Levi (Miles Teller) e Drasa (Anya Taylor-Joy) são dois franco-atiradores trabalhando para seus governos ou para contratantes particulares, dependendo da oferta. Não vou classificá-los como assassinos de aluguel, para não dar a impressão de que dependendo da ocasião, o alvo a ser eliminado chega perto dos atiradores. É uma profissão que eles encaram sem glamour e através das lentes potentes de equipamentos tecnologicamente avançados, usados para que a distância seja sempre segura. Só que mesmo sem a proximidade física, a atividade continua sendo um ato de violência e ambos sentem as consequências psicológicas da matança. Outro efeito colateral da profissão, como uma possível exposição, força Drasa a se esconder… ao mesmo tempo em que Levi é convidado a voltar à ativa. O interessante, é que nessa altura dos acontecimentos, eles ainda não se conhecem, mas servirão de espelho um para o outro em breve, quando suas missões os colocam cara a cara (de uma certa forma) e vemos a história transitar de um drama militar para o romance de terror, com toda a estranheza que esta manobra tem o direito de causar. O bônus, neste filme fora do comum, é que o roteiro não é construído de uma forma clássica, exatamente por não se apegar totalmente a nenhuma categoria.

A reação de Levi é diferente da do público. Ele fica incrédulo, mas nós, que sabemos que se trata (também) de um filme de terror, ainda ficamos surpresos. Caindo de paraquedas (não é uma figura de linguagem) em um território desconhecido para uma missão de um ano, tão secreto que nem o Google pode saber a respeito, o jovem americano é recepcionado por um oficial britânico, a quem Levi deve render sozinho na função. Depois de 365 de trabalho solitário, o soldado a serviço de sua majestade passa o ponto para o americano, revelando antes as peculiaridades do contrato que o aguarda. O trabalho consiste em vigiar uma torre e seus arredores, construídos durante a Segunda Guerra Mundial, próximo a um desfiladeiro gigantesco, sendo que do outro lado do abismo uma estrutura semelhante segue o mesmo protocolo: o da rotação anual entre dois soldados. Geralmente se trata de um russo, mas quem acompanhará Levi há uma distância que impede comunicação verbal e contato físico pelos próximos doze meses, é a lituana Drasa. Abastecido de comida, livros, música e armamento pesado, fornecidos pelos respectivos lados opostos do planeta, os dois precisam proteger o perímetro, para que nada no local escape e ameace a população mundial. Dentro da fenda há muitas décadas, está o exato motivo do sentimento inicial de descrença de Levi. 

Pense no choque inicial provocado por Um Drink no Inferno, quando descobrimos que não se tratava de um filme de ação policial. Pois é, o design das criaturas, ou o conceito por trás do surgimento delas, não são as coisas mais inovadoras, mas o que dá uma sacudida nas estruturas, mesmo que estivéssemos percorrendo uma estrada que levaria ao terror, é a total falta de indícios sobrenaturais até o aparecimento de formas estranhas e dos primeiros ruídos animalescos. Assim que o britânico se vai, acompanhamos a adaptação ao novo emprego pela perspectiva de Levi, na porção dramática da história, que enfatiza a solidão e o trauma atrelados à profissão, se sobressaindo às cenas dos procedimentos de segurança e da exibição da artilharia de guerra, que será amplamente utilizada no filme, mas não antes do estabelecimento do flerte inicial entre os habitantes das duas extremidades do desfiladeiro. A história primária, na verdade, é o romance que se desenrola entre os solteiros, fortemente armados e separados por um precipício, então mesmo depois do primeiro encontro com os monstros, o filme nos faz antecipar com muito mais investimento emocional, o primeiro encontro entre os pombinhos. Todas as categorias as quais este filme pertence e não são apenas as já mencionadas, todas as reviravoltas do roteiro, trabalham paralelamente à história mais importante, que é a de almas gêmeas que se encontram na situação mais improvável possível. 

Não é uma estratégia das mais fracas para manter o público completamente engajado, principalmente nos predominantes momentos de quietude, ou talvez seja a menininha em mim super empolgada com o “meu casal”, que é perfeitamente capaz de se defender separadamente, mas que fica tão mais emocionante quando combinam as habilidades para defender um ao outro! Agora, vamos deixar claro que mesmo abordando temas dramáticos e com dois atores trabalhando com seriedade, Entre Montanhas não é para ser encarado como muita coisa além de uma aventura divertida. Não vamos questionar a inviabilidade de apenas um soldado por torre. Não vamos questionar a insanidade da escolha em manter um local daquele ativo. Não vamos questionar como as criaturas se mantêm ou quais são suas motivações. A menininha nem vai falar do corte de cabelo imutável de Drasa, após meses de serviço. Eu só quero informar o quanto o filme me entreteve, insultando todos os meus neurônios sem dó. Outra coisa, não é porque o amor da dupla de protagonistas rouba a cena do próprio terror, que os inimigos não tenham charme.  Os monstros mutantes, parte-planta, parte-bicho, parte-gente, parte-sei-lá-o-quê, cujas inspirações vão do horror à fantasia, seguram bem a porção do filme que mais interessa a este blog, com bastante imprevisibilidade e sangue nos olhos, em uma cota respeitável de cenas arrepiantes. 

Dirigido por Scott Derrickson, de diversos filmes que eu gosto, este longa pode representar o futuro do cinema americano, se Hollywood ceder a Bollywood e enfiar um monte de gêneros na mesma produção. A gente não iria mais perguntar se alguém gostou de um filme, mas sim de qual seguimento gostou. Resolveria também a estressante e interminável escolha pelo título perfeito no serviço de streaming, porque parece que quanto mais opções temos a nossa disposição, mais confusos e indecisos ficamos. Muitas vezes, tudo o que precisamos é de uma história de amor que conquista tudo… deixando para trás todos os demônios individuais internos… e não se intimidando com espionagem internacional… ou com figuras militares mortas-vivas, que não desmontam de seus cavalos mortos-vivos, nem depois de décadas após o fim da guerra… só para distrair um pouco a mente num sábado a noite com a família. Uma euforia, uma empolgação, um tdah delicioso. Cretino e perfeito simultaneamente, com um pouquinho de cada coisa e sem se aprofundar em nenhuma destas coisas.