Não é possível, eles pensam. Mãe, pai e filho, diante de uma casa muito espaçosa e de altíssimo padrão, que com o orçamento deles dá até medo de chegar perto. O anúncio dizia: “preço razoável”, mas até para a época, aquele valor pelo verão inteiro parece surreal… então qual é a jogada? Pois é, esta pergunta está na mente do marido, nas nossas mentes, mas os sinais não estão visíveis para ninguém. Pelo tamanho, pelos poucos cuidadores e pelas centenas de anos de existência, o local está muito bem conservado. Os donos, dois irmãos idosos, um pouco excêntricos na devoção excessiva pela residência, são também muito doces e inofensivos. Um funcionário encarregado da manutenção da propriedade, desfrutando da liberdade de ser boca dura com os patrões de vez em quando, nos assegura que há espaço para desentendimentos no local, sem a ameaça de retaliação. Não há nada que indique perigo, além de acordes esporádicos de uma trilha sonora suspeita, então não há escolha a não ser ficar do lado da esposa, que está encantada com a oferta, ao contrário do marido, que está certo de que os donos não batem bem, largando a mansão que tanto amam na mão de estranhos por uma pechincha e pior, deixando para trás a mãe centenária e reclusa. Sei lá… sei não!
Uma coisa ainda mais confusa para um terror da época, além da ausência de cenas geradoras de medo como é o caso aqui, é que o filme está repleto de estrelas de Hollywood, uma delas, a diva Bette Davis, aparece no papel da tia Elizabeth, que irá passar os dias sossegados com a família do sobrinho e acaba quase roubando cada cena em que aparece. Quase, porque não seria uma tarefa fácil tirar o foco do enigmático Oliver Reed, com sua presença dominante como Ben Rolf, o pai da família e Reed não é de dividir a atenção do público com ninguém. Ainda temos Karen Black, figura assídua no cinema independente (e nas grandes produções também) dos anos 70, interpretando a deslumbrada Marian Rolf, que limpa toda a casa sozinha, como prometeu aos proprietários que faria, com um entusiasmo que nem parece que quando chegar na metade da mansão, a primeira parte já estará coberta de pó novamente. Burgess Meredith (o Mickey, treinador do Rocky Balboa) faz Arnold, um dos donos da casa, passada de geração em geração, com um cemitério próprio nas proximidades, onde diversas tumbas exibindo o mesmo sobrenome, servem como comprovante de posse. Assim que a família chega, os irmãos já se foram, provavelmente para férias em um lugar menor e menos glamuroso. A mãe centenária que permaneceu na casa, só deixa os aposentos para recolher a bandeja com comida, sem nunca ser vista por ninguém e este hábito deixa os Rolf confortáveis. Não que eles fossem aprontar algo no local ou desrespeitar as regras da casa, o lance é mais sobre privacidade e a sensação de pertencimento, que será muito explorada adiante.

Não há outra opção para o público por um bom tempo, a não ser admirar os cômodos, os jardins, o bom gosto na decoração do casarão, enquanto nada sobrenatural acontece. Onde estão as aparições, os sustos? Com tanta gente boa no elenco, incluindo o ator mirim que faz o menino David, é difícil também não apreciar a química entre os personagens, que é muito competente em demonstrar a união entre os membros da família, sem gestos excessivamente fofos ou um histórico dramático como pano de fundo. Como eu queria que outros filmes sobre casa mal-assombrada, porque é disso que se trata A Mansão Macabra, mesmo que seja com uma calma fora do comum; não tivessem cenas inicias açucaradas, como se o público precisasse ser lembrado dos laços que conectam os personagens, para não questionarmos ninguém sendo deixado para trás quando o bicho começar a pegar. Sejam mais azedos e combativos, que ainda veremos amor e preocupação genuína. Depois de um bom trabalho de limpeza, a piscina continua com folhas boiando, graças a Deus! Tem materiais nobres descascando nos utensílios e… papéis de parede descolando pela casa toda. É mais realista assim! A propriedade nos parece coisa de herdeiros, que não tem muita grana para reformas, mas é a imperfeição, com toques de uma riqueza de outras épocas, que faz do local único, trazendo veracidade e… Ai meu Deus, enquanto eu viajava na maionese, Ben quase afogou propositalmente o pequeno David na piscina de luxo!
O filme é o queridinho de diversos nomes de peso do terror, como Stephen King, por exemplo, com uma proposta atípica para o gênero, embrulhada em uma roupagem tradicional. Novamente eu pergunto, onde estão os fantasmas? O incidente na piscina é tão aleatório e acontece sem nenhum aviso de perigo, em meio à amostras tão descomplicadas de convivência, que nenhuma outra ocorrência malígna é necessária tão cedo no filme, para manter o público em estado de choque. É ainda mais pavoroso constatar, no entanto, que aquela não seria a única vez em que a vida do pequeno Davey estaria em risco. A casa dá indícios de que está consumindo os habitantes de maneiras diferentes e o resultado, é que a vilania se torna transitória e imprevisível. Fenômenos estranhos acontecem, definitivamente, mas apenas quando se fazem absolutamente necessários, ou quando intenções não precisam mais ficar escondidas, mas nunca cedendo aos ingredientes tradicionais dos chamados horrores clássicos. É quase um gaslighting sendo imposto à família e a todos nós, por associação. Enquanto Davey lida com tentativas de assassinato evasivas, o público acompanha o que poderia ser interpretado como os sinais de um casamento fragilizado, a manifestação de traumas de infância, ou o cansaço da velhice, ao invés de assombrações. O mundano invade o que deveria ser o território do extraordinário e após muita tensão, sem tentativas concretas de fundamentar ou induzir a escapada da família, eu imaginei que as estrelas e a reputação atreladas a esta produção, haviam me passado a perna em relação a um suposto desfecho digno do terror. Felizmente, eu estava maravilhosamente equivocada!

A Mansão Macabra me provocou uma reação rara, que é a de pausar o filme por alguns segundos, temendo pelo que está por vir, depois de uma ardilosa e traiçoeira promessa de salvação. Este é um filme para ser visto e nunca mais esquecido, com diversas imagens enganadoras, como um bizarro close up de uma lâmpada na despensa, que nos faz pensar: “Agora vai… agora o filme vai mostrar algum espírito”, e outras com um significado real na história, como os fotografias do lado de fora do quarto da reclusa, mostrando diversas pessoas com expressões estranhas nos rostos. Um personagem perturbador invade a história, primeiro através de sonhos, depois em alucinações e por fim, como um mensageiro sombrio de carne e osso, que consegue destaque em um filme cheio de celebridades, com a simplicidade de um sorriso deslocado e persistente no rosto. Sorriso inapropriado em um vilão silencioso, te lembra algum filme de terror moderno? E que tal galhos de árvores ganhando vida e atacando as pessoas na floresta? Lembra algum clássico lançado depois deste aqui? É impressionante o poder de influência deste filme, do diretor Dan Curtis que veio da televisão e para ela retornou logo em seguida, mas não sem antes deixar lições sobre atmosfera e o constante estado de inquietação que ela é capaz de provocar, quando bem feita, para os diretores que se dedicariam totalmente à telona.
