Antes de abordar a história ou o gênero ao qual ela pertence, a meta deste longa é ser reconhecido como um grande feito técnico. “Olha só o quanto ensaiamos esta tomada”, nos diz o diretor. Presença é um filme bastante incomum e ao mesmo tempo dentro de uma prática que pode virar moda. Ele me lembra muito o último de Robert Zemeckis, (Here de 2024 e os dois até terminam de maneira similar), pela proposta de desenvolver todo o roteiro dentro de uma casa. Ao contrário de Zemeckis, Steven Soderbergh, que também é um diretor experiente, renomado e premiado, permitiu que sua narrativa explorasse a residência inteira, porque o desafio era um pouco diferente e parece que é isso mesmo que estas produções representam: desafios para profissionais que não precisam conquistar mais nada e portanto, podem experimentar à vontade atrás das câmeras, como estudantes de cinema patrocinados por grandes estúdios, deixando a mensagem, tão presente em seus antigos filmes, para segundo plano. Enquanto o diretor de Náufrago e Forrest Gump, chama o amigo Tom Hanks para um atípico “câmera-parada-enquanto-capta-milênios-passando”, o diretor de Erin Brockovich e Doze Homens e Um Segredo, faz sua câmera passear por toda a casa, em diversos planos-sequência, interrompidos pelo mínimo possível de cortes. É a moda da reversão do cinema para uma peça de teatro, pelas mãos de quem fez carreira abusando do dinamismo e da liberdade que o cinema proporciona.

Soderbergh, que eu tenha conhecimento, só se aventurou no terror uma vez antes, com Distúrbio (Unsane – 2018), mas só porque fez do projeto algo mais apropriado à filmografia de um forasteiro na categoria. O sobrenatural precisava ser ambíguo até ser eventualmente esclarecido, transformando o gênero daquele filme, de terror habitual para terror psicológico. Aqui ele parece estar menos tímido com o tema fantasmas e casas assombradas, mas somente porque usa os elementos clássicos de uma maneira totalmente diferente, por todo o filme. A visão do público é limitada a uma única locação, porque a câmera representa alguém que até consegue se locomover pelos cômodos, mas que por forças maiores permanece confinado àquela casa. O que o diretor nos oferece, é uma história de terror acompanhada exclusivamente do ponto de vista do espírito que assombra a família e eu devo admitir que é um conceito intrigante, porém, até que a história pegue no tranco, a sensação não é a de ter a perspectiva de alguém invisível, mas sim a de ver os atores fazendo um esforço para ignorar o operador de câmera, com um resultado constrangedor. Algo no movimento da captação de imagem, quando por exemplo o espectro “vira a cabeça” vagarosamente, para que a cena não perca o foco; nos diz que o filme conta com um ótimo profissional no equipamento e isto quebra o que conhecemos como natural, dentro do sobrenatural. 

Eu vou justificar aqui que, mesmo tendo abordado o quão confuso ficou o formato, talvez estas ausências de viradas bruscas e da personalidade do “observador” tenham sido uma estratégia, já que ela realmente não funciona muito bem para o efeito desejado e o diretor não é um novato. Quando o espírito começa a interferir, ao invés de só observar, o público sente mais o envolvimento do morador oculto na rotina da família, com a mudança na linguagem utilizada, um pouco mais enérgica e… com o perdão da palavra… viva! A grande sacada do filme, é subverter algumas expectativas em relação a histórias desta natureza. Não é exatamente sobre o motivo da presença na casa e sim sobre a escolha em mostrar a história sob a vigilância desta presença. Existem algumas teorias sobre o morto, como se a identidade fosse importante, mas felizmente nada é confirmado ou negado, porque o que interessa é que há um contato que precisa ser estabelecido, entre os dois mundos. Não em prol do terror e sim do desejo do personagem que nunca aparece. O público está com ele (ou ela) para testemunhar a agonia, o desespero da ausência imposta e compreender aquele que quer… que precisa participar e não tem como. 

Depois da morte repentina de duas adolescentes da escola, a família Payne se muda para uma casa nova em um distrito privilegiado da cidade, na esperança de proteger os filhos da possível “praga de overdose” acontecendo de onde eles vieram. A renovação também acontece em prol de Chloe, a filha mais nova e melhor amiga de uma das garotas que morreu. Em meio a diversas crises em casa, inclusive uma que pode levar um dos membros da família para a prisão, Chloe, que ainda sofre pelo luto e pelas consequências de não ser tão celebrada quanto o irmão Tyler, é a primeira a notar os eventos estranhos e a acreditar que algo sobrenatural acontece naquele lugar. O medo à princípio, é de que a menina esteja inventando drama para conseguir atenção, por estar sob o efeito da tristeza, ou algo pior e muito mais preocupante para a família, mas logo a atividade paranormal fica visível para todos, porque se trata de uma energia que quer muito se comunicar. A dúvida que se instala então, não é se há um fantasma na casa e sim o que ele está fazendo lá. Existe alguma coisa que alguém possa fazer por ele? Ele veio com a mudança ou já estava no pacote da compra do imóvel? O curioso é que nem a própria presença parece saber qual o propósito dela com a família, restando apenas acompanhar o cotidiano pacientemente, até que algo chame sua atenção. A conexão que a entidade forma com Chloe, nos fornece algumas pistas, assim como a presença de uma médium na casa em duas ocasiões, mas é o twist “refletido” no final da história, que fornece a teoria mais ousada sobre a identidade do espírito. 

Todos os personagens que conhecemos no filme são moradores ou visitantes na casa e mesmo assim, através da visão do bisbilhoteiro, é interessante o quanto de informação que conseguimos captar em pouco tempo, não só sobre o cotidiano da família, mas também sobre a vida externa que o personagem sem corpo não tem acesso. É por conta desta impossibilidade de sair da casa exatamente, que algumas pontas ficam soltas no filme, mas isto o torna mais inteligente e cuidadoso. Mesmo que o fantasma tenha o passe livre, isto não é usado no filme para nos fazer perder tempo, com uma quantidade chata de cenas descartáveis. Também não é usado para que o público tema a presença que atormentaria por prazer, no caso de um terror normal. Uma sequência muito estranha, na qual o espírito manipula objetos materiais facilmente, com o propósito de se apresentar para Chloe, foi tão atípico e indiscreto, até para esta história incomum, que eu só consigo presumir que a função dela era realmente deixar de associar o sobrenatural ao medo. Talvez o primeiro parágrafo não tenha sido muito justo, quando insinuou que um projeto mais experimental como este, não se importe tanto em passar uma mensagem, quanto em ser lembrado pela cinematografia diferenciada. A verdade é que há um recado, principalmente para os fãs do gênero. Muitas vezes focados nos aspectos mais extraordinários destes filmes, deixamos passar batido onde está o terror verdadeiro. Não é porque um filme é sobrenatural, que o medo, ou o perigo tenham que vir desta característica da história. Esta é uma experiência imperdível para cinéfilos (que os fãs de terror podem rejeitar sem culpa), feita para ser vista mais de uma vez, repleta de ideias inovadoras e ótimas atuações.