Durante uma pesquisa para um documentário na Indonésia, diversas Shamans foram entrevistadas, mas a escolhida para ser acompanhada foi Nim, uma mulher de meia-idade que serve de veículo de manifestação carnal para Ba Yan, uma deusa local. Nim é simples e séria, rejeitando a teatralidade de cerimônias realizadas por outros médiuns e sem nenhuma inclinação para a megalomania, ou para o fanatismo. Para problemas físicos complexos, ela sugere médicos e tratamentos tradicionais, reconhecendo as próprias limitações e contando apenas com o ofício de costureira para se manter financeiramente. O serviço para a comunidade, em nome de Ba Yan, é apenas espiritual. Um dia, a mais recente de diversas mortes violentas na família do cunhado, faz com que Nim deixe o povoado onde vive para participar do funeral. O clima é tenso, como tem sido há algumas décadas, porque o trabalho com a deusa é passado de geração para geração entre as mulheres da família e Nim só o herdou porque a irmã mais velha o recusou, mudou de cidade e adotou uma religião convencional. Conhecida culturalmente como uma possessão benéfica, a missão de Nim faz com que ela tenha uma vida cheia de magia e propósito, que ela aprendeu a amar, mas eu tenho certeza de que nem tudo são rosas e em determinados dias, ter sido deixada para trás com o dever da família, pesa! A vantagem é que Nim é uma sensitiva de talento, percebendo bem antes de todos a maldição que se aproxima, mesmo que a princípio, não tenha as informações corretas sobre o histórico da família da irmã. 

O nome do documentário falso é “Linhagem Shaman” e é assim que este terror se apresenta para nós, inicialmente… como um respeitável documentário e não um found footage vulgar qualquer. Só que com uma frequência que não pode ser ignorada, os realizadores de A Médium ultrapassam a linha que separa o improviso realista da ficção roteirizada. A câmera está sempre bem posicionada, os cinegrafistas não perdem uma ação, ou reação, mostrando uma destreza sobre-humana, ou no caso, atenção aos movimentos de uma sequência obviamente ensaiada e isto pode parecer besteira, mas distrai muito, porque não é típico de documentário. Toda vez que há um pouco mais de ousadia no registro das imagens, ou uma suposta invasão de privacidade, não ficamos nem constrangidos, porque a sensação não é a de ossos do ofício de quem não quer perder informações importantes. É um pseudo-desrespeito pré-combinado entre atores e direção, o que me faz questionar se a melhor decisão não seria fazer uma obra de ficção que se identifica como uma, já que se trata de uma narrativa que depende tanto de expressões faciais. Os problemas deste filme, no entanto, não estão apenas ligados à confusão e interpolação de estilos, que infelizmente não acontece apenas de documentário para longa metragem normal. 

O protagonismo no filme muda bem cedo, quando Mink, a sobrinha adolescente de Nim, começa a apresentar indícios de possessão como os da própria mãe, que os rejeitou e passou para Nim que, caçula, não teve muita escolha. O consenso inicial é que a deusa de Nim está pronta para se transferir para um corpo mais jovem, mas os sintomas de Mink, violentos e atípicos para um chamado espiritual, são preocupantes por razões diferentes naquela casa. A equipe de filmagem está em êxtase, com a possibilidade de capturar em vídeo qualquer fenômeno que se apresente, mas rapidamente a jovem manifesta um comportamento perigoso para si mesma e qualquer um que esteja por perto. A tia está em pânico e não é pela ideia de ser abandonada pela divindade, mesmo porque, Ba Yan só deixa uma médium após a morte e Nim sabe que o que perturba Mink, está longe de ser algo vindo da deusa dócil e iluminada que deu a ela uma vida tão nobre. A dificuldade em tratar a sobrinha vem de dois obstáculos graves: um é a resistência da irmã, que sem conhecimento e muito medo, só atrapalha e o outro é a natureza e as intenções do que está tomando conta de Mink, que pode estar além das capacidades da médium e ligada diretamente ao que está tirando a vida de todos os homens da família, sistematicamente. 

Um ponto bastante positivo da narrativa, é que boa parte dos eventos paranormais são apenas sugeridos, com o público dependendo apenas da palavra dos especialistas e de evidências que podem muito bem estar sendo forjadas. Mink faz movimentos corporais estranhos diante das câmeras e vive passando vergonha, por um bom tempo no filme, toda vez que perde controle de suas atividades fisiológicas em público, mas sejamos honestos, qualquer bêbado pode sofrer com as mesmas ocorrências e ninguém iria pensar em demônios. Quando um efeito especial é exigido da produção pela primeira vez, é um evento!Ele se torna ainda mais especial porque é moderadíssimo, sendo passivo de perda para quem está distraído. Porém, para que a história se desenvolva do jeito que o diretor, Banjong Pisanthanakun, imaginou que ela deveria ser mostrada, o sobrenatural precisa estar cada vez mais presente, exagerado e por consequência, insignificante. Me surpreende que este seja o mesmo profissional por trás de Espíritos – A Morte Está Ao Seu Lado (Shutter – 2004), um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, pelo grau de medo provocado e prudência na condução da história. A Médium não é um filme cheio de fantasmas, mas é saturado de sequências repetitivas e personagens negligentes, que tornam o filme quase impossível de não ter suas cenas aceleradas pelo público. 

Eu não vou mentir… me sinto meio enganada, porque era tanto potencial para algo completamente novo no terror, com tanta elegância no início, mas queriam criar uma saga apenas com o mérito da longa duração, que muda o protagonismo da história mais algumas vezes, sem deixar a narrativa mais dinâmica, ou interessante. As decisões dos personagens no filme e da produção ao redor dele, são desnecessariamente amadoras. No final, A Médium se torna aquilo que mais temia… um found footage qualquer, dependendo de sustos e barulho. As imagens belíssimas do país asiático, que ilustraram tão bem a história de Nim, deixada de lado pelo filme e não pela divindade, são substituídas pela visão noturna de câmeras frenéticas, conduzidas por cinegrafistas ligeiros no registro da ação de caras e bocas, mas lerdos na reação, para escapar do inferno que se instala, quando ninguém parece saber o que está fazendo. A categoria do terror também muda, não-oficialmente nas últimas cenas e por mais que surpresas aleatórias sejam sempre bem vindas e se trate da minha vertente favorita no gênero, não há medo.