Nesta caminhada de análise crítica… e amorosa de filmes de terror, alguns títulos se destacam por serem tão desconcertantes que, apesar da admiração eterna, eu evito revisitá-los. Um exemplo clássico deste blog é o meu “pico do Himalaia pessoal”, O Iluminado (1980), que recebeu uma crítica feita de memória, sem ter sido visto uma última vez, para manter os gatilhos adormecidos. O Everest do terror de Stanley Kubrick, é o tipo que me causa desconforto até quando a calma reina, porque a impressão que eu tenho é que mesmo antes da família Torrance chegar no Overlook, o filme já se encontra silenciosamente dentro de uma realidade infernal. Vínculo Mortal me proporcionou, durante o filme inteiro, as mesmas sensações de medo e inquietação de outros terrores que eu não assisto muito, ou não assisto mais. Após o término, no entanto, o sentimento era de vazio e desencanto, principalmente por se tratar de um desfecho anticlimático e aparentemente incompleto, mas permanecia a cisma, porque eu sei que estas emoções sinistras não são fáceis de serem mantidas por tanto tempo, até mesmo quando aparentemente nada estava acontecendo e este feito não pode ser ignorado. Era necessário um intervalo significativo de tempo até uma conclusão justa sobre a obra, com pelo menos mais uma assistida. Trata-se de um novo clássico, ou de um esquecível cheio de estilo?

Então eu me encontro ouvindo “Bang a Gong” do T. Rex, cuja letra é mencionada em uma cartela de abertura retrô no filme. Noto na segunda assistida, detalhes que passaram batido, sabendo agora o quão mortal é o vínculo entre mocinha e bandido, referenciado no título. Percebo que a música tocando logo após o prólogo, que conseguiu me assustar de novo, com um dos melhores jump scares que eu já ví, não é a mesma da cartela, mas é da mesma banda de rock. Me frustro, ao ver que ainda não entendo o teste psicológico imposto à protagonista, depois que ela testemunha a morte violenta do parceiro, mas também não me coço para procurar o significado. É uma segunda conferência ainda, portanto não acho justo dar tanta atenção aos aspectos terceirizados de um filme, sem fazer o mesmo por todos os outros que vejo. Esta viagem é pessoal e no momento o que importa é ver se o medo se mantém, depois que os segredos são revelados. Eu adoro filmes como Trem Para Busan (2016), Corrente de Mal (2014) e Os Pássaros (1963), porque pertencem ao gênero e são divertidos, mas eu sei que nem todo terror precisa ser empolgante e ele certamente não precisa ser completamente esmiuçado, para compensar a seriedade. Ainda mais se ele cumprir o papel principal. A boa notícia com este título, é que o medo continua tomando conta da narrativa, mesmo quando já sabemos como ela irá se desenrolar.

Na história, o FBI recruta uma jovem agente especial para auxiliar na resolução de um mistério, que assombra o departamento há 30 anos. Estamos na década de 90, como anuncia Bill Clinton na parede do escritório e isto é importante porque também nos diz que a comunicação relâmpago da qual usufruímos agora, não será um recurso nos momentos mais tensos do trabalho. Para trazer um novo olhar sobre os dez casos de assassinatos múltiplos, a “altamente intuitiva” Lee Harker é convocada (Oi Maika Monroe! Faz uns cinco filmes de terror que eu não te vejo). O serial killer Longlegs, produtivo há três décadas, foi capaz em todas as mortes de infiltrar a residência de uma família desconhecida, forçar ou persuadir o pai a matar todos os familiares e se matar, sem deixar vestígios da própria presença física nas casas, além da carta codificada e assinada com seu apelido. Com a entrada de Harker na investigação, a atração do assassino por ela fica cada vez mais evidente, porque a certeza é que a conexão entre os dois já existia. As dúvidas são, como ela poderia romper esta ligação, sendo que a utiliza na caçada ao monstro e como ela irá derrotá-lo, sendo que ele claramente tem vantagens além das de um homem comum, podendo estar recebendo ajuda de forma sobrenatural e natural. 

O diretor Osgood Perkins, que também é ator e filho de Anthony Perkins (Psicose), possui uma carreira instável nas duas áreas e assina este roteiro, cheio dos truques habituais, mas com algumas cartinhas na manga, do tipo que incentivam um olhar mais cuidadoso para o filme, como este que acontece agora. No quesito dos clichês dentro do filme temos: se uma família com características das vítimas prévias, se apresenta cedo para o público, é uma certeza irritante que ela já está na mira do assassino. Assim como a boneca amaldiçoada irá abrir os olhos na “hora certa do susto” e as imagens macabras, passando pela mente da policial vidente, irão piscar na tela para nos perturbar. Mas é na conferência mais bem informada e caprichada do filme, que percebemos que a família margarina poderia ter sido poupada se não fosse aquela introdução e é por isso que Harker reluta tanto em entrar na casa. A cena antes vista como mais uma demonstração do sentimento de inadequação da personagem principal, ou da falta de educação dela mesmo, ganha um sentido diferente, como se Harker soubesse o que a presença dela atrai. Longlegs, o indivíduo, também começa a ficar evidente a partir de um ponto específico da história, apesar do cheiro dele estar impregnado pelo filme inteiro. A propósito, são as escolhas do diretor sobre enquadramento e fotografia, que sugerem e muito, a constância da maldade na tela e me fazem novamente buscar o serial killer nos cantos escuros da tela, que quase sempre mostra bem mais do que a ação principal, mesmo que eu não tenha visto nada demais nestes mesmo cantos na primeira sessão do filme.

Monroe está extra-esquisita no papel, mas como uma médium perseguida por um demônio, ela até que se comporta com muito decoro. Tanto é que em um momento oportuno de clarividência, seus conselhos são ignorados e uma tragédia não é evitada. Existem casos em que ser espalhafatoso no campo do psiquismo, ajuda a trazer mais credibilidade. De qualquer forma, é interessante rever suas caras e bocas e perceber que não eram expressões exageradas ou triviais. Nicolas Cage está incrível, com um pé no real e o outro extraordinário, exalando aquele ar satânico toda vez que está em cena e nos fazendo pensar nele quando não está. Sempre parte do filme, sendo esporádico nele. A caracterização do personagem, faz o ator parecer uma senhora maluca. Aliada à performance sempre chamativa de Cage, havia o risco de fazer o assassino parecer ridículo, mas isto não acontece. Enquanto o homem canta, grita, faz declarações tolas com uma voz infantilizada, ou até quando descansa no quartinho dele, que é obviamente a representação esperada dos aposentos de um maníaco homicida, não existem clichês ou históricos de atuação do ator, que nos façam duvidar da periculosidade de Longlegs. É importante reconhecer que não apenas Cage e Monroe, mas todo o elenco está empolgado e perfeito nos seus papéis.

A campanha de marketing para o filme foi uma das mais eficazes que eu já vi. Começou com vídeos enigmáticos e assustadores, que nem mencionavam Vínculo Mortal e eram postados no canal do Youtube da distribuidora. A galera (como eu) surtou e não demorou para que teorias e especulações começassem a surgir. O problema disso é que expectativas são formadas e o resultado nem sempre está à altura. O medo era ser influenciada pelo que eu achava que o filme deveria ter sido, cometendo uma injustiça na avaliação e não dando o devido valor para algo potencialmente muito especial, como foi o caso de O Iluminado, na época do seu lançamento. Eu não menciono este clássico com frequência aqui, apenas pelo que o filme representa para mim, mas sim porque Vínculo está repleto de referências do terror com Jack Nicholson. Eu acredito ser uma sugestão nada sutil de Perkins, que espera que o filme dele também seja revisto várias vezes e analisado, porque foi feito com esta intenção. Eu mordi a isca e reconheço que ainda têm muita coisa para ser considerada neste filme. Livros, músicas, datas e símbolos. Cenas repetidas em cenários diferentes. Vizinhanças tão semelhantes que confundem nossa percepção das coisas. Só que vamos deixar para desvendar mais elementos em outra ocasião, já que ele não é tão recreativo quanto ver o povo correndo de zumbis ou de pássaros. Neste momento, eu posso dizer que gostei bem mais do que quando o vi pela primeira vez e deixamos assim. Vai que assistidas cada vez mais aprofundadas, em intervalos tão curtos de tempo, revelem uma fraude elaborada, ou pior… me deixem com tanto medo, que aconteça o que aconteceu com o clássico de 80 e eu não consiga ver este filme nunca mais.