A fotografia possui aquela atmosfera dos anos 70, de exorcistas, Rosemarys e outras profecias, que anunciavam que a chegada do opositor ao cordeiro era iminente, vindo de qualquer direção. As cores existem e elas estão nos seus devidos lugares, mas não com a intensidade natural, porque tempos difíceis se aproximam. Os movimentos de câmera, com aqueles zooms gigantescos, também imitam o filme original estrelado por Gregory Peck, só que não há o abandono de truques e liberdades modernas por conta da nostalgia. Por exemplo, no começo, quando a protagonista chega a Roma em 1971, que é o cenário desta história, o clima sombrio sofre uma mudança momentânea e deslocada, com cenas românticas e um trilha sonora apropriada para a belíssima cidade que cerca o Vaticano, mas não para o horror. Esta invasão inapropriada de leveza, foi feita para ser notada pelo público atual, sendo que o público antigo poderia rejeitar a manobra como algo confuso, de diretor que não sabe o que quer passar, mas nós conseguimos entender nos dias de hoje, que quanto mais suave um filme de terror se apresenta, mais em alerta devemos nos manter. Por que os olhos da noviça Margaret, doce e inocente, não dão indícios de que ela sabe quem é? Era no olhar que reconhecíamos o capetinha disfarçado, mas ele sempre soube o que representa. Será que ela ainda não sabe, ou o protagonismo não é dela? O que nos reserva de novidades, esta expansão do conto clássico do cinema de terror?
Atendendo ao convite de um velho amigo e protetor, Margaret irá trabalhar em um orfanato romano agregado ao convento no qual ela fará os votos. Sonia Braga está no filme, como uma das superioras, bem como Bill Nighy, o protetor de Maggie e cardeal encarregado do local. O sempre marcante Charles Dance, em uma participação especial, oferece com informações incompletas, o ponta pé da tentativa de combate ao maléfico e com uma retirada de cena macabra, ele também fornece a primeira de diversas imagens chocantes e memoráveis do filme, mas falaremos sobre estas mais para frente. Dentro do centro de acolhimento para meninas e somente para elas, do 0 aos 18, existe muita dedicação, amor e respeito. As excessões são uma das irmãs, que não parece bem da cabeça; uma das crianças, que também não parece muito bem da cabeça e um dos cômodos, que serve de punição para o mau comportamento, mas julgando por quem vira e mexe se encontra de castigo nele, não chega a ser encarado como um instrumento de tortura e realmente não é este o intuito. A recém chegada faz amizades rapidamente e há liberdade de expressão, até mesmo entre as irmãs mais antigas, que não condenam conversas ousadas, ou a necessidade das mais novas, ainda sem o véu de compromisso, de explorar opções de aprendizado e experiências fora do convento. O ambiente transmite paz, porque todo mundo ali acredita estar a serviço do divino… e crença é a força mais importante do universo de A Profecia, que conta agora com cinco versões em sequência, um remake e uma série de televisão.

Do lado de fora dos muros altos e das imagens angelicais, o mundo está mudando e a fé da população não está livre de abalos preocupantes. Um acontecimento histórico na Itália, conhecido como os Anos de Chumbo, no qual a desordem civil e a insatisfação com governo e igreja, geraram uma onda de violência que durou duas décadas, serve como pano de fundo para o acontecimento principal de toda a franquia. Eu parabenizo esta produção ambiciosa, disposta a alienar o público massivo de terror, com diversos artifícios incomuns na narrativa, por providenciar a Damien uma função além de ser pura maldade, mesmo que o efeito desejado da existência dele, seja colateral nesta versão que se passa alguns anos antes da história original. A Primeira Profecia certamente precisa se pagar, mas não está disposta a apenas replicar com alterações mínimas, as cenas icônicas do primeiro filme, para lucrar em cima do que já estava consagrado, como fez a refilmagem de 2006. Não que a maldade de qualquer vilão precise ser explicada e Damien certamente não precisava de um propósito mais amplo do que “ser mau”, com sua pouca idade, mas se um prelúdio se apresenta para a tarefa, não há problema algum em acrescentar um elemento ainda mais profano ao nascimento da besta, com a participação… na verdade, com a prática da blasfêmia consciente, por quem jura e acredita estar do lado oposto da guerra celestial.
Muito além da utilização de avanços tecnológicos de captação e tratamento de imagens, a maior inovação deste filme é aumentar a barbárie de tal maneira, sendo que estes filmes nunca tiveram cenas leves ou apenas sugestivas de violência, que até quem acompanha de perto o gênero e suas mais variadas expressões, se surpreende com o que não está somente mais grotesco, mas penoso de ver também, com a substituição de sustos por sofrimentos duradouros, em cenas que persistem em continuar, mesmo que fique evidente que não há o que fazer pelas vítimas. A cena do “sacrifício da babá”, que eu coloco entre aspas porque não é exatamente a mesma, só que é a mesma ideia batendo ponto em outro filme da franquia, recebe um reforço maléfico na execução, que choca mais por ser uma ideia da própria suicida e não um acidente relacionado ao ato. O atropelamento de um inocente, que acontece repentinamente como em outros filmes, que concluem o ato poucos segundos após a surpresa desejada, demora para matar o homem enquanto continua degradando as condições físicas do coitado. Durante investigações sobre o papel daquela diocese na chegada do anticristo, um grupo se depara com fotografias de bebês bastante deformados, que aparecem brevemente, mas são tantos que mais parecem um teste de resistência para o público. Só que eu nem falei ainda das cenas envolvendo mulheres grávidas no filme. Uma deles, precisou ser reduzida diversas vezes pela produção, após muitas visitas ao Motion Picture Association para evitar a censura máxima e mesmo assim, o resultado na tela do que sobrou dos cortes é difícil de digerir.

A Primeira Profecia é a estreia na direção de longas de Arkasha Stevenson, que além de oferecer este filme como possibilidade de história de origem, ainda indica que uma refilmagem necessária de qualquer uma das sequências do filme de 76, é outra possibilidade. A construção da narrativa não segue fórmulas e apesar das homenagens presentes, a mais de um filme perturbador do gênero, o que vemos aqui é a obra de um verdadeiro autor em construção, que compreende onde os clássicos acertaram para ganharem este título, reproduzindo o sentimento que eles geraram, ao invés do método utilizado para tal, sem perder de vista o que era necessário respeitar, para não sair do domínio das outras Profecias. A história familiar é muitas vezes vista pelo público, como se estivesse presa dentro de um filme propositalmente esquisito. Só que proposital não quer dizer gratuito. A doideira de ações e reações dos personagens, da condução elaborada para parecer incerta e bagunçada, do início de uma história cujo fim já conhecemos, aguça a sensação da aventura de ver algo interessante e inédito, quando se esperava mais do mesmo, ao contrário da chatice que seria um trabalho somente cheio de estilo, capaz de afastar os fãs pela pretensão. Se a grande ideia é que deva existir um mundo antes e outro depois do nascimento de Damien, então não há nada mais apropriado do que nos fazer estranhar como a história está sendo contada. É como se o modo normal de fazer filmes, tivesse sido imposto por uma força maligna, que não nos deixa reconhecer o que veio antes dela surgir.
