Começamos o filme em Belém. Não a de Jesus, a nossa, do Pará, da Joelma! A polícia paraense está apurando a decorrência desastrosa de uma investigação paranormal dentro de uma pequena igreja, que resultou no desaparecimento dos investigadores apontados pelo Vaticano, largando equipamentos para trás e deixando muitas dúvidas no ar. Para evitar que a história se repita, na investigação seguinte acontecendo em uma área rural da Escócia, a pedido de um padre solitário e emocionado, até a casa alugada pela equipe a serviço de Sua Santidade precisa virar um Big Brother, para gravar cada passo dos envolvidos com boa qualidade de som e imagem. Também captada em vídeo, acidentalmente durante um batizado por um parente do bebê, este novo suposto evento sobrenatural não parece grande coisa à princípio. Alguns objetos se movem, sons estranhos são ouvidos e o episódio todo tem cara de algo forjado, pela razão que for, mas o Vaticano precisa averiguar todos os incidentes, portanto, se for uma mentira, os enviados retornam para casa e o padre, exposto pela armação, sofre as consequências do ato irresponsável. Se for verdade, a instituição cristã pode ganhar mais um centro turístico para o catolicismo. Isto, é claro, se estamos falando de milagres vindos do céu, não de maldições do lugar oposto, mas com certeza o padre usou barbantes e possui comparsas, então não há o que temer!
Com seus dois títulos oficiais (um americano e um britânico), The Borderlands é atmosfera pura, manipulando nossas percepções o tempo inteiro, com uma sensação de segurança conseguida através de muito realismo… e não existem manifestações paranormais no cotidiano. Ocasionalmente, alguma cena quebra discretamente esta construção de normalidade que domina a narrativa, mas de forma ambígua, na qual não podemos afirmar com certeza se algo realmente extraordinário está acontecendo. Por muito tempo, o mau pressentimento que temos vem da população local, que hostiliza a equipe de investigação sem razão aparente e as táticas vão desde o silêncio constrangedor, quando alguém pede informações simples, até o ataque indireto, com uma interação que aparece na forma de uma sequência terrível, envolvendo a tortura de uma animal deixado na porta da casa Big Brother alugada. Não se sabe se os moradores apoiam o padre e detestam os investigadores, se odeiam a perturbação que um milagre comprovado traria para a cidade, ou se já odiavam a reabertura daquela igreja centenária e controversa desde o princípio, pelo religioso que já chegou no local ansioso por sinais do além. Eis que uma série de “panorâmicas amadoras” feitas sem corte, pela câmera embutida na cabeça de um dos detetives, mostra uma lápide no cemitério atrás da igreja com o nome dele, que o cinegrafista-acidental-distraído não percebe, então a certeza da atividade sinistra chega, pelo menos para nós, sem que a intenção por trás dela fique claramente revelada.

Dois elementos funcionam muito bem na história: o found footage e a dinâmica entre os personagens. Com a desculpa de uma imposição contratual, feita pela organização poderosa que é a sede da igreja católica, a câmera embutida na altura dos olhos dos personagens, somente dispensável no banheiro, é uma obrigação que justifica o que muitos filmes da mesma categoria não conseguem legitimar, porque ninguém precisa carregar peso ou focar lentes durante um momento de pânico e sendo um instrumento leve, utilizado o tempo inteiro, ele é esquecido pelos usuários que conversam livremente, proporcionando uma experiência interessante de naturalidade… o que torna o sobrenatural ainda mais impactante para o público. São três participantes, que apesar dos recursos e do suporte estrangeiro, vivem em isolamento. Eles não poderiam ser mais diferentes uns dos outros em termos de crenças e personalidades, o que gera cenas intencionalmente hilárias, mas sem ares de palhaçada. Um técnico, responsável pelo equipamento instalado na casa, na igreja e nos investigadores, e dois usuários da batina, que se detestam, mas concordam que a missão será como todas as outras, ou seja, uma perda de tempo provocada por delírios de um padre desesperado, para a desgosto do técnico, que mesmo sendo ateu, se mostra mais aberto para a possibilidade de captar fenômenos espirituais, do que os religiosos acostumados com a decepção da função que exercem.
O filme é modesto nas locações e simples no argumento, como tantos outros parecidos, mas esta é a avaliação superficial, porque ele sabe executar estas características muito bem e o objetivo é que o público baixe a guarda mesmo. A interação dentro da casa evolui naturalmente para uma amizade, principalmente entre o técnico cheio de graça e um dos padres, cheio de traumas, já que o outro padre e líder do grupo demora para chegar, forçando aquele bom e velho conflito de egos, quando a dupla resolve deixar de esperar e inicia a pesquisa sem “o chefe”. É uma cumplicidade prazeirosa de se ver, entre um rabugento que vive quebrando as regras da igreja e um adulto com alma de moleque, inapropriado e curioso. Quando o líder aparece, tudo, ou quase tudo por conta do moleque, é conduzido de maneira profissional e cuidadosa. O líder não atrapalha a amizade crescente entre os outros dois, porque apesar de ser chato, é um chato sério e responsável, sem os estrelismos que o rabugento acha que ele tem. O que inevitavelmente acaba com a credibilidade entre os amigos recentes, não tem nada a ver com o chato. Basicamente, ficamos entre duas locações principais e o caminho entre elas. De vez em quando há um pub, um passeio na floresta, só que próximo ao final do filme, o terreno de alcance da produção deste longa se expande de uma maneira inesperada, interminável e surreal, levando a um desfecho terrível para a história, que eu ainda estou tentando processar na minha cabeça.

Um personagem sai de cena de maneira trágica e o filme nos introduz outro, que sem querer traz a tragédia final, em uma sequência tão absurda, assustadora e meu Deus, evitável, que ela acontece como um soco e é impressionante perceber, que apesar do cuidado do filme em pisar fora do terror o máximo que conseguia, com seus ruídos enigmáticos, imagens indefinidas e os objetivos incertos de quase todo mundo… o resultado chocante seria o mesmo, por ser um terror em forma de armadilha, feito para pessoas que pareciam normais demais para este tipo de coisa. É claro que a condução do filme, ou a condução do medo dentro do filme, sendo vagarosa e hesitante, nos fazendo procurar muito e encontrar pouco, potencializa estes sentimentos e a conclusão da história, nos faz ter uma apreciação maior por um tipo de vilão imbatível. Ele pode até não ir atrás de você, mas não se aventure muito pelo território dele porque se ele te pegar, não tem conversa. The Borderlands me fez ir até o final dos créditos, pela possibilidade de conter mais informações, como nos filmes da Marvel, mas não necessariamente por curiosidade, eu só estava me sentindo muito mal mesmo.
