Considerando as circunstâncias da escapada e o estado em que ela estava, é impressionante que Jessica tenha conseguido chegar em casa, cuidado da aparência um pouquinho (para não chamar a atenção de ninguém) e voltado para a rua, sem alertar os invasores armados que já estavam a alguns metros de distância. Sumir da cidade e ir para bem longe, sem dinheiro ou conexões, sem usar transporte coletivo, ou o próprio e sem que absolutamente ninguém veja, é outro motivo de orgulho, apesar de que não sabemos se ela cometeu um crime para estar naquela situação. Não sabemos se o autocontrole e as habilidades de uma pessoa procurada são fruto da necessidade repentina, ou de algum treinamento específico. Analisando a operação que se forma rapidamente, com recursos tecnológicos respeitáveis, porém usados com discrição, para capturar a jovem antes que ela cruze a fronteira dos Estados Unidos, eu diria que ela é um alvo importante e secreto. Só que enquanto Jessica foge, uma organização a persegue e a gente fica boiando, acompanhamos uma história rica em cenários, diálogos e personagens humanizados, saídos da mente de um criador estreante e tendo este filme como parâmetro, bastante promissor. 

Quando o angustiante drama médico de uma das agentes no encalço de Jessica, invade o filme com diversas cenas e arrancando a nossa sincera simpatia, foi necessário checar se este era mesmo um terror, porque não seria minha primeira confusão deste tipo. É inegável que a doença degenerativa de Elsa e as tentativas frustradas dela de ignorar o problema crescente, proporcionam momentos poderosos de reflexão e o público não consegue deixar de se envolver, mesmo que o gênero que nos leva ao filme seja, este sim, ignorado com sucesso por um bom tempo. Aos poucos deixamos a ansiedade para assistir a algo macabro, para seguir o fluxo da narrativa de perseguição, enquanto poucos e curtos flashbacks espalhados pelo filme, não revelam o que queremos saber. Eu mencionei a palavra “agentes”, mas não havia a confirmação de uma busca governamental, oficial, ou a que agência ela pertenceria. Talvez o quadro mostrando o progresso do caso que Elsa colocou na parede, com suas fotos sugestivas, mapas e pistas, nos dê sinais do que está acontecendo. Mas o melhor de verdade, é fazer uma crítica que pisa em ovos, ainda que o twist chegue bem antes do final do filme.

New Life é cheio de personagens interessantes, dos dois lados da caçada. Há ótimas histórias saindo de confissões inesperadas, tanto para Elsa quanto para Jessica, que escutam tudo com diferentes graus de curiosidade e atenção, dependendo do estado de espírito, mas para nós todas são válidas. Jessica extrai o melhor de todos que encontra pelo caminho, seguindo para o norte, provavelmente para o Canadá, sendo que sozinha em um terror, não conseguiríamos imaginar tamanha solidariedade. As pessoas olham aquele olho roxo dela, o anel de noivado no dedo e começam a especular, mas não sem antes oferecer ajuda. Elsa por sua vez, está cercada de amigos de longa data, que a conhecem muito bem e amigos recentemente adquiridos, por conta dos problemas de saúde, que se agravam rapidamente e se eu tenho direito a pelo menos uma reclamação deste filme, é a irresponsabilidade dela em permanecer no caso, aliada à falta de ajuda presencial de outros agentes, que teria evitado falhas imperdoáveis neste tipo de trabalho. Mas para falar a verdade, a própria reclama da mesma coisa e mais adiante na história, enxergamos estas carências de recursos com outros olhos. 

Exatamente na metade do filme o terror chega, mas o pacto feito com o leitor anteriormente continua válido, porque seria ótimo se você tivesse mais ou menos a mesma experiência que eu tive, encontrando este título por acaso, ficando longe de trailers e assistindo ao filme sem saber quase nada sobre ele. Basta que você saiba que a história se posiciona dentro de uma categoria de terror clássico, mas de uma maneira muito incomum e é uma surpresa e tanto! Nossas percepções mudam bastante e há um reconhecimento de que a condução da narrativa, que não possui ritmo lento, apenas retenção de informações-chave, tinha sido genial até então. Um recurso visual inusitado acontece por alguns minutos, que precedem e encerram um flashback mais explicativo, que é a transcrição na tela, de uma ligação entre Elsa e o homem que a contratou para o serviço. É tão desnecessária, já que acompanhamos a mesma conversa com áudio e vídeo, que só podemos presumir que não é por acaso. A impressão é que outras pessoas irão examinar o passo a passo desta operação futuramente e que existe a possibilidade de estarmos no passado da história, dentro de um grande flashback que está em curso dentro do início do filme. O que New Life se propõe a nos mostrar, a partir da grande revelação do que une Jessica aos caçadores, é o lado burocrático de uma história de terror. 

Existe uma cena próxima do final, que eu não vou estragar, mas que merece destaque, na qual Jessica se vê quase que na mesma situação do início da fuga. Com a cara suja de sangue, desesperada, em uma casa que ela aos poucos percebe também conter uma ameaça e sem poder pedir ajuda. Eu acredito que seja o único susto do filme, mas ele dá uma acelerada tão “braba” nos batimentos cardíacos, que daquela vez o abandonado para sempre é o drama. Até ali, no entanto, o filme caminhava muito bem, de um lado, uma das protagonistas nos convida à contemplação, atravessando o país com cenas belíssimas da natureza selvagem. A outra protagonista, com cenas preocupantes da selvagem natureza humana, nos leva à compaixão, nesta produção ambiciosa com alguns descuidos na direção, mas nada que desabone o realizador em seu primeiro trabalho para o cinema, John Rosman, que também assina sozinho o roteiro. Ótimas atuações e personagens convincentes como pessoas de carne e osso, até mesmo aquelas com mais poder nas mãos e é por causa de todas elas, que este terror fica ainda mais assustador, em retrospecto. A última coisa é o pôster do filme e eu adorei que ele destaque as duas mulheres, não só porque elas compartilham o mesmo tempo de cena, mas porque o desfecho ambíguo da história, sugere outro elo sombrio de ligação.