Se você viu o trailer, que desavergonhadamente já entrega o grande twist da história, vai estranhar o quanto ele demora para ser revelado no filme. Mas não há como negar o valor embutido nesta decisão de como conduzir a narrativa, porque ela acaba transformando o público em cúmplice de alguém que finge ser o que não é, enquanto os adultos em cena, na aparência, usando toda a experiência de vida para juntos cometerem o crime hediondo perfeito, são manipulados o tempo inteiro por uma vilã, reinando suprema em um filme cheio de vilões, com a inserção meticulosa e calculada de pequenas informações, falsas e verdadeiras, “arrancadas” da “vítima” sob persuasão ou ameaça. O conhecimento sobre o plano, na verdade sobre parte do plano principal, porque não há somente um twist no filme, deixa a nossa sessão de cinema diferente e interessante. Somos comparsas involuntários de um monstro cruel e forçados a torcer por gente que não presta. Por mais de uma razão, Um Drink no Inferno (1996) vem à mente. Com uma visão privilegiada dos fatos, só nos resta aguardar aquele povo parar de brigar entre si, porque tudo está dando errado e acordar para enxergar quem realmente está no comando da situação.

Falando nela, conhecemos a pequena (não jovem) Abigail dançando sozinha ao som de um segmento de O Lago dos Cisnes, em um teatro de grande porte fechado exclusivamente para o treino dela. Duas coisas estão claras: ela tem o talento de alguém que pratica balé há muitos e muitos anos… e… papai tem grana! É exatamente pela grana que um grupo de criminosos, veteranos e novatos, entusiasmados e apreensivos, irão sequestrar a garota, sob o contrato de outro homem poderoso, rival do pai da menina. Como a maioria é profissional, o trabalho acontece sem grandes imprevistos e quase nenhuma resistência. A garota é praticamente levada de uma mansão para outra, sendo que a primeira é a belíssima casa dos sonhos da Barbie onde ela mora, e a outra é algo mais rústico, fornecida pelo contratante do serviço, cheia de objetos antigos, estilosa, só que de um jeito medonho, como se apesar do gosto duvidoso tudo fosse muito caro, mas não fosse muito bem cuidado. É mais do que isso. Parece uma paródia de uma mansão e realmente, sendo uma comédia de terror, as aparências são propositalmente caricatas. Eu gostei quando alguém na internet mencionou Scooby Doo para explicar o plot sem dar spoilers e faz sentido que a estética aqui siga a linha de desenho animado. De qualquer forma, o magnata está confiante de que os milhões que ele pede pelo resgate, também conhecido como dinheiro de troco para o pai da sequestrada, faça com que o processo de devolução seja rápido e sem imprevistos, então tudo o que a equipe precisa fazer é tomar conta de Abigail por uma noite, inteira. Moleza!

Entre todas as coisas que destacam o filme de produções semelhantes, a principal é o nível de barbaridade sendo atribuída a uma vampira interpretada por uma atriz muito nova. Abigail não é Claudia de Entrevista Com o Vampiro (1994), nem Eli de Let The Right One In (2008), ela é Nosferatu, só que bonita por fora. Nojenta, monstruosa, assustadora e animalesca com seu corpinho miúdo dentro da roupinha de bailarina. A atriz está se divertindo horrores, em um papel definido pela violência extrema, o que é fascinante e preocupante, e eu me vi forçada a procurar a idade da intérprete, de tanto talento e conforto que eu vi naquele desempenho. A direção não filtra muita coisa e coloca a jovem em situações um pouco polêmicas para a idade dela, para o nosso desconforto e é esse o plano. Fazer uma reinvenção do horror que já conhecemos, que é a idosa que já deveria estar morta há séculos, presa no corpo de uma criança, mas completamente ciente de que é necessário avançar vários sinais vermelhos, para chocar um público que não se surpreende tanto com Claudias e Elis nos dias de hoje. As cenas de ataque são boas, mas o que realmente surpreende é quando ela está calma, com a voz sem alteração e os olhos mortos. As palavras são sarcásticas e o sentimento é de desprezo, como se a essência não fosse de vampira, mas sim de uma bailarina insuportável, que acabou de conseguir o papel principal no espetáculo e não precisa mais fingir que gosta das amigas. Ela ainda é o deboche em pessoa, fingindo ser fofa depois de revelar o segredo, sabendo que não está convencendo ninguém, só para pentelhar mesmo. 

A dupla na direção, Matt Bertinelli-Olpin e Tyler Gillett é a mesma responsável por Casamento Sangrento e as ótimas e mais recentes sequências de Pânico, trazendo para este lançamento as características costumeiras de seus outros filmes, como a capacidade de gerar diversas surpresas, dentro de uma premissa que o público pensa conhecer muito bem e o equilíbrio agradável entre humor e terror. No casarão, quando a menina se revela e fugir não é uma opção, o filme, além da grande vilã, também se sustenta nos ombros de seis malucos que mal se conhecem, não se respeitam, não estão preparados para a carnificina que acontece e não estariam mesmo que fossem os responsáveis por ela, gerando uma onda maravilhosa de alívio cômico que é quase ininterrupta. É claro que existe uma ordem de mortes, como um protocolo do cinema de horror presente em lugares inescapáveis com múltiplas vítimas. Só que ele é completamente irregular e sem obediência a ritmo normal de eliminação, o que proporciona parcerias inusitadas entre os sobreviventes, com potencial somente para apego do público e muitas risadas, mas sem nenhuma utilidade real de combate. A sorte do grupo, é que a garota gosta de brincar com a comida e que o sol nasce todos os dias.

O roteiro cuida para que as nossas percepções sobre vampiros, ou melhor, sobre o combate a eles seja sempre testado e frequentemente frustrado, fazendo com que o filme seja imprevisível em diversas ocasiões. Eu me pergunto quanto pode ter custado fazer a história em basicamente apenas uma grande locação, ou aquela meia-dúzia de rostinhos semi-conhecidos, carregando o filme tão bem na base do riso nervoso. O duo de diretores sabe trabalhar com blockbusters sem fazer feio, mas está se especializando em filmes igualmente difíceis de manter o controle, como este que é mais reduzido em produção, porém complicado de garantir a nossa atenção. Personagens complexos e bem escritos, são melhores do que estrelas em papéis medíocres, então grana é o de menos em qualquer filme. O que realmente interessa é que a premissa poderia facilmente se perder nas próprias limitações, mas isto não acontece. A partir de um certo ponto, o filme para de se dividir em atos e simplesmente segue desenfreado, sem nenhum sinal de bagunça. Tudo o que ganhamos é muita diversão, bom e muito sangue.