Conferindo o histórico de posters dos anteriores, é inegável que apesar de criações macabras, elas são verdadeiras obras de arte, feitas para serem admiradas pela criatividade e bom humor. Produções visuais grotescas, irônicas e absurdas; exatamente como as armadilhas de John Kramer, o entusiasmado e resiliente vilão da franquia. Durante nenhuma punição, John se mostra um homem em busca de aprovação para seus métodos. Seria um Aceita Que Dói Menos, se não fosse um Vai Doer De Qualquer Maneira, Então Aceite. Para nós, ele sempre foi cruel e insensato, descontando sua revolta de forma desproporcional em quem ele via pisando fora da linha. Um inquisição ambulante e eu tenho que reconhecer que após o segundo filme, a fragilidade do argumento para tanta carnificina foi ficando insuportável e ignorar as infinitas sequências, se tornou uma necessidade. Não assisti aos mais recentes e me espantei com a quantidade de filmes que a saga possui, mas vejo neste lançamento algo especial, que me lembra muito a única das histórias que até então, não havia se tornado um grande borrão na memória.

Sem ter me informado sobre o roteiro e pelo hábito das sequências que menos gostei, eu cheguei a pensar que lá ia Jigsaw novamente, castigando com tortura a falha de algo declaradamente experimental, só porque sua doença retornou, só que a tirania não faz parte do plot de Jogos Mortais X. Me confundiu bastante também em que lugar da linha do tempo de John Kramer, que já está morto há algumas sequências, este novo filme se encaixava. O primeiro foi há quase vinte anos e o ator Tobin Bell já é um octagenário, mas poderíamos atribuir sua aparência envelhecida, ao estágio avançado do câncer, então eu entendi brevemente que estávamos diante de uma prequel e estamos, mas não do início de tudo. Algumas inspirações para os brinquedos de John, parecem ter nascido de tudo o que ele viu e sofreu com esta porção da história da vida dele, mas no final das contas, as ideias que ele coloca em prática, obedecem ao quanto elas se relacionam com quem está preso nas máquinas. Quando John revela que, doente e aposentado, ele agora se ocupa “ajudando pessoas a superarem seus medos”, eu entendi que a matança já estava em andamento naquele ponto e mesmo com dúvidas que são problema somente para quem não viu todos os filmes, eu acredito que pela primeira vez John tem legitimidade em seus métodos. Pela primeira vez, não é uma prioridade para nós que os presos escapem das armadilhas.

É uma trapaça bem elaborada, cheia de participantes com imenso talento para as artes cênicas. O testemunhos sobre a cura milagrosa, trazem esperança para o homem que estava prestes a assinar o testamento. O desgosto generalizado por decisões governamentais, que prejudicam a população e beneficiam lobistas, é a base para que um relato incrível de heroísmo e sucesso, se torne perfeitamente plausível. A localização do terreno onde o golpe é aplicado, o caminho percorrido e os cuidados até ele, a colaboração indireta de inocentes; tudo contribui para que o sigilo e o valor investido não sejam questionados, pelo cara que estava acostumado a estar sempre alguns passos na frente de todos. Quando John acorda, no que acredita ser a condição de um pós-operado, é como se o mundo inteiro tivesse ganhado mais cor. De acordo com a pseudo-oprimida diretora da clínica clandestina, ele está curado e por um curto período, a era das trevas se encerra para dar início à renascença, com o assassino em série utilizando seus dons artísticos em desenho industrial, para reproduzir paisagens ao invés de armadilhas sanguinolentas. A evidência da fraude é constatada através de um descuido, típico de quem não espera consequências, já que os alvos só entendem que foram enganados quando não possuem mais saúde para reagir. Eles jamais contariam com uma vítima atenta e detalhista, mas desta vez nem John poderia ter previsto tamanha crueldade. Quem diria, que a tortura que serve de pontapé para esta história e que traria novo ânimo para a franquia, seria a psicológica!

Jigsaw já foi um participante mais discreto nos seus próprios filmes, mas a verdade é que neste a história é totalmente dele. Ainda assim, é fora do padrão que ele fique tão presente e ainda mais esquisito que aparecendo em quase todas as cenas, ele ainda comande os jogos utilizando um gravador, sendo que entra e sai do galpão onde prendeu os trapaceiros, interagindo com todos, ou se mostrando para eles de uma cabine vidrada, em uma posição de visão privilegiada. Tudo está diferente, apressado e meio improvisado, eu diria, mas de acordo com a proposta do jogo que estamos prestes a ver. Aos poucos, temos o retorno de alguns rostos familiares, como a ex-vítima-convertida-em-ajudante Amanda e o icônico boneco do triciclo, que está lá para manter a atmosfera de seriedade e severidade no trabalho de Jigsaw, só que a situação continua atípica e é proposital. Os desafios enfrentados estão longe de serem brandos, mas uma das razões pelas quais eu parei de ver estes filmes, foi porque as armadilhas eram inescapáveis. Se o sujeito conseguisse se livrar, não sobrevivia. Tendo um tempo significativo de pausa entre os jogos, estando sempre juntos e presos a engenhocas imparciais, os jogadores têm mais chances e isto nos diz duas coisas: pela primeira vez no papel de vítima, John criou um desafio mais pessoal, no qual a correção do caráter das vítimas é um desejo verdadeiro. A outra coisa é que, pela violência descarada das armadilhas dos outros filmes, é obvio que Jigsaw, que sempre só quis viver, respeita mais estelionatários do que gente normal desperdiçando a própria vida. 

O filme tem suas surpresas e elas são boas, até para quem escrevia esta crítica com uma ideia bem diferente do resultado. Kevin Greutert foi o editor de todos os Jogos Mortais e dirigiu alguns deles também, antes de ter em mãos este que não é nem o início ou o final da saga de Kramer, apenas mais um dos filmes e na tarefa humilde que isto representa, o diretor é mais competente do que se esperava. Me surpreendeu o voto de confiança, considerando que Greutert também fazia parte do declínio no qual a franquia se encontrava, mas a verdade é que este é um profissional inegavelmente devoto ao projeto deste o início. Cinema não é futebol, que sempre manda o técnico embora primeiro e faz perguntas depois, ou nem faz e declara o problema como “resolvido”. O respeito pela lealdade teve retorno, no sentido figurado e literal. Estamos, com todos os aspectos que fazem deste um filme único no conjunto, de volta à simplicidade do original. Levando em conta, é claro, que a ideia de simplicidade em Jogos Mortais, significa que o teatro serve para mexer com a cabeça da vítima, e não somente para entreter quem assiste. Ironicamente, a tática voltou a funcionar melhor para o público.