Pode parecer algo frívolo, mas alguns preciosismos fazem muita diferença, quando o assunto é destacar das demais uma produção feita para a televisão, como os detalhes que percebemos neste filme, por exemplo, que não escolheu uma trilha sonora genérica, ou a seriedade do silêncio, mas sim os ruídos do cotidiano da família, para acompanhar os créditos de abertura, tão simples com sua tela preta e seus caracteres brancos, porém, tão eficiente em nos aproximar de personagens que ainda não conhecemos, com esta decisão aparentemente sem tanta importância. Baseado em um livro do mesmo nome sobre um suposto caso real, A Casa das Almas Perdidas possui o “Selo Ed e Lorraine Warren de Excelência”, deixando ainda mais evidente, principalmente com o público atual, que esta história obscura e esquecida vale as duas horas da sua atenção. Escalar atores competentes, com um pé na t.v. e o outro no cinema também ajuda no quesito credibilidade, ainda mais quando os elementos extraordinários do roteiro, ameaçam o clima de “gente como a gente” que a produção precisa manter. A boa execução de um certo número de cenas sinistras são indispensáveis, mas eu vou decretar aqui que… a sequência do estupro do pai da família, por uma entidade demoníaca… sempre colocará este filme em uma categoria especial e nunca deixará de surpreender pela ousadia, de exibir algo tão forte e controverso na televisão aberta, em qualquer época.

O filme não tem uma grande lição de moral e para ser honesta, também não estamos acompanhando o esclarecimento de um mistério sobre as origens das ocorrências paranormais. Não há também um plano em ação para o combate do mal naquela casa. Apesar de religiosos, os moradores não são retratados como santos, mas também não são o tipo de gente que poderia atrair entidades malignas (de acordo com as regras do cinema de terror, é claro). Os primeiros incidentes são ambíguos (e nunca declarados como parte do problema), podendo ser confundidos com pequenos episódios de distração e acidentes domésticos, dos quais os moradores nem se lembrariam se posteriormente a situação não ficasse insuportável. Nenhum vizinho, antigo morador, ou padre excomungado aparece para alertar sobre perigos, como acontece nestes filmes. O cotidiano é normal, até começar a não ser e mesmo depois de ficar claro que aquele ambiente é diferente, a vida segue como deveria ser para pessoas comuns, ao invés de personagens fictícios. Não há maldição na família ou propaganda religiosa por trás da história… talvez marketing para o livro, mas o filme não contém muitos dos elementos habituais de um conto de terror. Por estas “faltas”, alguns podem considerar a construção da narrativa estranha e irregular, mas para mim, a irregularidade e inconstância dos acontecimentos, assim como a ausência de diversas explicações, deixam o filme mais assustador do que muitos do gênero. 

Almas Perdidas se passa nos anos 70, após a passagem do furacão Agnes pelo estado da Pensilvânia, quando uma família que perdeu tudo no desastre, se muda para uma casa antiga onde muitos reparos precisam ser feitos. É o que eles conseguem pagar. Janet e Jack Smurl, com suas duas filhas pequenas e as gêmeas que ainda estão na barriga, dividem a pequena propriedade em duas, para acomodar os pais de Jack, que também foram afetados pelo furacão, em uma idade que torna toda a situação mais agravante. Descobrimos com o tempo, que a vizinhança inteira foi construída em cima de antigos túneis de mineração, mas eu prometo que isto não importa tanto. Alguns anos se passam, até que pelo menos Janet perceba os fenômenos sobrenaturais, já que as entidades parecem depender de alguma condição para iniciarem de vez suas manifestações. O curioso é que o filme não justifica esta demora no trabalho dos fantasmas, apenas nos oferecendo as teorias de alguns envolvidos. A única coisa certa é que com o fim da timidez do além, tudo fica mais evidente, visível, sonoro, palpável e impossível de ser ignorado. Uma ameaça real se instala na casa e a notícia se espalha pela comunidade, que em grande parte apoia a família na busca por uma solução. A igreja católica se envolve como pode, a imprensa é acionada e em um determinado ponto, os então desconhecidos demonologistas Ed e Lorraine Warren são chamados, mas o que qualquer um pode fazer? Com o passar dos meses e dos anos, sem uma saída definitiva para o problema, a questão que fica conosco é: E se fosse na minha casa, com a minha família? 

Este é um grande exemplo de um terror da infância, que eu só estou revisitando pelo blog! Não porque o filme é ruim, pelo contrário, eu só não estava louca para ver esta produção novamente, porque o trauma permanece desde aquela época. Algumas imagens e conceitos sobre terror e maldade na história da família Smurl, ainda estavam gravados na minha mente desde os anos 90. Eu me lembrava direitinho do espectro escuro na cozinha, da voz misteriosa que imita pessoas da família ao gritar “Janet… JANET!!”. De tantas coisas que eu assisto, eu sabia exatamente de qual filme eram as cenas das assombrações que não davam trégua aos assombrados, nem quando eles saiam de casa para acampar. Eu me lembrava da comunidade aparecendo com velas acesas na casa… e dos jornalistas do lado de fora se unindo a estas pessoas para rezar, dobrando os joelhos e tudo, quando o desespero da família comoveu a todos. Dormir tranquilamente foi um problema para todos nós espectadores, por alguns dias, depois da exibição do filme. Todo mundo ficou com medo de ouvir alguma coisa no travesseiro. Sob uma nova perspectiva, já adulta e acostumada com o terror, fica difícil não observar as insuficiências deste filme antigo e de orçamento limitado, mas falando francamente, é 2025 e eu ainda não o assisto em uma tacada só. Escureceu, eu paro! 

Não, os efeitos especiais não são mais os melhores para dar medo. Apesar de que, a versão remasterizada disponível no Youtube, com suas compensações na velocidade dos frames e outras adaptações, acabam distorcendo fisionomias e olhares, criando um terror acidental especialmente para o público atual. Como um relato verídico, o filme não é livre de controvérsias. Assim como não é nenhum, de qualquer gênero, baseado em fatos reais! Pessoas mentem pelas razões mais ridículas, então nem vamos questionar os motivos para uma invenção desta natureza, mas o que chama a atenção em Almas Perdidas é que este relato é extremamente atípico. Os acontecimentos são, como foi falado antes, intermitentes e aleatórios, além de enigmáticos na questão do investimento de tanto “ectoplasma” para atormentar uma família como outra qualquer. Do mesmo modo que não é só uma pessoa de credibilidade duvidosa passando por isso. Existem os testemunhos dos vizinhos, de amigos das crianças e o fato de que os Smurls não saíram da casa depois de poucas semanas da mudança, correndo para uma editora de livros, com uma história de terror clássica para contar. Foram anos de pedidos de ajuda, discretamente à princípio, para depois de muitas portas na cara ceder à divulgação em massa, mas sempre com o objetivo de colocar um fim ao fenômeno. O filme documenta isso muito bem, tentando não florear, não exagerar e não amplificar o que já deve ter sido um pesadelo, apenas para nos entreter melhor. É um dos terrores mais assustadores que existem, mesmo que a base sustentando o enredo não seja repleta de reviravoltas.