Essa ideia de seguir aumentando a franquia Alien, cheia de filmes incríveis e filmes decepcionantes, poderia ser arriscada se o público não continuasse sempre interessado, porque no final das contas, mesmo que a história não atenda às expectativas, ou que Ripley seja uma protagonista não mais utilizada, é uma oportunidade de entrar novamente no universo de um filme de terror perfeito. O receio vem de que a obra original pudesse ficar diminuída, pertencendo a algo que nunca termina, só que isso jamais aconteceu. As insuficiências dos filmes 3 e 4, jamais mancharam o legado dos filmes 1 e 2. Assim como a nova leva, a partir de Prometheus (2012), que ainda luta para se encontrar em meio ao terror, a ficção e aos roteiros falhos, é válida por explorar de maneira bastante imaginativa, aspectos desta saga que se encontram fora do combate principal à criatura icônica. Talvez a tentativa de combinar dois mundos em um filme só, Alien vs Predador (2004), pudesse ter sido uma indicação do fim da linha para a franquia, porém, nem as bombas derrubaram a dignidade do monstro criado por Ridley nos anos 70, multiplicado por Cameron nos anos 80 e ressuscitado por Fincher e Jeunet nos anos 90. 

Romulus do uruguaio Fede Alvarez, roteirista de peso de alguns terrores modernos, já começa com tanto amor, com tanto respeito, que o sentimento que toma conta de quem assiste é a nostalgia, logo nas primeiras cenas, que com todos os recursos técnicos do cinema atual, escolhe movimentos de câmera, fotografia e direção de arte que abraçam sem receio os efeitos práticos, de computadores antiquados, luzinhas infinitas e máquinas gigantescas, em naves que mais parecem velhas casas de máquinas de tão mal iluminadas e entulhadas, como eram as geringonças espaciais dos primeiros filmes. Só que as referências não param nos estrelados por Sigourney Weaver. Foi preciso até uma breve conferência ao jogo, Alien: Isolation (2014), para compreender a extensão do clima de homenagem desta narrativa, com cenas inteiras, frases de efeito ou apenas menções, a tudo o que a precedeu. Agora, os visuais datados, que estão na tela para agradar nossos corações saudosos, não impedem que outro design, que atingiu o status de atemporal, feito para provocar outras sensações, cumpra o papel desejado com o público. É com muito prazer e pavor, que vemos todas as versões mais famosas dos alienígenas novamente, do ovo/planta, passando pelas aranhas “abraçadoras de rostos”, até o brutamontes Xenomorfo, sempre se comportando como vírus que só pensam em se espalhar e matar, sem abandonar a inteligência que os torna quase indestrutíveis. Década após década, com alterações pífias em cada filme, que somente obedecem às diferentes circunstâncias do nascimento do bicho, ele permaneceu com uma configuração que nunca sai de moda.

Nesta história nova, repleta de atores bem jovens, o evento que impulsiona a tragédia já é tão perigoso na premissa, que poderia ser considerado uma inconsequência adolescente, mas se trata de uma peripécia totalmente justificada. Estamos em um planeta de exploração mineral, com alguns milhares de colonos trabalhando para as indústrias Weyland-Yutani. Não há iluminação solar, ou muitos pais e mães sobrando, já que o serviço é de alto risco, letal para alguns e com uma carga desumana de trabalho para os que não morrem cedo. Todos precisam dedicar vários anos à empresa até pagar uma certa dívida, para ganhar a permissão de viver em um lugar mais agradável. Rain, uma das diversas órfãs do planeta, com um contrato nas costas que mais parece uma sentença de morte, é contatada por amigos de infância, agora que os pais de todos morreram, para participar de uma ousada tentativa de fuga. O grupo encontrou uma nave abandonada da corporação, vagando pela órbita do planeta e a esperança é que o veículo possua algo indispensável para longas viagens interplanetárias: Câmaras de Hipersono. Com elas, os jovens podem ir para qualquer lugar sem o aval de Weyland-Yutani, portanto para eles e para o público que os acompanha, o perigo compensa, já que a possibilidade de serem pegos não oferece uma retaliação tão diferente da que eles já têm no dia a dia, fora do crime. O único problema é que a nave em questão é o USCSS Nostromo… o mesmo do qual Ripley quase não escapou no filme de 1979.

Além das possibilidades conhecidas de confrontos e as mais violentas mortes do espaço, tão familiares para nós fãs do terror, mas nem consideradas pelos jovens prestes a se arriscarem tanto, um elemento extra de urgência entra na história, com um limite de tempo para a execução da tarefa, que só parece folgado em teoria, até que a nave a ser saqueada corra o perigo de se chocar contra os anéis do planeta a ser evadido. Não deixa dúvidas sobre a coragem, ou desespero dos personagens e da vida precária de qualquer empregado daquela companhia, assim como contribui para fazer do filme uma intensa aventura de terror, onde a ação, acontecendo quase que em tempo real, é ininterrupta e imprevisível, se desconsiderarmos o final, que não decepciona, mas parece interminável, e também o início, que se preocupa mais com a calma apresentação dos envolvidos na história e do estilo de vida local, do que com começar na pauleira, mas é assim que tem que ser mesmo aqui. Estes momentos proporcionados para nós, cheios de figurantes (tão raros nestes filmes) em cenários que nos lembram propositalmente as obras de ficção da década de 1980, são um sonho vintage e um presente para os apreciadores. 

Em cada filme da franquia, tivemos um robô infiltrado entre os humanos, para as mais variadas finalidades e aqui não poderia ter sido diferente. Tivemos o traidor Ash, duas rodadas com Bishop, o recente David, promovido à protagonista e até a miudinha Winona Ryder fez parte da família, porém “Andy” é o primeiro sintético dos filmes Alien a  ser apresentado como vulnerável e com a diretriz primária de proteger apenas uma pessoa. É claro que essa dinâmica irá (porque deve) mudar durante o filme, gerando ainda mais tensão na trama, mas é importante exaltar não somente a novidade de um androide que gagueja, mas também o afeto inédito que uma personagem de carne e osso desenvolve por ele, sem estar programada para isso. Andy é crucial para o funcionamento da missão, assim como para o desenvolvimento das personalidade que vemos nas telas. Vivido brilhantemente pelo desconhecido ator (em meio a tantos desconhecidos) David Jonsson, ele rapidamente se destaca como uma presença agradável em cena e o personagem se tornou um dos meus sintéticos favoritos da franquia.

Não é necessário assistir a todos para curtir este, apenas o primeiro, pela posição que Romulus ocupa na linha do tempo dos eventos.  Aparecendo assim, do nada, como um filme avulso que ninguém pediu, mas que também ninguém irá dispensar, Alien: Romulus coloca uma pausa na futura trilogia do robô David, para se encaixar no meio da saga original sem interferir nela, com a adição audaciosa de uma possível sequência para esta história. O filme é assustador, nojento e com diversas sequências que o impulsionam para uma posição de destaque entre os melhores da série, como a angustiante cena da travessia silenciosa e em alta temperatura, por um salão repleto de “abraçadores”. É muito gratificante retornar ao Nostromo e perceber o quanto ele era gigante, assim como visitar um velho inimigo, mesmo que a ressuscitação dele venha na forma de artes gráficas vergonhosas. Que venha o segundo filme da terceira spinoff (a primeira sendo “vs Predador” e a segunda sendo Prometheus). Tomara que eles esbarrem em Ripley… e que o CGI dela seja melhorzinho.