentos terceirizados… e “sorte”, para não se transformar em uma carnificina (ou uma chatice), totalmente nociva para um serviço de streaming. A história não fala somente de perseguição, mas de superação de traumas pessoais no caminho da fuga, o que também não é original, quando pensamos em um maníaco com charme superficial atrás da vítima indefesa na floresta, mas este conteúdo padrão não diminui a imersão provocada no público.

30 – VOCÊ NUNCA ME ENCONTRARÁ (YOU’LL NEVER FIND ME)

Um motorhome, ou trailer em um parque cheio do mesmo tipo de moradia e ainda assim, o lugar mais isolado do mundo, é o palco de um combate silencioso, entre o dono da residência e uma turista que aparece para se abrigar da tempestade, depois que o carro dela quebrou em uma praia distante. As circunstâncias nem são assim tão estranhas, mas os dois estão desconfiados, talvez por serem pessoas solitárias. Não demora nada para que um comece a suspeitar das intenções do outro, mesmo a interação seja repleta de diálogos profundos e reveladores, pois eles não conseguem evitar confissões sobre medos e desejos naquela noite. É como se Patrick e “a mulher” não tivessem ninguém para conversar há muito tempo e não quisessem desperdiçar o momento com futilidades. Ambos alucinam em momentos diferentes. Ela acha que está sangrando por um momento, enquanto ele nem percebe que está sangrando de verdade. O que o público deseja, já que o papo está tão bom e a porta não está trancada, é que eles baixem a guarda, relaxem e conversem até a chuva passar, para que ele a leve até o orelhão e ela possa chamar um guincho, mas isto não é possível de acontecer. Um dos dois não é o que diz ser. Um dos dois está mentindo e é uma pessoa muito perigosa. 

A perspectiva muda o tempo inteiro, para não nos deixar torcer completamente por ninguém ou temer completamente ninguém. Neste australiano que lida muito bem com o orçamento baixo e com um roteiro cheio de falas e pouco movimento, o terror é real e se manifesta como uma experiência infernal em banho-maria. Uma história sobre consequências, ou a colheita que sempre chega para quem planta sem freios. Algo que um dos personagens, como sugere o título, se recusa a acreditar que exista. Natural na maior parte e sobrenatural quando a narrativa precisa que o filme seja. 

29 – FIQUE ACORDADO (DOUBLE BLIND)

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De um lado temos o descaso e a negligência do mundo corporativo, do outro, temos uma reação natural da mente diante da imposição de uma condição extrema e no meio, o resultado desastroso, rápido e eu diria inevitável, sentido pelas cobaias azaradas, porém ambiciosas, que se sujeitaram a uma experiência perigosa, nas mãos de executivos que os enxergam como ratos de laboratório. Fique Acordado reinventa o próprio cenário limitado, cada vez que um personagem com as percepções alteradas, viaja dentro dele. Cada visão reforça a premissa de um terror apavorante, no qual o sobrenatural cria imagens perturbadoras e ainda assim, precisa ser enfrentado com um pé atrás pelo público, por ser literalmente um fruto das vozes na cabeça de alguém. Por mais que o desfecho do filme possa ser antecipado, pela relevância dada a uma provável final girl, o caminho percorrido se mantém indecifrável até que ele se revele. 

28 – IMACULADA (IMMACULATE)

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Sob a belíssima fotografia, imitando uma iluminação à luz de velas e sob os olhos esperançosos e conspiradores de toda uma congregação, Sidney Sweeney surpreende fora do habitat sensual natural, tanto no papel principal como na produção executiva, combatendo a histeria coletiva de um grupo secreto dentro da igreja, prestes a cometer um ato de heresia imperdoável. Como uma religiosa sendo forçada ao erro, a noviça Cecília é o retrato da doçura e da obediência que causam desconforto, já que as circunstâncias dela pioram a cada cena. No ápice da devoção aos superiores, que representa o fim da devoção ao Ser Supremo, ela toma a única decisão possível, se convertendo na personificação dos Cavaleiros Templários, em uma versão pocket e pessoal das Cruzadas, invocando um inferno na terra para os pecadores que a cercam. 

27 – A MESA DA SALA DE JANTAR (LA MESITA DEL COMEDOR)

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Basicamente uma peça de teatro dentro de um apartamento, cuja tensão precisa ser estudada em cursos de cinema, pela falta de violência ou mesmo da nossa ideia tradicional de perigo iminente, A Mesa da Sala de Jantar é um filme para ser visto se você pretende passar toda a sessão com dor no estômago e boquiaberto, com as mãos no rosto, imitando aquela expressão clássica de horror de um emoji. Um ato simples do cotidiano, se transforma em uma condenação eterna, logo nos primeiros minutos, para um pai de família inofensivo, assediado amorosamente por uma criança vizinha e totalmente inocente de tudo, nos convidando a acompanhar a contragosto, um cronômetro alegórico que levará ao fim do mundo naquela casa.   

26 – EM CHAMAS (IN FLAMES)

O patriarca da família morre e com ele, não apenas a sensação, mas a segurança real da filha e da neta. O primeiro ataque, aleatório e intenso, parecia um assalto, porque o estranho quebra o vidro do carro e a bolsa da neta está bem ali no banco, mas o meu engano vem da minha cultura, não da realidade da cultura dos envolvidos. Os ataques seguintes, direcionados às duas mulheres da família, são mais discretos, planejados e não é como se a lei estivesse ao lado dos vilões desta história, mas os costumes locais fazem com que os monstros se safem de muitos crimes. Não é também como se este fosse um filme de repúdio ao sexo forte, porque existe cortesia e honra nos personagens masculinos, mas eles não duram na história, ou são muito novos, ou desinteressados demais para conter todos os outros, que são covardes, porém numerosos. 

Em Chamas é um terror paquistanês que se move em ritmo lento, com diversos sustos inseridos nos momentos mais inesperados, para não ser confundido com uma obra contemplativa. A narrativa segue como se constantemente perdesse o rumo, repleta de aparições sobrenaturais e pesadelos. O recado para o público, é que o estado de alerta deve ser constante, porque ninguém se aproxima da família sem esperar algo em troca. Se bobear, algum “gentil cavalheiro” leva vantagem sem dó. Tem até cara de alegoria, mas a mensagem é bem direta. 

25 – ABIGAIL

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A temporada de terror foi oficialmente aberta, com uma vertente esquecida no gênero: a da “criança-capeta”! A vampira mirim Abigail é tão antiga neste planeta, que um banquete oferecido a ela, composto por criminosos dos quais ninguém vai sentir falta, não é satisfatório o suficiente para saciar o tédio. A pequena idosa gosta de brincar com a comida, manipulando sentimentos e provocando situações absurdas e assustadoras, garantindo uma narrativa tensa e cheia de reviravoltas (além de bem engraçada), mesmo que desde o início a carnificina pareça inescapável e a vilã seja poderosa demais para os mortais que ela caça facilmente, dentro de uma mansão lacrada até a aparição dos primeiros raios do sol. 

24 – PISQUE DUAS VEZES (BLINK TWICE)

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Lançado em meio a uma prisão bombástica na vida real, envolvendo um magnata da indústria fonográfica e possivelmente outros membros da realeza de Hollywood, esta estreia na direção de uma jovem “insider” da indústria, possui uma história de horror bizarra e inacreditável, quase sobrenatural, mas que está se tornando plausível a cada nova denúncia de crimes sexuais exposta na mídia, implicando gente poderosa. O destaque de Pisque Duas Vezes, além das coincidências vistas nos noticiários e nos vídeos de comentaristas independentes da internet, é que o filme esquece a que gênero pertence por boa parte da duração, refletindo um esquecimento macabro que torna o argumento dele possível, enquanto ignoramos os sinais de perigo junto com as vítimas, curtindo a paisagem, a sorte da companhia ilustre e os privilégios que ela proporciona. 

23 – STOP MOTION

Ella é uma animadora que trabalha com a mãe… na verdade, para a mãe, outra animadora e diretora que sofre de artrite, dependendo da precisão motora da filha, para mover os bonecos na base dos milímetros por vez, no seu próximo filme em stop motion. Tudo o que Ella busca é um pouco mais de independência na profissão e na vida, mas tudo o que Suzanne irá fornecer, com uma combinação perfeita de autoritarismo e chantagem emocional, é o olhar clínico e implacável de alguém que se tornou uma das maiores referências no campo da animação, com todo o aval para explorar a filha e reprimir qualquer tentativa da jovem de opinar no processo criativo. Quando Suzanne piora e é internada, Ella mal consegue mexer nos bonecos sem a presença dominadora, até que a jovem resolve abandonar o projeto da mãe para buscar a própria voz, criando uma animação macabra, de maneira consciente e inconsciente, que logo ganha vida própria, com consequências catastróficas.

Em Stop Motion, tanto a animação quanto a vida real são sombrias, mas é quando elas se fundem que temos um filme de terror clássico, mesmo que a linguagem venha com a intenção da inovação. O filme possui cenas super criativas para mostrar a mistura destes dois mundos, vindas da direção de Robert Morgan, estreante em longas, mas experiente em stop motion, nesta viagem surreal sobre escapar de monstros, mas não das marcas que eles deixam. Aisling Franciosi (de Nightingale) convence e assombra como a mulher recentemente libertada, que não sabe o que fazer sem as correntes, a não ser se submeter às imagens grotescas que brotam da mente dela, em estado constante de deterioração e ainda sentindo constantemente uma falta imensa, da mulher que só mudou uma letra em uma palavra pejorativa, para apelidar a própria filha de “poppet” (puppet – fantoche). 

22 – HEREGE (HERETIC)

O desconforto das duas garotas mórmons naquele sofá, ouvindo o homem sorridente e intrometido questionar a fé delas, não é nada perto do desespero ao descobrir que a esposa dele não está na cozinha assando uma torta, porque ela não existe… e que as missionárias correm o risco de nunca mais voltarem para casa, porque daquele labirinto-prisão de psicopata, ninguém escapa! O Sr. Reed é um vilão tão cordial, que fica difícil saber quando é apropriado começar a tentar fugir dele, afinal, ele não parece estar atacando ninguém, ou forçando as meninas a permanecerem na casa. É só quando percebemos, junto com as “irmãs” Barnes e Paxton, que o local foi construído para lembrar a casinha do Snoopy, pequena por fora e infinita por dentro, e que o anfitrião é um monstro cruel e manipulador, é que fica claro que o trabalho de porta em porta, qualquer que seja, não foi feito para adolescentes. 

Nunca mais, nunca mais deixem Hugh Grant fazer outra comédia romântica. Ele é nosso agora! O filme poderia ter explorado mais o ambiente, como o trailer sugeriu que aconteceria, mas o caminho a ser percorrido pela direção que a história toma, é o do fé em uma força superior, seja o abandono dela, ou a renovação. Pela boa condução dos atores e de um roteiro original, que deixa o filme um pouco menor do que o esperado, o embate entre as crentes e o descrente já é o suficiente para prender o nosso interesse do início ao fim. 

 21 – UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM (A QUIET PLACE: DAY ONE)

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Novos personagens em um cenário impossível de manter o silêncio, fazem do terceiro filme da franquia, com ares e premissa de história de origem, uma versão que a gente nunca pediu, mas sempre quis, da invasão alienígena que até então só acontecia nas áreas rurais, meses depois dos massacres iniciais. Por seguir apenas uma protagonista, trocando de parcerias pelo extermínio acontecendo ao longo do filme, Dia Um perde por vezes a oportunidade de se tornar um épico de guerra. Só que pensando nas sequências sangrentas que um conflito tão desigual proporcionaria, talvez reduzir a escala dos eventos, à visão de uma sobrevivente e do gato que ela carrega no colo, deixou o filme mais intimista. Algo indispensável, quando removemos personagens ligados por laços de sangue. 

 20 – V/H/S/BEYOND

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A única razão para este título não estar em uma posição melhor deste ranking, foi a péssima ideia de adicionar um segmento de qualidade duvidosa, fora do tema, feito por iniciantes na direção, entre os demais neste que é um dos melhores da franquia. Tendo invasões alienígenas como pano de fundo principal, a série se reinventa novamente, trocando a linha ser seguida daqui para frente e demonstrando que as possibilidades para o futuro do found footage são infinitas, dentro da classificação “um curta do V/H/S”. A história dos paraquedistas e a da documentarista que encontra e invade uma nave extraterrestre, estão entre as melhores de todos estes filmes, elevando o status desta que é apenas a mais recente, mas certamente não a última compilação de contos do “além do videocassete”. 

19 – EXHUMA

Os integrantes masculinos de uma família coreana vivendo em Los Angeles, estão sofrendo de uma doença misteriosa há algumas gerações. Uma xamã constata que o problema é a perturbação constante de um antepassado, por estar enterrado em um lugar “desarmônico” e solicita os serviços de outro profissional de uma área obscura: um especialista em Feng Shui funerário, para em conjunto realizar um ritual de transferência dos restos mortais na terra natal. A princípio, a localização e as circunstâncias envolvendo o sepultamento original, deixam o especialista com o pé atrás e ele pensa em não aceitar o trabalho que paga muito bem, mas o mais recente atingido pela maldição é um bebê que não pára de chorar desde que nasceu, então o senso de dever fala mais alto. Tudo o que a família pede, é que o caixão não seja aberto em nenhum momento. Adivinha o que acontece?

Exhuma é, com uma atmosfera descontraída de episódio de Supernatural (mesmo que tenha mais de duas horas de duração) e protagonistas que desfilam na tela como super heróis que lidam com o além; um evento cultural e uma aula de história, antes de ser um filme de terror. Depois que o considerado “enredo primário” deixa de ser uma preocupação, lá pelo meio do filme, o quarteto fantástico do espiritismo descobre que o verdadeiro espírito maligno, não dividiu apenas uma família e sim um país inteiro. Não é exatamente uma narrativa para dar medo, apesar de conseguir este feito em diversas ocasiões, mas o objetivo mesmo, é exorcizar a memória de um fantasma histórico que ainda assombra os coreanos. Até hoje, como mostra uma aparentemente insignificante cena inicial no filme, pela semelhança na aparência entre os habitantes de nações distintas, os coreanos ainda lutam para não serem confundidos com japoneses. 

18 – A PRIMEIRA PROFECIA (THE FIRST OMEN)

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O filme original teve muitas sequências e até uma refilmagem, mas grande parte delas é totalmente dispensável. Ninguém estava esperando algo de qualidade, sendo basicamente uma história paralela, mas o que surpreende mesmo é que não temos somente a origem do mal, temos uma explicação para ele, com a possibilidade de outras continuações que corrijam o curso da história de terror sobre a chegada do anticristo. A Primeira Profecia consegue capturar a essência do clássico de 1976, reproduzindo o clima que representava “o oposto da bênção” para a chegada de um nascimento infeliz, mas não se limita a homenagens e nostalgia. Pela primeira vez nesta franquia, vemos um compromisso tão grande com o choque e com a controvérsia, que não recorremos mentalmente ao primeiro filme para referência. A base que sustenta a história, está mais ligada ao pai biológico da criança, do que ao adotivo.

17 – MAXXXINE

Alguns anos mais madura, mas ainda na mesma profissão, Maxine Minx, a única sobrevivente de X (2022), batalha na cidade dos sonhos por uma oportunidade em produções mais respeitáveis do que a indústria pornográfica oferece. A cada novo teste de atuação para “um filme de verdade”, a jovem se posiciona no caminho de realizar o maior sonho, que era o mesmo de Pearl: se tornar uma estrela famosa. Só que em meio aos traumas do primeiro filme (que ela pretende curar com nicotina) e às ameaças violentas da cidade grande, a prioridade é se manter em segurança, ainda mais quando uma figura do passado reaparece obcecada com a atriz, eliminando os mais próximos dela no estilo que se tornou uma febre no ano de 1985… o dos rituais satânicos. 

Desta vez temos sintetizadores, telas divididas e outras características do cinema dos anos 80, neste que representa o desfecho de uma saga erotico/sangrenta, cujo sucesso ainda me assombra… talvez por conhecer o trabalho peculiar de Ty West, desde antes de ver atores famosos em seus filmes, como é o caso aqui. Mia Goth está de volta e maravilhosa, mas ironicamente a verdadeira estrela do filme é o diretor, que agora tem Hollywood investindo na visão inflexível dele, que é trash em essência, dentro de uma verdadeira super produção. Eu amei o modo como ele insere a si mesmo na história, completamente ciente de quem é e do que quer, com a personagem da diretora, que se considera uma artista de verdade no universo slasher. West prova que se dá bem por trás das câmeras com um orçamento generoso, assim como nos independentes obscuros. Com Maxxxine ele tem a oportunidade de mostrar que, mesmo com grana, ele prefere a linguagem do baixo orçamento. Quem tem que se curvar é Hollywood, não ele. 

16 – SPEAK NO EVIL

Quando a notícia desta refilmagem saiu eu perguntei, para quê? Para quem? O original está na lista dos melhores de 2022, ou seja, é super recente! O problema são as legendas, público que tem o inglês como língua materna? Só que a verdade é a seguinte, o conto monstruoso da inércia, com o casal dinamarquês sofrendo nas mãos do casal holandês, por excesso de educação inicialmente e por covardia indefensável em seguida, foi um grande filme de terror, mas deixou algumas pontas soltas em relação aos motivos e à viabilidade da execução do plano, porque se tratava de uma metáfora, não apenas para a cordialidade paternalista do país mais desenvolvido em relação ao menos desenvolvido, mas também para qualquer pessoa ou grupo privilegiado, que morre de medo de ofender quem considera menos favorecido. 

Nesta versão, que move a guerra discreta para a Grã Bretanha, a maior vantagem das vítimas americanas, é que elas não sofrem com a culpa dos colonizadores ingleses diante dos escoceses. Ajuda muito se a precária situação financeira deles, os coloca em um patamar de igualdade com os anfitriões e se a intenção do filme é oferecer um desfecho alternativo e menos traumático. O horror perde, sem os elementos chocantes, mas aqui é sobre mais do que dar um pouco mais de dignidade às vítimas. É sobre menos alegorias, com uma narrativa mais plausível.

15 – IDENTIDADES EM JOGO (IT’S WHAT’S INSIDE)

Prestes a se casar, Reuben decide fazer uma despedida de solteiro diferente, convidando os velhos amigos da faculdade para uma festinha intimista. O mais infame deles, que agora virou um inventor na área de tecnologia, aparece na comemoração com um equipamento ultra-secreto, capaz de fazer os usuários plugados trocarem de consciência uns com os outros. A máquina literalmente coloca a mente de um no corpo do outro. Depois de um breve e assustador teste surpresa, que revela o potencial do experimento, os amigos totalmente intrigados (e bastante chapados) aceitam passar a noite jogando com a máquina, para tentar adivinhar “quem foi parar no corpo de quem”. O problema é que a brincadeira acaba se tornando reveladora demais, aumentando tensões já existentes e criando rivalidades com o potencial de arruinar muitas vidas.

A história exige que o público memorize rapidamente os nomes dos personagens e se familiarize com suas personalidades, mas não é nada perto do trabalho dos atores, que estão muito bem, interpretando diversos papeis muito diferentes, de maneira convincente e ainda tentando esconder a verdadeira identidade para que “o jogo” dentro do filme funcione. A edição é dinâmica e muito criativa, lembrando os melhores momentos de filmes como Scott Pilgrim e Superbad, mas completamente voltado para um enredo que começa igualmente divertido e despretensioso, se desenrolando rapidamente em um pesadelo psicológico. Um terror sem violência física… talvez um empurrão, ou um soco aqui e ali, mas o dano verdadeiro no final não é externo. O que importa no filme é o que está dentro.

14 – MADS

A caminho de uma festa, após abastecer o suprimento pessoal de drogas recreativas, na casa do traficante particular, o jovem francês Romain é surpreendido na beira de uma estrada por uma mulher em fuga, perturbada e muito machucada. Como ele testou a mercadoria antes de seguir para o local do encontro, sua direção falha e empolgação excessiva quase causam um acidente, forçando uma parada brusca na floresta e permitindo que a estranha entrasse no carro sem permissão. A mulher parece infectada com alguma doença típica de filme de terror, ou seja, inexplicável e certamente contagiosa, transmitindo o vírus para o jovem enquanto a preocupação era chegar em segurança no hospital, para ajudar a descontrolada. Confuso e em péssimo estado, Romain se vê obrigado a comemorar o aniversário com uma multidão de amigos, possivelmente carregando no corpo o princípio de um apocalipse moderno. 

Câmera na mão, luz natural e um filme inteiro que é um longo plano sequência, com três protagonistas diferentes, mostrando toda a insanidade do fim do mundo, ou pelo menos do fim da França, através dos olhos dos contaminados, que podem ou não estar vivendo uma experiência real. Muito bem ensaiado, Mads é um tormento sem pausa, imperdível, que segue aumentando a sensação de aflição até arrematar a história de maneira ambígua, mas sem deixar dúvidas do tamanho da tragédia que acabamos de testemunhar.

13 – O BANHO DO DIABO (THE DEVIL’S BATH/DES TEUFELS BAD)

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A personagem principal do filme, não tem a intenção de ter mais ou ser melhor do que ninguém, mas a tristeza profunda a encontra do mesmo jeito. Convivendo com algozes inconscientes, ela como tantos outros de seu tempo, não tem outra alternativa e acaba se tornando uma vilã para outros semelhantes. Personagens cruéis, sem a mínima intenção de ser. Ações violentas, sem ira ou maldade. O Banho do Diabo, baseado em histórias reais de uma época não muito antiga, nos mostra o terror esquecido de viver como uma pessoa comum, entre outras pessoas comuns, sem muito entendimento sobre a natureza humana, ou sobre a necessidade, agora universalizada, da paz de espírito. Se você acha que a nossa realidade é complicada, diz o filme, espere até entender como os nossos antepassados sobreviviam.  

12 – RED ROOMS/LES CHAMBRES ROUGES

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Ela não é parte da família das vítimas, não é amiga do réu, não possui a responsabilidade de reportar ou registrar o julgamento de maneira alguma, mas dorme na rua todas as noites, para não correr o risco de perder o lugar na plateia do tribunal, acompanhando o caso com cara de bolinha e intenções desconhecidas. Este e o classificado na décima primeira posição desta lista, estão entre os melhores do ano que resolveram chutar o pau e colocar a perspectiva nos olhos de quem menos esperávamos. Com relatos monstruosos e assustador sem revelar muito, Red Rooms é um filme feito para mostrar o papel de cada um de nós, em histórias de terror que acontecem de verdade.

11 – UMA NATUREZA VIOLENTA (IN A VIOLENT NATURE)

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Uma experiência incomum e bem humorada é a proposta de Uma Natureza Violenta, no qual o vilão de um slasher nos mostra o seu ponto de vista, como personagem instigador de um filme de terror. Ainda silencioso e poderoso, o maníaco mascarado ganha quase uma cinebiografia, quando roubam o túmulo dele, perturbando o descanso que deveria ser eterno. As cenas típicas da categoria estão no filme, ainda provocando todas as sensações de uma história de terror, principalmente no final, para o qual não somos preparados depois de curtir mortes cada vez mais impossíveis e engraçadas, mas o grande diferencial aqui é a simbólica quebra da quarta parede cinematográfica, que tenta deixar tridimensional o homem por trás do machado, com insights originais que expõem a privacidade dele. Divertidíssimo e ultra violento. 

10 – ALIEN: ROMULUS

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Feito para os nostálgicos, mas sem exigir idolatria à franquia, este conto mais recente dos Xenomorfos, localizado entre o primeiro e o segundo filme da saga Alien, é apresentado como um spin off que possui a intenção de fazer parte da linha do tempo e da história originais. Romulus só não veio com o cheiro de O 8º Passageiro, porque todo o restante está presente, assim como foram feitas referências a todos os outros filme da série, como deve ser um trabalho de fã para fãs, que respeita o material primário e o seu impacto. É ótimo ver as criaturas novamente, em todas as suas variantes, com uma história bem escrita, que vale a pena apesar de estar desligada de Ripley e companhia; cheia de cenas de terror e ação competentes, e instigando no público o desejo de ver outras continuações das continuações. 

9 – ODDITY

Dani está sozinha em casa (e que casa típica de filme de terror!) tarde da noite, quando um maluco bate na porta dela, para avisar que um invasor entrou na residência. Obviamente Dani desconfia que o papo é um truque de um homem visivelmente perturbado, mas ao mesmo tempo ela escuta a movimentação do lado de dentro. No dia seguinte, ela é encontrada morta. Meses mais tarde, Darcy, a irmã gêmea e cega da morta, interpretada pela mesma atriz, aparece para uma visita ao marido de Dani e descobre que ele já enfiou uma namorada nova na casa. O maluco da porta, que morreu pouco tempo depois do assassinato de Dani, era um paciente psiquiátrico de Ted, o viúvo. Ele era o principal suspeito, mas outros pacientes e funcionários do hospital onde Ted trabalha, também não podem ser descartados, assim como a abusada nova namorada, que dominou rapidamente a moradia e é aí que Darcy entra. Cega… e vidente, ela se aventura em uma investigação amadora para encontrar respostas. Por sorte, ou mérito, ela não está completamente sozinha em uma história cheia de possíveis culpados, contando com a ajuda do mais recente artefato amaldiçoado (e abençoado) do cinema de terror.

Oddity surge a princípio como um suspense, cujo único objetivo é a solução de um crime, mas introduzindo um herói de madeira com pinta de vilão, completamente inapropriado para um thriller, a sensação é que o filme não quer que você perceba de cara, que ele só foi feito para dar medo. Auxiliando a família das gêmeas há muitos anos, o boneco com a aparência de um brutamontes enfurecido, não está no filme apenas como um espaçoso e perturbador apoio emocional, como sugere a inércia dele. O objeto domina todas as cenas em que aparece, porque não podemos tirar os olhos dele. É uma história de mistério, mas descobrir quem fez o quê, ou o que é mantido escondido, é secundário perto do sobrenatural no filme que é mantido adormecido, aguardando o público se distrair para se mexer. 

8 – NEW LIFE

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Alternando o filme ente duas histórias paralelas, de mulheres em risco de morte por razões distintas, New Life é aquele terror (de categoria clássica) que confunde desavisados, ao mesmo tempo em que desperta nosso mais profundo interesse no bem estar de todos os personagens. De um lado, é a burocratização de uma situação que só aparece em histórias do gênero, do outro, é a humanização desta situação e como as duas personagens, a fugitiva e a perseguidora, recebem o mesmo tempo de cena e são tratadas com a mesma importância no filme, as linhas que separam o burocrático do humano na história, não permanecem atreladas a nenhuma delas especificamente. Um terror contado de uma maneira única, muito interessante e inovador, pertencente com honras a um ano que se destaca pela originalidade. 

7 – TERRIFIER 3

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A franquia independente e auto-suficiente, almeja desbancar Pennywise do trono absoluto, sem perder a essência trash que faz dela um sucesso. O objetivo não é atrair novos fãs, se o conteúdo do filme precisar sofrer um processo de atenuação. Art, o palhaço, jamais comprometeria a própria integridade artística, para agradar os descomprometidos… considerando é claro, que classificamos como “íntegras” as ações sanguinolentas daquela entidade malígna. O terceiro filme da série, é uma elevação em número e grau de cenas absurdas, sem nenhuma preocupação com o melhoramento dos níveis técnicos, propositalmente, com atos que chocam até os supostamente preparados para eles, ou seja, o verdadeiro alvo destas produções. Se não for para você, então passe longe, porque Damien Leone não vai se adaptar aos gostos de ninguém.

6 – LATE NIGHT WITH THE DEVIL

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Os meses iniciais do ano foram preocupantes, até que este falso found footage chegou e deu o pontapé oficial do gênero nos cinemas. Late Night, sob o pretexto da exibição de um especial de Halloween, que sumiu da programação após ter dado muito errado, mostra o acerto de uma dívida macabra, entre um apresentador de talk show, que vendeu a própria alma para alcançar um sucesso que nunca aconteceu, e a entidade compradora. Na narrativa, a ideia é que a maior atração do episódio, uma adolescente supostamente possuída, entrevistada no programa ao vivo, tenha sido o deboche intolerável que provocou a visita antecipada do coisa-ruim, mas a cada cena de bastidor, comprometedora demais para não ser sobrenatural, fica claro que a coleta do pagamento já estava em andamento, bem antes das luzes se acenderem nas câmeras oficiais e nas clandestinas. 

5 – VÍNCULO MORTAL (LONGLEGS)

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Pretensioso pra caramba, cheio de performances esquisitíssimas, abusado com o nosso tempo, exigindo ser visto mais de uma vez, de preferência, ajustando o brilho para descobrir coisas escondidas nas cenas escuras e… repleto de clichês, mas não importa! Vínculo Mortal é um filme no qual cada frame precisa de uma sessão de descarrego. Enquanto tentamos decifrar a história, que não é simplória, sofremos um processo coletivo de hipnose, atrelado a uma maldição que começou na discreta campanha de marketing para o filme. Minha suspeita é que essa maldição se intensifica a cada nova sessão do filme e ela não acabará nunca!

4 – INFESTED

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Filmes de monstros não precisam ser sobre as maiores criaturas, para atingir o efeito desejado. Prédios ainda ficam perfeitamente destruídos, se os pequenos bichos tiverem milhares de irmãozinhos para colaborar no trabalho. Com um pé na denúncia da discriminação contra imigrantes e o outro no terror-sobrevivência, este francês indutor de pânico, fecha as portas de um gigantesco e populoso complexo de apartamentos, durante uma invasão internacional de aranhas assassinas, criando cenas dignas de Blockbuster com um orçamento que reflete a baixa renda dos moradores afetados. Enquanto acompanhamos a saga de Kaleb, um amante da natureza que trouxe acidentalmente o problema para amigos e vizinhos, esperamos que o máximo possível de pessoas escape do local, sem levar nenhum aracnídeo preso na roupa. Infested, tão sorrateiro quanto os bichos, nos deixa aos poucos com a sensação duradoura de desconfiança, sobre cada cantinho dos lugares que frequentamos, assim que o filme acaba.   

3 – STRANGE DARLING

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Com uma das edições mais inteligentes desde Pulp Fiction e sem permitir que o público relaxe por um minuto, nem durante os melosos e azulados diálogos entre caça e caçador, o maravilhosamente embaralhado Strange Darling, foi feito para ser assistido sem muita informação prévia e se depender deste blog, assim ele permanecerá. Se você se sentir um imbecil vendo esta bela e empolgante disputa de gato e rato, entenda que o filme é cheio de gatos e aceite que você precisa ser constantemente enganado. É tudo para o bem do seu coração amante de terror. 

2 – SORRIA 2 (SMILE 2)

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Entre as barreiras rompidas no terror deste ano, eu acredito que a mais bem vinda tenha sido a da continuação, que antigamente denegria e desvalorizava um filme original, mas agora, como é o caso de Sorria 2, não faz apenas bonito, faz melhor! Esta sequência muda os personagens, mantém a estrutura da maldição, mas a amplifica, jogando o vilão no colo de uma vítima cercada de gente, que a rodeia para idolatrar, para cuidar, para explorar e para alertar, significando que o risco de uma contaminação em larga escala é enorme, pois depende do equilíbrio interno de uma pop star. Estas geralmente não tem equilíbrio nenhum. Novamente no roteiro e na direção, Parker Finn extrai as melhores atuações, momentos ainda mais angustiantes do que no primeiro filme e… ótimos números musicais… com direito ao demônio que engana todo mundo, instigando coreografias sobrenaturais, para uma audiência composta por apenas uma pessoa. 

1 – A SUBSTÂNCIA (THE SUBSTANCE)

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Em 2024, a categoria mais malvista do terror, o trash, dominou tanto a indústria do cinema, que o público em geral passou a admirar mais os diretores que exageram nas imagens grotescas para transmitir suas mensagens. Talvez agora tenha ficado mais claro, com o surpreendente sucesso de A Substância, nas gigantescas telas dos cinemas do mundo todo, que o conteúdo absurdo de alguns filmes do gênero, não é nada além do reflexo do que vivemos e normalizamos. No caso aqui, em nome da chamada perfeição estética. Eu nunca vou me esquecer a cena do seio solitário caindo no chão, tão medonha e ridícula, mas também tão próxima de representar implantes mamários que dão errado, colocando em risco a saúde da mulherada. Uma história com performances corajosas do elenco famoso, sobre medos universais como o envelhecimento e o abandono, no formato de um filme de monstro. É claro que, a criatura em questão precisava aparecer em doses homeopáticas até os minutos finais, chocantes e inescapáveis, porque senão, o filme teria sido jogado na obscuridade, como tantos outros que só são comentados em sites dedicados ao terror. Mas é sobre muito mais do que enganar as massas, para atingir um objetivo nobre e urgente. Este é um épico trágico e assustador, com montagens angustiantes e inesquecíveis, ilustrando o declínio de uma mente pensante e a eliminação de uma identidade, em prol da fama pela eternidade.

 

Eu espero que você tenha gostado da lista! O Muito Molho retorna em janeiro de 2025.