Um padre com pinta de galã… efeitos práticos de teatro, para fazer o possuído sangrar, levitar e qualquer outra coisa que possuídos de cinema fazem… uma cenografia eficiente, com objetos funcionais que não distraem antes do tempo e uma iluminação que faz o público acreditar que todo o trabalho está sendo feito pelas velas… conexão firme e confiável com a internet, para suportar a live, o chat e talvez até um QR Code, para a venda de mercadorias oficiais do site e é isso aí… temos um streaming de sucesso moderado! O programa pertence a dois aspirantes, um à cineasta e o outro à fama, utilizando sessões semanais de descarrego, transmitidas para um público relativamente baixo, porém internacional e fiel, com a intenção de serem descobertos pelos grandes estúdios. Pelo chat ao vivo, dá para perceber que alguns só assistem pelo padre-colírio, que outros estão ali apenas se divertindo, mas muitos são atraídos pelo final feliz de cada episódio, quando o combate do bem contra o mal ganha o valor sentimental de um seriado bíblico. O que garante as visualizações para Max, que nem ao clero pertence e para Drew, que sonha com um trabalho digno na área, é o que menos importa. Tem dias que é só sobre os boletos mesmo.
Em 2016, o diretor Damien LeVeck e o roteirista Aaron Horwitz, fizeram um curta de terror, tendo como base as próprias experiências em Hollywood, trabalhando com reality tv. Não por estes programas de competição, com anônimos ou subcelebridades, serem mal assombrados. Como o próprio diretor explica, a ideia veio do fascínio que os criadores tinham pela credulidade do público, em acreditar que o que estão assistindo é algo genuíno e sem nenhuma manipulação. Pois é, eu as vezes também me pego intrigada com a torcida ferrenha, capaz de deslanchar ou cancelar carreiras, por quem lavou mais a louça na “casa vigiada”, passou mais horas em uma posição desconfortável, ou pelo talento desconhecido com a história mais triste, cantando diante dos juízes do entretenimento. O curta, contando a história de um reality cheio de falsidades, que se torna fatal quando resolve ser verdadeiro, era bem legal, mas faltava um pouco mais desenvolvimento para os personagens, reviravoltas e cartas na manga, para serem utilizadas pelo vilão, ou basicamente, faltava tempo! Eis que poucos anos mais tarde recebemos este filme, produzido pela mesma dupla, com a missão (cumprida) de adaptar seu conceito original, sem nos deixar com a sensação de assistir a algo esticado. Trata-se de um caso raro de longa melhor do que o curta que o inspirou.

Max, a estrela e Drew, o diretor, já acreditaram em batalhas sobrenaturais por um período de suas vidas, na infância, quando iniciaram a amizade como dois coroinhas. Na verdade, Max só não foi aceito no seminário porque o objetivo dele era algo fantasioso demais e já indicava os sinais de estrelismo na personalidade do jovem: ser um padre exorcista! Só que a idade chega, fazendo todos abandonarem os sonhos criativos por profissões mais seguras, mas é interessante ver os dois amigos unindo o melhor dos dois mundos, mesmo que o sucesso seja limitado e o prestígio, quase inexistente. Eu pensei que a narrativa os enfiaria em uma destas enrascadas típicas, que surgem quando o desespero por mais visualizações fica insuportável. Eu antecipava um episódio extraordinário em um cemitério, ou outro truque de péssimo gosto, que certamente não chamaria a atenção de Hollywood e sim de uma entidade ainda mais nociva, mas nem foi necessário. Nesta história super divertida e cheia de sustos, a primeira impressão sobre o além dos amigos de infância era a real! Tudo estava pronto para mais um programa de praxe, mas utilizando mais uma vez elementos sagrados em rituais enganosos, eles despertam uma entidade maligna, que não segue roteiros ou ensaios e veio para cobrar sua participação nos lucros da parceria.
A Hora do Exorcismo nem se acanha ao tirar sarro da nossa inocência, quando continuamos a dar audiência para este tipo de conteúdo, porque todos nós temos aquela… como dizem os americanos… “droga de escolha”, ou seja, aquele programa vergonhoso que assistimos por pura distração mesmo. A única coisa que nos diferencia uns dos outros, é o tipo de bobagem que escolhemos ver. Com cenas mostrando o público do streaming, em várias partes do mundo, vemos que se trata de gente como a gente, independente dos motivos que os levam àquela programação. Estas cenas externas, não servem somente como uma quebra no clima pesado que se instala no estúdio. É muito interessante ver as reações dos fãs, quando o espetáculo habitual toma rumos inesperados. Poderíamos jurar que não seria assim, até entender que é mais realista do que se espera e diz muito sobre a nossa sociedade, quando crentes, não-crente e no caso deste streaming em particular, groupies, não modificam muito suas reações, tão enraizadas pelas próprias personalidades, diante de uma transmissão claramente mais violenta do que o de costume. Mas o melhor de tudo, neste título que nem inclui comédia nas categorias as quais pertence, é a linguagem própria do programa, como “trata-se de uma possessão nível 4”, que soa tão ridículo para não-fãs, mas sabemos como é fácil incorporar vocabulário inventado ao nosso cotidiano, quando apreciamos o inventor… Ah e o merchandising também, brotando na tela durante a live, sem vergonha nenhuma da blasfêmia nos produtos que está divulgando.

Se nas ruas, a galera está adorando o novo formato do programa, dentro do estúdio a história é bem diferente. O objetivo dos profissionais atrás das câmeras, completamente apavorados, é descobrir o nome do demônio que os assombra ao vivo. Aparentemente este artifício recorrente dos exorcismos falsos, pode ser útil contra o vilão milenar. Do outro lado, a entidade que tomou o corpo de uma figura chave dos bastidores, só pensa em castigar alguns pecadores por uma hora, mesma duração normal do programa, com ataques físicos e psicológicos que se tornam cada vez mais humilhantes e perigosos. Não é uma surpresa quando a manifestação real do coisa-ruim, atrai muito mais visualizações do que o normal a cada penitência que ele exige da equipe, mas… as surpresas estão por todo o filme, mantendo o público interessado na história, que tem predominantemente um argumento e uma locação principal. Apesar dos poucos personagens, o filme exibe uma quantidade absurda de sangue e de outras coisas bem mais nojentas e no final de tudo, a aparição de uma, digamos, celebridade, é tão marcante que até o título do filme sofre uma transformação. Eu recomendo ver o longa antes do curta, para que você confira melhor o ótimo trabalho de adequação da história, feito com prudência para durações tão distintas.
