Com um problema comum para pessoas de baixíssima renda, porém grande demais para ser enfrentado com tão pouca idade, o pequeno Fool (“Tolo”), está sendo pressionado a abandonar um futuro decente por uma vida de crimes. As contas estão atrasadas, a mãe está doente e a irmã, cheia de filhos, naquele apartamento caindo aos pedaços, o único do prédio que ainda está ocupado, porque nenhum dos vizinhos consegue pagar o aluguel exorbitante e nem um pouco condizente com as condições do imóvel, só que esta é a ideia! Desocupar tudo, demolir e construir algo melhor no terreno, para inquilinos de alto nível, se aproveitando do preço por metro quadrado exagerado, que a cidade de Nova Iorque proporciona. A persuasão nem vem dos familiares, vem do malandro local, que ostenta uma aparência elevada em relação aos mendigos e viciados que perambulam pelos corredores do prédio, mas muito mais deficiente em relação a ética e a princípios. O plano é um roubo único, que o cara acredita ser capaz de mudar a vida de todos os envolvidos. O alvo é o dono do prédio, ou como o cabeça do grupo diz: “Alguém que merece ser roubado”, por ser também o proprietário de vários outros prédios precários da vizinhança. Basta apenas que o tolo, com sua baixa estatura e carinha de anjo, consiga entrar no casarão sem ser detectado, liberando a entrada para os comparsas adultos em busca do ouro.

Wes Craven teve uma carreira um pouco irregular, com altos nos céus e baixos no oposto disso. Tinha aquela verdadeira obra de arte no currículo, pelo menos uma vez por década, para dar uma injeção de vida nova ao terror, gerando burburinho e sequências, influenciando outros cineastas, mas também tinha aquela porcentagem inegável que produções sob a direção dele, que estão muito abaixo do nível de qualidade e cuidado dos quais ele sempre foi capaz. Eu gosto de quase tudo o que ele já fez (Chiller – 1985, é uma bobeira divertida), só que mesmo sendo fã, eu preciso admitir que ele não era 100% confiável. A ênfase que eu estou dando à polaridade na competência do trabalho, ou ao meu reconhecimento do que vale a pena e o que não vale, sobre um profissional que eu admiro muito, vem do fato de que As Criaturas Atrás das Paredes, apesar de fazer parte da porção positiva da carreira dele, nunca conseguiu romper a barreira da apreciação que separa o público em geral, do público de terror, se tornando um dos menos conhecidos filmes do diretor e quando chega a ser lembrado pelos fãs do gênero, não é com o mesmo respeito de Pânico ou de A Hora do Pesadelo. Tudo bem que o filme não está no mesmo patamar artístico dos mencionados acima, geradores de fama estrondosa e sequências incontáveis, mas o ostracismo não se justifica, pelo menos não entre nós… amantes do medo e dependentes incorrigíveis do susto.  

Algo me diz que quando Craven se arrisca demais, e eu não estou falando do risco de colocar o comediante Eddie Murphy para interpretar um vampiro sedutor naquele filme esquecível, o lance é mais para o lado perturbador, como o filme de estréia do diretor, Aniversário Macabro (Last House on the Left – 1972), sendo moralmente falho e difícil de assistir; a tendência é que os responsáveis pelo sucesso de um filme nos cinemas, mais conhecidos como a grande massa compradora de ingressos, encare a ousadia como inapropriada e evite o que não é tradicional. Só que Craven já sabe disso e usa o roteiro incomum como um passe-livre, para deixar de agradar a gregos e troianos de vez em quando e focar somente em quem gosta do que ele gosta. Colocar uma criança para protagonizar um filme de terror, nunca foi novidade, assim como não é inédito que um ator mirim esteja presente em cenas mais pesadas, como uso de entorpecentes e menções à prostituição. O risco foi unir dois mundos, inserindo os elementos fantasiosos de um conto juvenil, dentro de uma história séria e violenta. A decisão deve ter sido difícil de ser classificada e por consequência, vendida pelo estúdio, respingando até nos mais devotos de nós, que já podiam antecipar pelos trabalhos prévios, que havia capacidade para a criação de maravilhas e de porcarias, mas sem considerar que este pudesse ser um meio-termo, tombando para o lado bom e feito sem amarras.

Esta é realmente uma história de terror infantil, com alguma inocência, contada por uma criança e ocasionalmente interrompida por um diretor sem piedade. Os atores são carismáticos e interpretam personagens que gostamos de ver e isto inclui os escritos para serem desagradáveis. Tem vários rostos mais ou menos conhecidos, mas a estrela é Brandon Quintin Adams e não é só porque ele é o protagonista que vive Fool, um jovem prestes a completar 13 anos, ganhando uma oportunidade de ser o herói na própria história de sobrevivência, quando os cúmplices bem mais velhos e experientes, cometem o grande erro de subestimar os moradores daquela casa. Fool, lutando contra a morte ou um destino ainda pior, com a criatividade de um moleque que sabe se virar no bairro perigoso, irá fazer de tudo para escapar de outro ambiente hostil, nem que para isso ele tenha que apelar para a ajuda dos “filhos decepcionantes e descartados” dos donos do domicílio. O local convence como uma prisão de segurança máxima, mesmo que o exterior pareça algo típico de subúrbio. A ideia de uma mini-fortaleza, escondida debaixo dos narizes alheios, é reforçada em cada janela inviolável e porta automatizada, mas é o cuidado com a privacidade de papai e mamãe que realmente vende o peixe neste filme. 

Que ninguém me acuse de ser um vendido para Hollywood, dizia Craven vez ou outra com uma produção feita só para os amigos. Este é um terror que segue a linha imaginativa do personagem principal, ingênua, porém endurecida pelos problemas cotidianos, estando bem longe de ser um Goonies ou uma História Sem Fim. Está presente a linguagem cômica, mas também os movimentos de câmera sombrios, que nos colocam em uma cena tensa junto com as vítimas. A estrutura do roteiro, atípico, nos dá um clímax falso no meio do filme, porque não se pode ter um desfecho só com uma tentativa de fuga, sem a pesada e legítima mão da justiça no meio. A casa é linda! Quase dá vontade de limpar, tirar os zumbis das paredes e morar nela. É um filme que coloca um fim na fase 80 de Craven e abre o caminho para uma abordagem diferente no terror, porém mantendo o bom humor. O final ainda tem espaço para o hip hop dos anos 90, que era a maneira básica de se encerrar um filme que se passa em Nova Iorque e tem os conjuntos habitacionais da cidade como tema. Um pouco antes disso, houve uma referência (mini) à Michael Jackson, com quem o menino Brandon trabalhou (Moonwalker – 1988), na verdade, é uma cena que lembra o videoclipe de Thriller, posicionando o filme oficialmente como um elo de ligação entre as duas eras.