Em 2018, o ator e diretor John Krasinski deu a si mesmo a oportunidade de desprendimento definitivo do seriado The Office, entrando com o pé direito no terror (e levando junto a esposa Emily Blunt), com a história simples, porém cheia de potencial da família Abbott, que enfrentava uma invasão alienígena com uma vantagem incomum: o hábito da comunicação livre de áudio, contra um inimigo que escuta tudo. Dois anos mais tarde, Krasinski lançou uma continuação, que não era tão interessante quanto o primeiro filme, mas foi muito bem vinda por diversas razões, desde a curiosidade sobre o futuro dos personagens, até as novas informações sobre combate aos vilões, ainda que o ritmo da narrativa fosse irregular, pelo esticamento demasiado de pontos-chave da história. O carro-chefe de Um Lugar Silencioso 2 era mostrar o evento que literalmente deu início ao “Universo do Silêncio”, no dia do primeiro ataque alienígena na pequena cidade dos Abbott. Mesmo sendo rural, o local proporcionou um festival assustador de caos e carnificina, só que por mais bem feito que tenha sido, após o segundo filme a dúvida permanecia com o público, sobre como seria a progressão dos eventos em uma das cidades mais barulhentas do planeta.
Dia Um, conta a história de Samira, uma mulher em luta contra o câncer, que mora em um hospital próximo à Nova Iorque. Duas informações conflitantes chamam a atenção, quando Sam recebe o convite com outros pacientes para assistir a uma apresentação na cidade: uma é que ela não tem o que vestir, porque já deve ter doado quase todas as roupas… talvez por não acreditar que irá resistir à doença e a outra é que Henri, o homem da ilha do segundo filme, está na mesma plateia que ela. Portanto naquele momento, não dá para saber as chances reais de sobrevivência da protagonista, nesta versão metropolitana na história. Familiar mesmo, só que o ataque é iminente e as características físicas das criaturas, que fazem delas superiores à nós em termos de força e velocidade, bem como conhecemos suas limitações e os modos de neutralizar o inimigo. O que estas informações dos filmes anteriores não revelam (e é por isto que esta história não é apenas de Samira, ou de quem cruza o caminho dela, mas de uma cidade inteira), é como os milhões de habitantes serão capazes de manter o silêncio coletivo, ou planejar uma escapatória em um ambiente infinitamente mais hostil do que os outros dois filmes.

A vantagem de Dia Um, pelo menos em relação ao antecessor, é o quão naturalmente a história avança, se aproveitando das possibilidades que o cenário proporciona. Este não é exatamente um filme quieto, ou só feito de sussurros, porque a experiência é diferente, mas qualquer momento de pausa trás alívio, ao invés de tédio. Daria para ser considerado um brinde extra – já que ter os vilões na cidade grande, inibe desejos por ainda mais novidades – mas é muito bom receber informações complementares sobre as características dos bichos. Na verdade, não esperávamos… mas era de se esperar… um avanço nos estudos sobre os extra-terrestres, pelas oportunidades mais numerosas de observação do comportamento deles. Percebemos aqui o quanto as criaturas são inteligentes e estrategistas, qualidades que desconsideramos anteriormente, mesmo que se trate de uma civilização que nos encontrou e nos invadiu, sem ser detectada a tempo de um plano de defesa ser elaborado, de tão animalescos que os ataques sempre foram. O que permanece um mistério neste filme, são motivos e razões para tanta hostilidade, já que a impressão é que não somos comida para eles, mas também, quando nos livramos dos insetos antes de nos mudarmos para qualquer lugar, não explicamos para as baratas o porquê da impossibilidade de convivência.
Não temos John, Emily ou Cillian, mas temos Lupita Nyong’o (incrível como Sam) e Joseph Quinn como Eric, cheios de carisma e competência em papéis que oscilam entre diversos sentimentos, mas principalmente pânico e agonia. Seus personagens não são dois heróis, apenas pessoas normais, medrosas, despidas de vaidade e ego. As demonstrações de solidariedade são genuínas, mas sabemos que elas obedecem à regra do “se a farinha é pouca… meu pirão primeiro!”, sem culpa ou cerimônia, porque não há como julgar comportamentos em uma situação como aquela. Você também abandonaria gente histérica. Só que por mais que o filme esteja livre, para não exigir que ninguém espere por ninguém, o que faz de O Lugar Silencioso uma franquia, não é apenas a sensibilidade ao ruído, mas também a ideia de perdas insubstituíveis. O engraçado é que Samira passa por uma destas perdas e outro personagem repõe o falecido. Só que é ele a companhia ideal, ainda que recente e menos capaz do que o outro, para que a parceria faça sentido nesta nova narrativa sem parentescos, porque o público corria o risco de encarar com apatia, as milhares de mortes ao redor de uma protagonista sempre solitária. Agora, com todo o respeito pelos atores humanos, é impossível não reconhecer que o gatinho terapêutico que Lupita carrega para todo canto, se torna indispensável nesta história. A presença constante do felino vai de tensa à adorável, de prestativa à perigosa, sem que o bichinho perca um pingo do propósito ou da doçura.

Existem crianças que se tornam vítimas, pois não há como ser diferente, mas isto acontece fora de cena e eu agradeço pela ausência de algo que nunca poderíamos precisar, que eram sequências de ataques à locais cheios de gente vulnerável. O diretor Michael Sarnoski, do excelente Pig (2021), mantém a classe e as garras afiadas dos aliens onde elas têm que estar: adultos jovens, em cenas rápidas. A cidade foi bem explorada, sem que a história declinasse para a violência gratuita. Eu adorei como o conceito da intolerância ao barulho, fez com que uma metrópole destruída e esvaziada, com diversos recursos e esconderijos em potencial, nunca fosse uma opção de moradia plausível, pela sonoridade atrelada a estes recursos. A demonstração de uma condução sensível, à altura do criador da franquia está, com todos os atributos técnicos certeiros, estampada principalmente na administração do contraste entre a personagem que já havia aceitado a morte, bem antes de muita gente que morreu de repente diante dela, e do rapaz que precisa muito da moribunda, dando utilidade à própria companhia, como se a ajuda dele fosse uma moeda de troca primitiva e de dar pena. Ele quer viver, ela quer pizza, pelo menos uma última vez e nós queremos que a franquia permaneça humana, independente da invasão de outro planeta ou da contagem de corpos do local onde o filme se passa.
