Contrariando o conselho do personagem ficcional Jack Reacher (da série do Amazon Prime) sobre fazer presunções sem base sólida, lá estava eu achando que o Jamie de Aaron Taylor Johnson, era a versão crescida de Jimmy, o menino que no início do filme e da epidemia de raiva há quase 30 anos, foi o único sobrevivente de um massacre familiar. Não foi pelas imagens do trailer, mostrando um infectado com as feições de Cillian Murphy, mas sim por rumores vindos sabe Deus de onde, que eu presumi que o agora astro vencedor do Oscar faria uma participação especial neste filme. Errado novamente. Considerando o final do segundo filme da franquia, eu também estava certa de que o vírus havia se espalhado pelo mundo inteiro, mas fiquei feliz ao saber que este não era o cado e não foi por ter passado por uma pandemia recentemente com vocês. A concentração da doença no lugar de sempre favoreceu o roteiro. Apesar de ser uma continuação, eu também acreditei que a saga dos zumbis velozes terminava aqui, até entender que se tratava da parte 1 de três filmes novos. Estas e outras precipitações causaram surpresas boas e algumas vezes um pouco de frustração, mas que a verdade seja dita: meus olhos não desgrudaram da tela com expectativas mantidas, subvertidas ou dissolvidas.

Superou o segundo… não é tão bom quanto o primeiro, mas considerando que a história ainda está em andamento, ela pode subir ou despencar de posição após o lançamento da segunda parte, quando a direção irá inexplicavelmente mudar de mãos e elas não parecem ser muito firmes. No momento, este é um trabalho muito bom que reuniu os antigos parceiros Danny Boyle e Alex Garland, responsáveis pelas ideias que revolucionaram o universo zumbi nos filmes de terror. Garland é o incrível roteirista que se converteu em um ótimo diretor e Boyle é ainda uma das mentes mais criativas do cinema, que transformou o medo em pânico histérico, removendo o sobrenatural desta categoria e acelerando os monstros de maneiras plausíveis. Seu retorno aos raivosos britânicos continua experimental, com a ambição de renovar o gênero novamente e permanecer assombroso. Uma escolha artística que interrompe a narrativa tradicional o tempo inteiro, chamando bastante a atenção do público, são pequenas inserções de imagens de arquivo de momentos históricos da humanidade, igualando sem margem para interpretações equivocadas, os hábitos e as tradições de outros tempos à nova realidade pós-apocalíptica dos personagens. O mundo acabou, mas a vida continua, como sempre tem sido desde o princípio de tudo. Nada impediria a população restante de seguir em frente, nada impediria a civilização de se adaptar.

Neste clima de levantar e sacudir a poeira, do único jeito possível em uma catástrofe recente… nunca definitiva, encontramos uma vila que há muito tempo deixou de ser povoada por meros sobreviventes, por dois fatores importantes: segurança e resiliência. A paz impera, assim como a economia de recursos e o preparo constante contra possíveis ameaças. Estamos de volta às comunidades tribais e neste caso a rotina tranquila, sem contato com os infectados que teimam em não morrer, é possível porque os saudáveis vivem em uma pequena ilha próxima ao continente, de acesso limitado diariamente. Todos colaboram e todos possuem uma função indispensável, mas existe compreensão suficiente para que a esposa de Jamie, sofrendo de crises nervosas inexplicáveis, seja poupada sem julgamentos desta dinâmica. Quem não escapa é Spike, filho de Jamie, que no auge dos seus 12 aninhos já está amorosamente sendo convocado para sair da ilha pela primeira vez. A atividade perigosa que em diversas ocasiões gera resultados fatais, é uma forma moderna de resgatar o ritual de passagem da puberdade dos povos indígenas, já que a caça não fala de busca por suprimentos e sim de sobrevivência e treinamento. Quando Jamie parte para o continente com Spike em uma manhã qualquer para retornar no mesmo dia, aproveitando a maré baixa e usufruindo de uma fanfarra incentivadora surreal na vila, que vai do “boa viagem” ao “sejam bem vindos novamente”, é impossível não formar uma nova expectativa, de que o filme se transformará em um road movie, mas esta suposição é mais uma que cai por terra rapidamente. O filme fala de uma jornada diferente. 

Quando entendemos que a contágio se espalhou um pouco mais desde os primeiros 28 dias, porém continua contido e o resto do mundo revolveu esquecer daquela parte do planeta, como reforça a presença de um soldado forasteiro, que ao contrário dos nativos, não parou no tempo e utiliza referências modernas que os mais novos não conseguem compreender, resta descobrir como os infectados resistem às limitações da própria doença depois de tanto tempo. Os criadores do primeiro filme não negam que o período de incubação seja curto para muitos contaminados, já que os vemos por toda a história, só que em uma quantidade que possibilita o combate; mas devem também ter considerado a paciente 1.2 do segundo filme e a condição genética dela, para justificar alguma espécie de mutação na segunda onda de contaminações, que gerou “zumbis” mais evoluídos. É a primeira vez que temos categorias distintas para os vilões, possível somente pela longa espera por uma sequência nesta franquia, com o fator tempo se manifestando de modos diferentes em corpos adoecidos diferentes. Temos os lentos rastejantes que consomem tudo o que encontram, desviando do maior atrativo destas histórias, sem perder o potencial ameaçador. Temos os mais mortos do que vivos, que irão desaparecer em dias e temos também as versões premium dos contagiados, que estão carregando o vírus de maneira surpreendente e assustadora, somente há alguns passos de distância de serem considerados primitivos comuns. Até hierarquia existe entre estes últimos exemplos mencionados e um dos líderes é do tipo que gera impacto no público, pela digamos, grandiosidade de sua personalidade. 

O modo como a narrativa se apresenta, é bastante incomum. Como foi mencionado antes, nem tudo são rosas fétidas e ensanguentadas neste filme de terror, que esperamos tanto tempo para ver. É como se estivéssemos diante dos três primeiros de seis ou oito capítulos de uma minissérie e não um filme normal, sem que este fato tenha sido previamente acordado entre as partes… produção e audiência, para ser esclarecido somente quando percebemos que personagens ganham e perdem destaque, dependendo do episódio (ou no caso, na parte específica da história). De qualquer forma, a direção de Boyle é mais do que competente para fazer uma transição entre protagonistas, quando o seguinte permanece tão interessante quanto o anterior, enriquecendo uma história cheia de elementos a serem estudados pelo público, depois que as luzes da sala do cinema se acendem. Sai o pai, entra a mãe (Jodie Comer, maravilhosa), para a nossa estranheza à princípio e depois para abençoar o roteiro, quando eu achava (e eu preciso parar de achismos) que ela seria completamente desperdiçada em uma cama por toda a história. O mais interessante, é que ela não vem para assumir o papel de responsável pelo menino, pela porção do filme em que acompanhamos sua presença com admiração e tensão. É para que ela sempre esteja ao lado de Spike, que o jovem desbravador se aventura pela floresta contaminada, em busca de uma lenda criada por sintomas clássicos de isolamento e medo. A história é ampla, mas a jornada é toda daquele que nasceu em uma parte do mundo que se recusa a morrer. Eu mal posso esperar para ver o menino crescer.