É vantajoso para filmes de terror, principalmente os sobrenaturais, que surjam lendas urbanas em relação a supostas assombrações durante filmagens, ou que atribuam a alguma maldição relacionada ao tema da história, doenças e mortes de atores e equipe, após o lançamento do filme, mas a festa da publicidade orgânica e gratuita termina, quando saímos do território da especulação inofensiva e a produção vira o palco de uma tragédia real, como foi o caso de Além da Imaginação – O Filme. De repente não é mais sobre uma aura de mistério e sim sobre uma investigação criminosa. Nós temos aqui uma homenagem ao grande criador Rod Serling, praticamente pai do terror na televisão, com a colaboração de quatro diretores renomados no cinema, além de diversos profissionais da área, produtores, atores, roteiristas, que certamente eram fãs da série, fazendo uma seleção respeitável de curtas, entre clássicos e inéditos para montar este longa, com o intuito de apresentar a proposta do programa de t.v. a uma nova geração de espectadores, só que é impossível falar deste filme, sem ao menos mencionar a morte dos três atores, sendo duas crianças e o protagonista do curta, em um acidente bizarro durante uma sequência de ação desnecessariamente perigosa, envolvendo fogo e a hélice descontrolada de um helicóptero. Este filme é a prova de que a narrativa da maldição, só pode ser aceita se permanecer no âmbito da fantasia.

A cena toda foi cortada da versão final do filme, mas como o estrago estava longe de ser uma simples tomada mal feita, pois não se apagam fatalidades e algumas negligências são imperdoáveis, o filme carrega uma mancha eterna. É uma pena, porque é visível que esta era uma obra feita por amor, na qual a comunicação entre os realizadores de cada segmento, clara, cooperativa e rara em antologias, possibilitou a seleção de temas diferentes que se complementaram e refletiam muito bem o espírito da série. A introdução do filme, que já é brilhante pela escalação de dois comediantes famosos (Dan Aykroyd e Albert Brooks… inofensivos e deslocados no terror, certo?), viajando despreocupadamente por uma estrada vazia tarde da noite, desarmando as defesas do público até que o grande susto aconteça, só não é perfeita, porque nos dias de hoje a maquiagem envolvida pode ser considerada ultrapassada, mas ela funcionou muito bem para traumatizar quem viu no cinema, furando o boicote nunca oficializado, porém responsável pelo fracasso nas bilheterias. Entra aqui aquele questionamento sobre separar a obra do artista, mas como proceder quando a própria obra é o problema? Eu confesso que curti, porque sou maluca pelo seriado, na maioria das releituras que ele recebe na televisão através das décadas, e porque o filme é bem feito, mas não foi sem uma dose de melancolia e um pouco de culpa, que me fez evitar de escrever sobre este título por anos. Produtor do filme e o diretor do segundo curta, Steven Spielberg, cortou relações com o diretor John Landis, que também precisou se defender pelo acidente em um processo. O único resultado positivo foi o endurecimento de normas e cuidados em filmagens perigosas, dali em diante. 

A primeira história, profeticamente nomeada “Tempo Esgotado (Time Out)”, é a única original do conjunto e fala sobre um sujeito desprezível e amargo chamado Bill. Afogando as mágoas após perder uma promoção no emprego, com os amigos em um bar lotado, Bill não faz nenhum esforço para respeitar as garçonetes ou manter a conversa privada, porque o que ele quer é atenção, esbravejando insultos racistas até se cansar e ir embora sozinho. Do lado de fora do bar, o cenário mudou e quando Bill se dá conta, o estabelecimento sumiu. O mundo no qual ele era um homem livre não existe mais e Bill está prestes a embarcar em uma jornada bastante educativa, sobre o que é realmente viver como uma pessoa oprimida em um ambiente hostil. Além da grande mensagem deste segmento, a melhor coisa é ver a resistência do personagem principal às condições que lhe são impostas, não porque ele não compreende o que está acontecendo, mas porque é muito difícil para qualquer ser humano, abdicar do direito à liberdade e ao respeito, ou seja, algo que Bill nunca achou que pessoas diferentes dele mereciam. A lição do opressor é virar um oprimido, enquanto a realidade ao redor sofre uma metamorfose inexplicável da Europa invadida por nazistas na Segunda Guerra Mundial, para o segregado sul dos Estados Unidos e em seguida, para uma floresta do Vietnã durante a guerra, com o protagonista na pele de um judeu em fuga, depois de um homem negro fugindo da Ku Klux Klan e por fim, de um vietnamita perdido no lado mais fraco do combate. É uma ótima história, mas infelizmente é também a que resultou em mortes, entre elas a de Vic Morrow, que interpreta Bill. 

“Chutar a Lata (Kick the Can)”, me pareceu na primeira vez que eu ví o filme, uma escolha muito estranha, dentre os diversos episódios da série que poderiam ter sido atualizados neste filme, por ser uma história muito suave, mas em retrospectiva é preciso reconhecer que Além da Imaginação não foi feito apenas de terror. Talvez também por ter sido um dos menos conhecidos, ou com o desfecho esquecido, ao contrário de episódios como “Para Servir o Homem” ou “A Beleza Está Nos Olhos de Quem Vê”, este segmento dirigido por Spielberg se torna uma agradável e necessária pausa entre contos mais sinistros, sem que o público antecipe uma grande revelação. A ideia é que somente aproveitemos outro tema recorrente da série: o mundo sobrenatural, que prendeu todos os personagens, muitas vezes de modo permanente… não precisa ser sempre retratado como um lugar sombrio! Na história, que se passa em um asilo, os residentes em idade avançada não fazem muita coisa além de esperar pela morte. A maioria aceita que a vida já foi bem vivida, então não há do que reclamar, mas um dos idosos desafia esta ideia com um convite aos demais, para uma brincadeira de infância realizada em segredo na madrugada, enquanto os funcionários dormem. Quem sabe um novo despertar acontece! Esta nova versão de Chutar a Lata, tem uma narrativa melhor estruturada do que o episódio que serviu de inspiração, mas a mensagem positiva permanece. Enquanto respirar, viva!

A história seguinte é sobre um ditador monstruoso, controlando qualquer um ao redor com seus poderes psíquicos, que forçam todos a estarem sempre bajulando ele, com o agravante de que Anthony, o capeta, é uma criança de apenas 6 anos. Quem não o obedece, é punido severamente, ou morre. “É Uma Boa Vida (It’s a Good Life)” dirigido por Joe Dante (Gremlins), é uma releitura bastante diferente de uma das histórias mais assustadoras escritas por Serling. O Anthony antigo era mais diabólico, enquanto que o do filme abre caminho para uma redenção. Nesta versão, o menino não lê mentes e não fez o mundo inteiro sumir, mantendo somente a cidadezinha onde mora, com o que sobrou dos moradores nela. Por esta razão, um fator externo é capaz de se aproximar e ameaçar o reinado do pivete, com ferramentas que o original jamais poderia cogitar em permitir: disciplina, compaixão e orientação sobre o uso dos poderes, por alguém completamente qualificado para a tarefa. Anthony novo é um menino criativo e a direção de arte reflete bem esta qualidade, apesar de ser um pouco exagerada na bizarrice extraída dos desenho animados, removendo com tanto barulho, um pouco do impacto das punições do menino sobre algum desafeto. O truque único do Anthony antigo, ainda se mantém firme como uma das cenas mais impressionantes e chocantes de toda a série. Este não é pior ou melhor do que o original, apenas diferente. 

Eu sempre considerei a última história deste filme o carro-chefe de Além da Imaginação, não apenas porque o original é um ícone do terror, que se sustentaria como um curta sem o apoio dos outros episódios, mas porque esta versão com John Lithgow no papel que já foi de William Shatner, reforçou o status cult de horror puro, sem explicações ou justificativas no episódio. O conto clássico da paranoia no avião, chega aqui apenas com as atualizações necessárias de uma produção mais robusta, sem que a narrativa, com seu ritmo já impecável naquela época, sofra alterações prejudiciais. Em “Pesadelo a 20.000 Pés (Nightmare at 20.000 Feet)” dirigido por George Miller (franquia Mad Max), um passageiro que sempre teve medo de viagens aéreas, está convencido de que existe um monstro na asa do avião, mas só ele consegue ver. Uma tempestade está atrapalhando o vôo e uma das turbinas fica comprometida, mas o que o passageiro enxerga é um demônio provocando diretamente todos os problemas, que são bem reais. Ele está louco, ou todos estão realmente em perigo?… Diretores consagrados, seleções inteligentes de episódios, ótimas atuações e imagens assustadoras, bom, controvérsia também, para sempre.