O nome Barry Levinson chama bastante a atenção porque, ele é afinal de contas o diretor de um dos meus filmes favoritos dos anos 80, Rain Man, além de uma porrada de obras papa-prêmios e não dá para não questionar, o que o homem faz deste lado dos trilhos que separa os aclamados pela crítica, dos aclamados por esta crítica que vos fala. Ainda mais com este found footage tão obscuro, que nem título em português ganhou! The Bay é uma história-catástrofe, mas ao contrário do que se espera deste gênero, o foco não são cenas de ação, ou mesmo algo mais apropriado para o tema deste filme, que seria o plano de combate e contenção de infecções fatais pelas autoridades competentes. Os objetos de interesse da trama são os mortos e o caminho mórbido que fez deles tão numerosos e pútridos. O desafio que Levinson deu a si mesmo, nesta produção muito bem filmada para parecer maior do que era na realidade, foi permanecer entre o familiar e o desconhecido para ele, entregando um filme de terror inquestionável, mas com toques dramáticos, que nos deixa com pena das vítimas e apavorados com uma ameaça razoavelmente realista, fazendo o público de qualquer lugar temer a procedência da água que bebe.
A abertura do filme consiste em pedaços de reportagens sobre desastres ambientais, com imagens impressionantes e reais de destruição da fauna no local atingido, que certamente já vimos em algum lugar, mas como qualquer verdade inconveniente, não demos a devida importância e esquecemos. A sensação é de apocalipse em potencial, que só não vai para frente por pura sorte. The Bay é, no entanto, sobre um suposto desastre muito pior do que qualquer coisa já vista, cuja cobertura da mídia não recebeu autorização para ser divulgada na época, não só porque os contaminados eram humanos e em abundância, mas também porque a rápida e monstruosa deterioração dos corpos, teria causado um pânico mundial difícil de controlar. No feriado de 4 de julho de 2009, na cidade de Claridge, em Maryland, a população exibe ao longo do dia, sinais de uma contaminação que mais parece uma peste bíblica, que estava cercando a ilha silenciosamente há alguns anos. Algo deu início ao contágio e ele não parou mais. O que testemunhamos é uma compilação de gravações das vítimas e dos pouquíssimos sobreviventes, tornadas públicas no formato de um documentário, que não visa o sensacionalismo, apenas o alerta para a implementação de sérias e atualizadas diretrizes ambientais.

O engraçado é que ter reconhecido alguns rostos no filme, me incomodou. Até esta produção, eu não havia me dado conta de que a vertente found footage dos filmes de terror, tinha uma exigência secreta que era a de anônimos ou iniciantes interpretando os personagens, para não quebrar a magia, que honestamente sempre é quebrada por outros motivos. Alguns desses motivos também estão aqui e foi um pouco de inocência minha crer que Levinson, sendo quem é, estaria livre dos sintomas que contaminam outros diretores deste tipo de história. Eu falo dos exageros das captações de conversas íntimas e momentos que ninguém guardaria para a posteridade, como sempre, sem a justificativa adequada. Assim como os personagens com licença para se comportarem como bobocas em cena, já que a desculpa é que ninguém os teria inventado e eles são “gente de verdade”, preenchendo outro pré-requisito do documentário falso, só que desta vez, nunca solicitado. Cientistas sem prática em manuseio de câmeras, enquadrariam apenas o objeto da pesquisa, para estudos posteriores, mas não o cientista junto fazendo palhaçada, como se não estivesse trabalhando. Mas tudo bem, tudo isso é um pouco de “pêlo em ovo” da minha parte.
Quando vemos um pouco mais tarde, as carcaças destes cientistas, sem filtro, vítimas de mortes horrendas e suspeitas, em imagens que provavelmente só seriam mostradas para policiais, legistas ou um júri, de tão pesadas que elas são, eu me pego em outro pensamento estranho: “tomara que o filme inteiro seja assim… corajoso!”. Pois é, surpreende o quão realista as partes mais importantes do filme se tornam, quando os defeitos de sempre são superados e a contribuição de um diretor experiente em outros gêneros, se faz notável. Entre arquivos, imagens de câmera de monitoramento e as gravações da população, existe um cuidado com a montagem da narrativa, priorizando a autenticidade na maior parte do tempo. A narradora da história, uma estudante de comunicação que sobreviveu ao incidente, chega a sugerir um locutor profissional para a tarefa, mas o falso realizador do documentário insiste que a testemunha ocular conte sua própria versão dos fatos, mesmo que ela sofra com a falta de preparação para a função e com as memórias traumáticas do incidente. Acostumado a trabalhar com estrelas do primeiro time de Hollywood, Levinson busca exatamente o oposto neste filme.

Claridge é uma cidade pequena, que enche de turistas em datas como a daquele dia fatídico, só que tanto o drama e o terror que o diretor extrai de dentro dele, não está relacionado ao número de vítimas atingidas. O trabalho de maquiagem é tão competente quanto muitos outros no gênero e o que nos pega de surpresa, é que muitas vezes não precisamos dele. O áudio de moradores passando mal e pedindo ajuda, é tão perturbador quanto as imagens da bactéria responsável pelo caos, que reconhecemos como a vilã da história, saindo de fissuras em corpos de mortos e vivos, sem noção da própria importância. As cenas da idosa vomitando sangue na calçada são terríveis, mas não teriam o mesmo impacto sem a vizinha que as registra, enquanto tenta acionar a polícia em meio aos prantos dos filhos e do desespero que a faz esquecer o próprio endereço. A violência não chega a ser banalizada, mas não há misericórdia para os considerados vulneráveis, porque ao invés de ser um horror apaziguado pela humanização, ele é intensificado por ela. A ineficiência das autoridades e equipes de socorro, é um dos aspectos mais marcantes e realistas da história, que fala de uma comunidade sendo dilacerada quase que completamente, quando não há o que fazer, para aqueles entre nós que tinham curiosidade de ver o desenrolar de uma ideia dessas. É um pouco como Catástrofe Nuclear (Threads – 1984), só que sem medo de ser muito mais nojento e ir parar do nosso lado dos trilhos.
