Com cinco histórias, todas bilíngues e sobrenaturais, de cinco diretores de origem latina, Satanic Hispanics é uma antologia de terror que combina os diferentes talentos de criadores especializados no gênero. O curta de abertura chamado “O Viajante” de Mike Mendez, que também encerra o filme e serve muito bem como elo de ligação entre todos os contos, começa com a polícia de El Paso, uma cidade no Texas que faz fronteira com o México, invadindo um esconderijo de imigrantes ilegais, com o intuito de realizar uma operação rotineira de apreensão e deportação, mas já é tarde demais. Quase todos foram assassinados dentro daquele galpão, entre atravessadores criminosos e civis tentando chegar nos Estados Unidos, sobrando somente um homem, que acorrentado a um corpo, estava disposto a cortar a própria mão para fugir do local. No distrito policial, os detetives descobrem um segredo fascinante sobre o único sobrevivente, enquanto o homem tenta justificar atitudes e palavras polêmicas, com histórias inacreditáveis que ouviu através de anos como um andarilho, se esquivando das autoridades e não permanecendo muitas horas em lugar nenhum. Os policiais e o público acompanham tudo com atenção, mas existe um pensamento persistente, ao fim de cada historinha que ele conta no filme: Qual teria sido a razão para aquela carnificina e como ele conseguiu sobreviver? 

O segundo curta, “También Lo Vi” de Demián Rugna (de When Evil Lurks/Cuando Acecha La Maldad – eleito o melhor filme de 2023 neste blog), é o argentino do conjunto com a história de Gustavo, um esperançoso fracassado, que sonha em ganhar um Concurso Internacional de Cubo Mágico, para o qual ele treina diariamente, enquanto tenta extrair uns trocados da enorme casa da avó, que ele jura ser mal assombrada. Seja alugando o quarto extra, ou atraindo entusiastas do fenômenos paranormais, Gustavo consegue se sustentar, apesar de que, como ele diz, nem todos possuem os olhos para enxergar estes fenômenos. Fazendo um ritual que qualquer um consideraria ridículo, mas que tem toda “uma matemática envolvida” da cabeça dele, movimentando o celular e mexendo nas luzes de um corredor, em uma ordem que imita a utilizada para deixar os lados do cubo mágico com as cores uniformes, ele acidentalmente abre no casarão um portal para o além… o problema, é que nem tudo o que passa para o lado dos vivos quer retornar! É um prazer ver mais um trabalho, mesmo que pequeno, de Demián Rugna, cujo estilo peculiar de mostrar o sobrenatural, já é digno de destaque entre obras similares. É claro que ajuda no reconhecimento, que a vizinhança onde fica a casa seja muito parecida (talvez a mesma) de Aterrorizados (2018) e que haja um colante deste filme no notebook de Gustavo, mas mesmo assim, eu considero que os fantasmas deste diretor sejam únicos, dificilmente podendo ser reproduzidos por outros. 

Em “El Vampiro“, uma lenda urbana local, que o sobrevivente do primeiro curta tenta esclarecer, sem sucesso, para ganhar a confiança dos policiais, vemos o terceiro curta e o primeiro de dois toques cômicos muito bem vindos nesta antologia. Dirigida pelo cubano Eduardo Sanchez, cineasta veterano que começou a carreira com o clássico A Bruxa de Blair (1999), esta é uma história bem pastelão de um sangue-suga milenar, aproveitando o Halloween para fazer um banquete pelas ruas, sem ser reconhecido como uma ameaça real pela população. O que ele tem de velho, tem de distraído, negligente e genioso, chamando a atenção das autoridades, das quais ele daria conta tranquilamente se não fosse por um importante detalhe: o horário de verão americano, que o confundiu fazendo prolongar demais o jantar “em público”. Agora, depois de caçar a noite inteira no centro da cidade, bem longe da casa e do caixão de descanso, ele tem pouco tempo para se recolher antes do nascer do sol. Apresentado como algo inofensivo, que não é para ser levado a sério, o segmento do Drácula Latino surpreende pelo quanto de simpatia arranca do público, com um personagem que vai de vilão à… bom, vilão com prazo de validade, em uma odisseia pessoal angustiante para chegar em casa, antes de um astro bem mais imponente e perigoso do que ele. 

Nahuales“, nome do quarto e mais fraco episódio desta antologia, é também uma palavra muito antiga de origem indígena, que descreve práticas e crenças mágicas do povo mexicano, desde antes da colonização. Na história que começa muito bem, Ramón carrega um corpo em cima de seu cavalo, por uma longa paisagem campestre até a casa onde mora, enquanto foge desesperado de uma entidade localizada na floresta próxima. A impressão inicial é que se trata de um camponês, mas julgando pelo material eleitoral com a imagem dele e pelo telefonema que ele recebe de um agente da C.I.A., é certo que a narrativa envolve algo mais complexo do que uma assombração vinda do mato. Certamente não se trata de um curta simples, mas antes fosse, do que a lambança de pontas soltas que acaba se tornando. A diretora Gigi Saul Guerrero, que também participou do lançamento mais recente da franquia V/H/S, nos dá um corpo, uma intromissão internacional, uma família morta, uma ameaça invisível, envoltos em um suspense crescente que desaba rapidamente, quando nenhum destes elementos recebe esclarecimento ou interfere no resultado da história, que termina sem pé nem cabeça. Existe terror, se após muita enrolação que não leva a lugar nenhum, a gente não conseguir identificar do que era para ter sentido medo?

“O Martelo de Zanzibar” de Alejandro Brugues, que passeia por todos os gêneros na carreira, é a bem-humorada e imprevisível história de um ex-casal de documentaristas, se encontrando após anos de separação em um restaurante que marcou o relacionamento, mas com muito mais em mente do que reacender a antiga chama amorosa. Aparentemente, durante um de seus trabalhos cinematográficos, eles perturbaram um ritual sagrado e enfureceram alguns demônios, que até aquela noite já haviam acertado as contas com diversos outros membros da equipe envolvida no projeto. O temor é que a qualquer momento, os dois ex-pombinhos também recebam uma visita fatal. Brugues, que está inegavelmente se divertindo muito, sem esquecer que também está trabalhando em uma história de terror, insere um conto hilário dentro de um flashback que já é intruso, dentro da história principal, aumentando a cada minuto do tempo contado que tem, o nosso interesse pelo desfecho de um curta completamente absurdo e cheio de reviravoltas. No geral, Satanic Hispanics tem um saldo bem positivo. No final, a história do Viajante ganha outro título e um vilão com o melhor look possível, considerando o tema da antologia, que exalta a cultura hispânica sem pretensões além do entretenimento.