Este britânico em preto e branco, apresenta sua narrativa na forma de uma antologia única (eu vou explicar esta descrição mais adiante), iniciando a história principal de uma maneira bastante intrigante, que de imediato, não requer a suspensão de descrença apenas do público, mas também dos personagens envolvidos nela. Atendendo a uma oferta de trabalho, o arquiteto Walter Craig chega atônito a uma residência no interior do país, na qual ele nunca esteve antes, no sentido físico de se estar em algum lugar. O dono da casa o recebe, o apresenta para familiares e amigos (um tanto aleatórios, eu devo mencionar), mas a expressão de espanto na cara de Craig, rouba a atenção de todos. O arquiteto esclarece (ou não) que já conhece todas aquelas pessoas nunca antes vistas, assim como detalhes da casa onde nunca havia estado. Com a excessão de um convidado, inclinado a conclusões científicas para eventos extraordinários, os outros acreditam em Walter completamente, quando ele diz que reconhece todos de um sonho recorrente, que ele tem por anos, ainda pobre em detalhes naquela altura do encontro, mas pelo qual ele afirma saber tudo o que está prestes a acontecer naquela noite.
Poderia ter sido o efeito da educação de uma terra tradicional britânica, que os forçaria a não contrariar um estranho, ainda mais um tão bem recomendado pelo profissionalismo e que se mostra verdadeiramente chocado com a presença de todos. A verdade, no entanto, é que a abertura dada pela afirmação curiosa do arquiteto, proporciona um clima para que os outros convidados relatem fenômenos igualmente inexplicáveis. À princípio a desculpa é tentar convencer o cético da turma, sobre a veracidade e frequência destes fenômenos, mas no final das contas a finalidade é a diversão que a atividade proporciona, com a persuasão se mantendo mesmo somente entre os que já acreditam no sobrenatural. Dividido entre quatro diretores, que não deixam que seus diferentes estilos quebrem o padrão de condução do filme (a não ser quando há um motivo claro para isso), o filme conta com uma série de histórias paralelas, narradas pelos personagens que garantem que elas são verdadeiras, por serem os protagonistas delas. Não chega a ser uma compilação de curtas totalmente independentes, porque a impressão dada propositalmente é que os relatos são somente isto mesmo, relatos, ao invés de histórias que aconteceram exatamente como os donos delas se lembram. O filme inteiro é construído em um terreno incerto e é daí que vem minha definição de antologia diferente, quando estamos habituados com histórias feitas com a meta de dar medo separadamente. Um objetivo que não é a intenção aqui.

No primeiro curta, ou no que eles acabam se tornando… a primeira “interrupção da história principal”, um ex-piloto de corridas entre os convidados, conta sobre a época em que ele escapou da morte duas vezes, uma por sorte e a outra por “ter sido avisado”, declarando que a premonição de fatalidades é uma experiência real que ele teve. Esta lembrança do ex-piloto é um reforço à prova fornecida pelo arquiteto, que previu a chegada de mais um convidado, com direito a informações precisas sobre aparência e situação financeira da pessoa em questão. Mais adiante na história, detalhes sombrios do sonho, mudariam o tom do filme na linha do tempo atual, de fantasia para suspense, enquanto as histórias paralelas continuavam em uma clima mais ameno, ainda que uma delas adicionasse ao filme uma tragédia da vida real (o assassinato do menino Francis Kent pela irmã mais velha em 1860), como é o caso do segundo curta dentro do filme, que falando de fantasmas na noite de Natal, sob a ótica da narradora mais jovem e impressionável do grupo, nunca ultrapassa o limite de “conto curioso” para se tornar terror. Esta resistência ao gênero, por escolha dos realizadores do filme, não dos personagens que são as testemunhas das histórias fantásticas, acaba provocando uma reação inusitada do público, que ao invés de sempre aguardar ansiosamente pelo próximo segmento, inverte a expectativa para o que deveria ser o intervalo entre eles. Eu não consigo me lembrar de outra antologia com resultado semelhante.
Os curtas são todos baseados em histórias de autores famosos, também utilizadas em outras obras segmentadas, como a série Além da Imaginação, ou Hitchcock Presents, o que faz delas histórias “originais/familiares”, com temas que certamente já vimos em outros lugares, imitando de uma certa forma para o público, a experiência do convidado sonhador. Realizadas com grandes produções e tomando bastante espaço dentro do filme, elas realmente só poderiam ter sido feitas com equipes e diretores independentes do principal, do contrário, seria impraticável, principalmente pela época das filmagens e por se tratar de um estúdio pequeno, bem longe de Hollywood. Uma história fala de um espelho amaldiçoado e ela caminha até o final, como outras aqui, entre um delírio persistente e algo verdadeiramente sobrenatural. Outra é o clássico boneco de ventríloquo que ganha vida, estrelado pelo único famoso do filme, Sir Michael Redgrave, pai dos atores Corin, Lynn e Vanessa Redgrave. Esta é a mais memorável e melhor de todas também. O segmento que é a bola fora da curva, fala de uma disputa amorosa entre dois amigos, resolvida com uma… partida de golf até a morte e apesar do tema ser fúnebre, o curta não consegue se livrar do tom cômico, mas para ser justa, ele só é inserido na conversa com o propósito de acalmar Craig, que naquela altura da história principal, já estava surtado com as diversas coincidências entre sonho e realidade, ignorando a tranquilidade do ambiente, ao se dar conta cada vez mais de que se tratava na verdade de um pesadelo. Esta história bem-humorada, e as outras que entre tentativas frustradas de assassinato e elementos sobrenaturais que não se concretizam, são uma engenhosa distração do que está se aproximando, na forma de um dos melhores e mais inesperados desfechos de filme de terror que eu já vi.

Apesar de estar em diversas listas de melhores filmes de terror de todos os tempos, Na Solidão da Noite é bastante desconhecido, talvez pelo fato de ser difícil de ser encontrado. Seus curtas são, como em qualquer antologia, de diferentes níveis de qualidade e de tensão, com alguns ultrapassando um pouco o tempo que testa nossas paciências, ainda mais sendo antigo e pisando fora diversas vezes do gênero que celebramos aqui. Até cantoria tem, duas vezes no filme, mas eu reforço que tudo funciona perfeitamente, quando se compreende o conjunto da obra. O lugar entre os melhores terrores é mais do que merecido, com cenas inesquecíveis e histórias contadas de uma maneira inusitada, sem medo de desagradarem expectativas momentâneas. O objetivo é surpreender o público no final e é pelo rastro deixado pelas últimas sequências, que o filme como um todo ganha mais sentido. Seus curtas inspirariam longas no futuro, sua estrutura virou referência para outras antologias e seu encerramento, incentivou astrônomos da vida real a criar uma teoria alternativa ao Big Bang para o surgimento do universo. Se isto não for motivo suficiente para conquistar respeito, eu nem sei o que dizer.
