Eu preciso parar com essa tendência de criar ranços instantâneos, toda vez que alguém tem a audácia de refilmar um clássico do cinema de terror. O original de 74 é um divisor de águas, não apenas no gênero, mas na categoria independente também, conseguindo provocar todo o medo que deseja, com limitações que vão do investimento financeiro, às insuficiências técnicas, até à simplicidade da narrativa, que é quase inexistente. O rústico perfeito, que me garantiu sossego longe de produções tentando surfar na onda dele, por anos. Mas esta prática, eu preciso admitir, às vezes me faz perder esforços genuínos, que não estão apenas em busca de uma plataforma para alçar a bilheteria, como é o caso deste aqui. Eu acho que para escapar do pré-julgamento dos puristas do trash como eu, o remake precisa ser visto antes do original, como foi o feliz caso para mim de Madrugada dos Mortos (2004), que não se transformou em uma “imitação cara”, depois que eu conferi o clássico de Romero (78). Assistir a esta versão, duas décadas mais tarde, é certamente o ápice da birra, mas me faz descer um pouco do tamanco e considerar dar chances para produções esnobadas no passado, por motivos semelhantes. Infelizmente, a culpa não é toda da altura dos meus saltos, já que refilmagem é sinônimo de dinheiro fácil para diversos estúdios, sem respeito por nada. Então vamos viver felizes na dualidade, com um pé na desconfiança e o outro na certeza da decepção.
Na história, um pouco mais cheia de detalhes do que aquela que você já conhece, um grupo de amigos colocou o pé na estrada, para ver um show de rock que acontecerá em algumas horas, do outro lado do estado. Durante o percurso, no verão escaldante de 1973, eles quase atropelam uma jovem machucada e desorientada, caminhando sozinha no meio da pista. Uma tragédia acontece e de repente a turma se vê presa, metaforicamente falando, em uma situação da qual até dava para escapar, já que não há grades envolvidas e a galera ao redor não se abala muito com o conceito de tragédia, mas qualquer ser humano normal, teria vergonha de sumir sem dar explicações. É a genialidade do negócio, porque podemos nos identificar com a decisão de seguir o procedimento correto, como acionar as autoridades e aguardar a chegada do xerife, mesmo que ele demore, adiando a fuga pela sobrevivência que eles ainda nem sabem que terão que fazer. Não é apenas o retrato da ingenuidade da época, ou a pressão dos mais íntegros em cima dos mais desleixados no grupo, muito bem trabalhada no filme, por sinal. Não tem gente burra aqui, ou merecedora de punição. O remake reforça o quanto o terror de Massacre, sempre foi totalmente circunstancial e portanto, inevitável.

Se não dá pra ser imprevisível, pela nossa familiaridade com o outro filme, então o elemento “caos generalizado” tem que ser em outro nível. Leatherface é um baita vilão, mas o filme não pode depender apenas da presença dele, entre vultos sinistros e barulhos inexplicáveis, com adolescentes indo verificar sozinhos estes vultos e barulhos. Sabiamente, a primeira aparição do assassino da máscara de couro humano é minimizada, ou em outras palavras, ele é tratado como mais um membro de uma família monstruosa e pervertida. Todos eles são importantes, em suas personificações particulares da anarquia, para juntos se ajudarem e se atrapalharem, dando ao filme o que é necessário para que ele pertença ao universo que almeja. É impressionante o quanto uma única residência foi capaz de gerar, em termos de malevolência. Quase fascinante, de uma perspectiva doentia. O filme é sim, portanto, uma experiência caótica de alta qualidade, que não chega a ser como a inspiração dele, mas que ainda surpreende com o desenrolar dos eventos, sem que isto tenha sido prometido para o público.
É obvio que eles perdem o show de rock, mas pelo menos, digamos assim, ganham experiência, quando depositam muita confiança na inocência de gente da roça. As atuações são muito boas, até mesmo de uma novata e ainda robótica Jessica Biel, como a personagem mais resistente a aceitar que está em um filme de terror. R. Lee Ermey está exatamente onde deveria estar, com sua gritaria de eterno intérprete de autoridades policiais e militares, no cinema. Se divertindo no papel feito sob medida, ele nos força a presumir que o uniforme que ele usa deve ter sido roubado, já que a personalidade e a índole o qualificam para o outro lado da lei. Outro decisão apreciada aqui, foi a escolha de um ator para Leatherface, que é muito mais do que só tamanho, apesar de que, balançar com destreza e facilidade aquela ferramenta pesada e letal, que nunca (ou quase nunca) fica sem combustível, ajuda bastante a compor o personagem. O elenco todo está inspirado e preparado para trabalhar direito, com a segurança de uma direção que garante a seriedade do projeto. Claro, as atrizes correm dos canibais com os umbigos de fora, mas também com o nariz escorrendo constantemente. É como se o diretor dissesse que ninguém irá pensar menos delas, por nenhum destes motivos e ele está certo.

Os eventos de O Massacre da Serra Elétrica são macabros, sempre foram, mas dos diversos filmes de terror da categoria slasher, que geralmente utilizam elementos sobrenaturais, esta é uma das bizarrices mais plausíveis de acontecerem, com qualquer pessoa. Tudo o que uma refilmagem precisa fazer, é manter o público apreensivo na vida real, com pessoas estranhas em lugares afastados, mesmo estando em vantagem numérica, em plena luz do dia. Encontrou um pote de vidro, com um objeto boiando em um líquido, identificando ou não o que pode ser, corra! Isso não é normal. Se o filme se dispor a modernizar o que era inalcançável na época de Tobe Hooper e seu orçamento baseado em empréstimos e boas vibrações, como por exemplo, sequências extremamente angustiantes de perseguição, será um tremendo sucesso, mesmo que “experts” demorem duas décadas para conferir. Se comportando na direção como um fã responsável, você pode até adicionar membros novos à família e manter os mesmos aspectos mais memoráveis do desfecho, enquanto reserva um espaço para algo mais atual, como o repentino desejo de vingança de uma vítima que nunca matou na vida. É só não deixar o público esquecer do quanto é difícil sair dali, do quanto o local é assombroso e nojento, mesmo que a tática seja forçar as jovens a vomitar o tempo todo.
